De um futuro analógico

Editorial extraído da edição de outubro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


O nosso futuro será analógico.

Em virtude do caráter forjado na regularidade, o RelevO reforça com certa frequência a importância dos hábitos e de seu pacto com o real. Acreditamos nos rituais, nas repetições, nas buscas individuais por espaços que fujam da pressão e da volatilidade de ser contemporâneo. De fato, folhear papel parece tão… século 20, assim como todas as coisas que possuem dimensões táteis, como um sapato. E não parece muito sustentável (assim como os sapatos). Contudo, folhear papel é uma experiência real, mensurável.

Não somos o que se pode chamar de conservadores e não somos o que se chama de progressistas. Ao nosso modo, buscamos participar das discussões que mobilizam nosso cotidiano, em um cruzamento entre o novo e a tradição, entendendo o humor como uma força norteadora de nossa existência. Por apostarmos em novos autores e autoras, almejamos oferecer um recorte do que é produzido na atualidade, sem desconsiderar, por exemplo, uma tradução de Emily Dickinson que chega à nossa caixa de entrada. Não existe o novo sem uma interlocução com repertórios anteriores.

Entendemos que ser um jornal de papel e literatura em 2022 é promover um espaço de diversão (e alguma reflexão, vá lá) fora da tela. Somos pela produção de presença: o viés digital é apenas uma ferramenta de que fazemos uso moderado por conta de seu potencial de abrangência e distribuição. Nosso leitor ideal está procurando experiências off-line – também por isso nos solidarizamos com os leitores que não prosseguem com a assinatura por falta de tempo. De fato, deve ser frustrante investir 70 reais ao ano para uma leitura de aproximadamente uma hora e não conseguir ler no intervalo de 30 dias; é melhor gastar em outra coisa que produza presença – como uma pizza, mais ou menos nesse valor.

É possível argumentar que é melhor passar uma hora mensal nas redes sociais (sabemos que a média de vida que o brasileiro passará na internet é de 40 anos, com potencial de aumento de tempo), porque não se gasta. Mas aí temos uma diferença para um produto físico que custa 70 reais ao ano: em muitos casos, o produto nas redes é o próprio consumidor, imerso em uma rede alucinante de publicidade e recolhimento de dados. Assim, pela identificação dos hábitos (quem diria), o consumidor é avaliado pelas plataformas e o consumidor, então, compra ou vira audiência (que vira dinheiro). É a máxima recente: “se você não está pagando por isso, você não é o cliente – você é o produto”.

Acreditamos que o futuro será analógico não porque os cabos subterrâneos de internet serão cortados e voltaremos a usar lampião de querosene. Não somos luditas, muito menos saudosistas que acreditam que os egípcios de três mil anos atrás faziam intervenções dentárias melhores. Quando dizemos “nosso futuro”, nos referimos a uma parcela de pessoas que não aguentará mais a linearidade do consumo cultural e pagará para receber uma experiência em casa, longe de banners, pop-ups, comerciais indesejados, novos links, cookies, WhatsApp Web aberto, Craque Neto. E isso que nem estamos falando dos smartphones como intensificadores de ansiedade e depressão.

Um cínico de carteirinha pode apontar que o leitor de jornal de papel e de literatura que posta seu hábito analógico no Instagram é uma fraude. Pois nós não concordamos. Este nosso leitor ideal apenas está em busca de sua comunidade analógica, que pode desconhecer os benefícios (não é nossa função, mas agradecemos se houver) de simplesmente parar e ler algo aleatório – algo, sobretudo, tangível e não produtivo.

No RelevO, você recebe o que paga. Buscamos oferecer o que consideramos serem os mais interessantes textos contemporâneos. E nós pagamos aos colaboradores. Pouco, é verdade, mas em proporção infinitamente maior que a do Spotify para pagar aos músicos catalogados, por exemplo (com orçamento infinitamente menor). Outro fator que não desconsideramos é o simples aspecto egoísta de ter um produto de arte em mãos e poder fazer o que quiser com ele, como levar a uma cachoeira ou a um café, ou somente aproveitá-lo para forrar os copos diante da imediata mudança de casa.

Uma boa leitura a todos.