Ricardo Lísias: Heroísmo

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2017 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O editorial de agosto do RelevO me pareceu bastante ilustrativo de um certo abuso na utilização das palavras. Mais do que isso, é como se utilizar um termo para determinada situação seja suficiente para que ela ocorra. O jornal se declara um ato de subversão, basicamente por existir de forma impressa. 

Em todas as discussões sobre o livro virtual, por exemplo, um detalhe se repete: os autores parecem sempre ansiosos para ver seus livros também impressos. É como se o ebook fosse apenas uma segunda possibilidade, bem-vinda, mas apenas secundária diante do verdadeiro reconhecimento que é ver o texto impresso. Todo mundo que quer publicar, deseja publicar um livro. Nem todos, porém, fazem questão de que o mesmo texto seja publicado sob a forma digital. Apenas em ebook, acho que quase ninguém. 

Muita gente que adora ler fala com clareza que jamais vai aderir ao suporte digital. Os argumentos vão desde o cheiro do papel até a possibilidade de escrever um comentário na margem das folhas. Fala-se simplesmente de um hábito que, por ser tão agradável, não deve ser deixado para trás. Raros, por outro lado, são os leitores que dizem recusar a folha em nome da tela.

Fica então aqui a minha primeira inquietação: o que pode ter de subversivo em existir sob uma forma que todo mundo deseja? Do mesmo jeito, posso listar uma série de veículos impressos sobre literatura ou arte em geral que circulam com significativa desenvoltura no Brasil contemporâneo. Evidentemente, sei que muitos jornais e revistas de literatura ou cultura acabaram nos últimos anos. Outros apareceram e alguns continuam existindo. Aqui e ali a gente vê a reclamação: somos os resistentes! A palavra resistir, já gasta, vira um troféu. Só não listo dez resistentes subversivos para não ficar constrangedor demais. 

Somos todos subversivos?

Depois, mais surpreendente ainda foi ver o orçamento do jornal: se não entendi errado, ele é superavitário! Houve em agosto um lucro de 300 reais. Não há de fato nenhuma subversão em ter lucro. Certo, não é o lucro do Itaú, mas não vejo nenhum tipo de grande heroísmo em publicar textos de qualidade elevada, fotografias interessantes e um poema realmente excelente (o de Ismar Tirelli Neto) e ainda não perder dinheiro com isso.

Pode-se dizer que a doação pessoal dos responsáveis pelo jornal é o seu tempo. Ora, é evidente que eles gostam de literatura. Fica claro que sentem prazer em fazer o RelevO. Subversão não combina muito com isso. Que risco vocês estão correndo? Nem dinheiro perdem…

Acho que no caso houve um nítido abuso da palavra subversão. Parece que se declarar subversivo já é suficiente para que essa condição se realize. Não é o caso. Inclusive, os verdadeiros excluídos da ordem contemporânea não têm sequer o interesse em estabelecer com o status quo algum tipo de medida. Dizendo de outro jeito, talvez o verdadeiro subversivo esteja tão afastado da ordem que sequer mensure o seu espaço. 

O que eu senti foi uma espécie de gozo em se declarar subversivo. Mas em setembro de 2017, acho que não é tão fácil assim. Mais razoável é se enxergar um bom jornal. Qual o problema disso?