Editorial extraído da edição de fevereiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.
Todo começo de ano, buscamos aprimorar, modificar ou nos esquivar de determinados comportamentos típicos da nossa estrutura. Refém de ciclos como sempre fomos — isso de ser mensal nos conecta ao tempo do calendário —, vamos, ao longo do ano, empurrando alguns problemas. Por exemplo, a dificuldade de manter em dia a leitura dos originais que nos são enviados, bem como a aversão (ou simples inaptidão) notória que temos das redes sociais.
Com relação ao nosso primeiro déficit histórico, começamos o ano lendo quase mil textos, retirando no mínimo 50 que podemos ler, reler, olhar para o lado e dizer: “aí sim, aí sim”. Ainda temos aproximadamente 500 leituras pendentes. Em 2021, tivemos um aumento de 30% nas submissões de textos, o que consideramos um excelente fator de interesse — e um dado angustiante. Mais textos lidos (e aprovados) indicam a possibilidade de prover edições mais coesas, tanto editorial como graficamente.
Entretanto, há duas questões crônicas nas não leituras. A primeira refere-se ao tamanho do nosso Conselho Editorial, atualmente composto apenas por editor, editor-assistente e um terceiro editor-leitor do meio literário, fora da nossa redação, consultado em casos de dúvidas mais complexas sobre o material submetido para análise. Somos dois (mais um, eventualmente) diante da vida e de uma pasta chamada “[0] Avaliar”, crescendo diariamente como a sede ao longo de fevereiro. Podíamos ser mais? Sim. Sem remunerar? De forma alguma.
O segundo aspecto é que recebemos muitos, muitos, muitos textos absolutamente ruins, equivocados, crus, fora das nossas normas básicas; textos que fariam corar estudantes do 4º Ano do Ensino Fundamental. São textos de política partidária mais afeitos ao cotidiano dos portais; textos sobre a primeira gestão do presidente de uma associação médica de Curitiba; textos escritos literalmente para o jornal da faculdade; textos que os autores queriam enviar para o outro jornal de literatura que também começa com a letra R; textos em que a bio (a qual sempre enfatizamos não ser necessária) parece ser mais importante que o texto.
Você deve saber por intuição ou por execução: ler diversos textos ruins, na sequência, um atrás do outro, é como caminhar descalço no asfalto; os cinco segundos intermináveis do cotonete do exame PCR no seu nariz; a sensação de acordar sem sentir o braço; o prelúdio turvo da sentença “quer ouvir algo desagradável agora ou conversamos depois?”.
Temos orgulho e medo da pasta “[0] Avaliar” e nunca negamos que somos um jornal de base. Muitos escritores e escritoras começaram suas trajetórias publicando em nossas páginas. Muitos sequer tinham passado pela experiência de ser remunerados por ligar uma palavra à outra, embora seja plenamente possível fazê-lo nos maiores jornais de literatura do Brasil sem receber um centavo. Enfim, sabemos que somos cancela de pesagem.
De modo algum negamos a satisfação de, em meio às trombadas desleais e aos jogos de corpo com vantagem para a defesa, encontrar aquele texto matador, redondo, que para em pé; o texto divertido, envolvente, estranho, porém “belo como o encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação”, tal qual alegava o Conde de Lautréamont perante o que consideramos a ideia máxima de afetividade. São os textos bons que nos fazem esquecer que somos editores, que emulam a nossa velha vontade de simplesmente ler algo prazeroso (com todos os subjetivismos implícitos) e de dizer “olha isso aqui, olha isso aqui”.
Acerca da nossa aversão às redes sociais, damos alguns passos na direção de aproveitar mais os benefícios e as facilidades das novas ferramentas, mesmo que sintamos certo desconforto em ser insider daquilo que nem queremos conferir tão de perto. Paralelamente, temos algumas ressalvas em relação ao VAR. De todo modo – e mais importante que isso, ao menos para nós –, subimos todas as edições da história do RelevO em nosso próprio site. Também estamos subindo todos os textos dos diferentes ombudsman.
Antes de tudo, somos um jornal impresso, envolvido na materialidade do ciclo mensal, com custos físicos, datas-limite. Não somos um projeto paralelo ou um hobby. Temos muitas informações sobre o nosso meio e nosso público e planejamos a nossa continuidade de acordo com as intempéries que se apresentam. Em meio a isso tudo, tentamos ser novos sem ser efêmeros, tentamos ser atuais sem abrir mão da nossa forma de ser e estar no mundo. O problema do VAR continua sendo os operadores.
Boa leitura a todos.