Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Entrevista com Zeh Gustavo, o ex desta coluna
Meu irmãozin, seguinte: o RelevO é um pasquim muito necessário, né? O doido do editor faz o corre de editar um impresso independente, sobre literatura, em plena barbárie. Diga aí…
ZEH GUSTAVO (ZH) — Deixa de ser puxa-saco, cara! Não percebe que é tudo narcisismo do editor? Que se a terapia estivesse em dia, este jornal já tinha ido pro saco, ou pra internet? A gente embarca porque tá na mesma merda dessa inadequação de sermos uns desnaturados que nem se esforçam para malhar o intelecto no que realmente interessa, ou seja, publicar em revista padrão A1 na Sucupira, quiçá fazer aquele pós-doc sanduba e torcer pra depois não virar Uber.
Pois é… Tem aquele rapaz da paçoquinha que diz coisas bonitas sobre livros numa canção. Taca até um pela janela, lembra? Cult. O foda é receber um calhamaço no meio do cucuruco, do nada. Me diga: livros com asas ou um livro na cabeça desvoando de um edifício?
ZH — Muitas referências aí juntas, deixa eu processar (a-do-ro! estes terminhos sacanas da moda!). Não lido com amendoins em geral. Livro com asas, sempre. Livro-pombo. Que coma do lixo. Já os edifícios, eles também desabam, como diz a sambista Patativa (do Maranhão). Ela bem viu isso acontecer, e muito. Canto sobre, inclusive – mas você, como bom amigo, só vai ouvir uma vez meu disco e olhe lá!
Esta coluna é (ou seria) a Ouvidoria do jornal, o espaço do tal do ombudsman. Atualmente, eu. Tu já pegou esta tarefa. Mas acho que só dois leitores entenderam isso, conheço um, o tal do Jurupinga. O que é esse troço de ombudsman?
ZH — Momento emocionado (ó o narcisismo aí, gente!): pra mim, foi um sonho realizado. Mas é um fóssil, mesmo no RelevO. Ou quase isso. Eu tive somente uma coluna com boa repercussão dos leitores – porque, em sua maioria, são também autores, e nela abordei a temática da naturalização da figura do autor-pagador. Voltando ao fóssil: a comunicação real, ela quase acabou, neste mundico hiperconectado-hipossensível. Fica quase uma Ouvidoria sem reclamantes. Uma pena.
A vida é dura
perdura
mas dura
verde
podre
madura
Ainda, sim, sem cura
ela bate asas às lagartas
reinventa o ciclo vital das moscas
diariamente?
namora o sorriso do poste de luz
quase pisca sem parar no subúrbio dos corações
Um passeio pelo abismo da palavra sem fazer dele uma morada cinco estrelas
será um chamado para a canção?
Responda em versos, rs
ZH — Eu? Tô fora! Ando praticando o detox. E com aquele olhar vazio, nenhum sinal de emoção da música do Paulinho da Viola [Não quero você assim], então a coisa da poesia, aí ela emperra. Justo quando a vida emperrou, de fato. Deve ser da velha e antiquada dor de amor. Que hoje chamam luto. Luto pra lá, luto pra cá… Deve ser efeito do tal ciclo vital das moscas de que você falou.
Este poema é nosso ou do RelevO, já que ele não paga as nossas contas?
ZH — É teu! E na conta do editor. Nem te indiquei!
Arruma um BO com os leitores do RelevO por mim? Nossa amizade vale isso?
ZH — Só de tu me entrevistar pra deixar de falar dos textos da edição passada já não dá um beozinho não?!
Vamos comprar uma canoa furada?
Uai, não estamos, já, todos, aqui ao menos, nela?! E, paradoxalmente: sequer, mais, conseguimos afundar. Vamos boiando. E tentando, em geral inutilmente, desviar da pedraria posta no trajeto, enquanto vemos o mundo que nos forjou como tais – para o bem, para o mal – ir secando devagar.
