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“Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”, de Alan Sokal (1996), é um dos artigos científicos mais importantes já publicados. Nele, o físico americano questiona a gravitação quântica, propondo uma interpretação desta como mera construção social e linguística.
O periódico acadêmico de estudos culturais Social Text (Universidade de Duke, EUA), assumidamente pós-moderno, logo o acolheu. No texto, Sokal subverte a realidade externa e as leis da natureza a um construto, fruto do “dogma imposto pelo hegemonia do pós-Iluminismo sobre o panorama intelectual ocidental”.
O artigo inteiro, no entanto, não passa de uma imensa ladainha. Alan Sokal queria provar que, uma vez alinhado ideologicamente com o corpo editorial, qualquer baboseira serviria. A ponto de o autor recorrer a afirmações completamente desprovidas de sentido, por sua vez pautadas em teóricos nada relacionados. Nas palavras dele,
Ao longo do artigo, utilizo conceitos científicos e matemáticos de tal modo que poucos cientistas ou matemáticos os podem levar a sério. Por exemplo, sugiro que o “campo morfogenético” – uma ideia bizarra da New Age devida a Rupert Sheldrake – constitui uma teoria de ponta da gravidade quântica. Isto é pura invenção; nem mesmo Sheldrake faz tal afirmação. Afirmo que as especulações psicoanalíticas de Lacan foram confirmadas por trabalhos recentes na teoria do campo quântica. Mesmo leitores não cientistas podem perguntar-se que raio tem a teoria quântica a ver com a psicanálise; no meu artigo não dou nenhum argumento para apoiar tal relação. Em suma, escrevi intencionalmente o artigo de tal modo que um físico ou matemático competente (ou mesmo alguém com conhecimento razoável) percebesse que era uma fraude. Evidentemente, os editores de Social Text publicaram calmamente um artigo sobre física quântica sem se preocuparem em consultar alguém com conhecimentos nessa matéria.