Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Sou péssima em despedidas. Quase sempre saio do tom, digo bobagens, fico com a sensação de que a melhor coisa a se fazer é sair correndo. Despedir-se de pessoas pelas quais tenho apreço é complicado e me dá taquicardia. Porém, despedidas fazem parte da vida, e, às vezes, temos de nos despedir também dos nossos sonhos – que não há como serem realizados do jeito que os sonhamos, das oportunidades pelas quais aguardávamos ansiosamente, mas não chegaram. Da casa onde crescemos e dos empregos aos quais não temos mais o que oferecer, e por aí vai.
Quando não tem a ver com pessoas, despedir- se é antessala do desapego. Dizem que desapego é necessidade vigente. Sou péssima em desapego. Sempre saio de cena dizendo “até daqui a pouco!”.
Este é meu último texto como ombudsman do RelevO. Sei que desempenhei esse papel de um jeito diferente, mas não houve como evitar. Como não comentar sobre tantos escritores talentosos? E os ilustradores? E a dedicação das pessoas envolvidas em colocar o jornal para circular?
O RelevO nasceu ideia e desejo de uma pessoa e se tornou projeto e benquerença de muitas outras. Quando isso acontece, o valor do feito é inquestionável. O sonho de um se torna o de muitos. Foi essa a importância que descobri no jornal.
Quem me conhece sabe que não escrevo sobre o que não me agrada, ao menos quando se trata de gosto, de afinidade. Escrever para o RelevO foi das tarefas mais agradáveis. Há pluralidade nesse jornal, um comprometimento com a publicação de obras de autores que trazem frescor ao cenário literário. Esse tipo de pluralidade é o que garante, em qualquer área das nossas vidas, a capacidade de compreendermos que não somos donos da verdade. Compreendendo isso, evitamos as mancadas da intolerância e criamos cenários para o cultivo do bem-estar geral.
A edição de julho contou com ótimas participações. Com “buraco”, Noemi Jaffe e me fez refletir sobre a urgência gerada pelo medo, que nem sempre é inspirado por fatos, mas pelo ensimesmamento. “acode, mãe. o que foi, filha? é o sumiço, mãe, esse buraco, essas coisas que eu não tinha também, o que eu perdi, o que eu ainda não tive…”. Inquietou-me um tanto esse texto.
Quem se divertiu com a “Libertadores Literária”? A Final me deixou tensa…
“Cenas Urbanas” sempre é leitura bem-vinda. Daniel Zanella é hábil ao nos transportar à cena que descreve e sobre a qual reflete. Não fosse assim, eu jamais conseguiria imaginar a conexão entre a série Californication, cerveja e funkeiros dos carros. “Quase Cinco” é mais um texto bacana, com reflexão de sacada. Adoro reflexões. Adoro sacadas.
Muito me agradou o “Museu Kodacolor dos Filmes Não Usados”, de André Knewitz. “Também converso com plantas, e enfiei o smartphone no vaso, a samambaia responde via twitter.” Gostei do ritmo do texto, da ideia de um personagem assistindo a um provável suicídio, enquanto elabora o seu próprio, “Não agora, mas depois.”, assim como a mania dele de chamar pessoas por outros nomes: “… nomes de coisas banais. Tem o Pipoca, o Incenso e a Parafuseta.”
Rômulo Candal, que participou da edição pelo Obscenidade Digital, me ganhou com o seu “De Que Adiantam Sonhos Bons?”, onde fala de um homem que ficou muito doente e que tem como sintoma derradeiro a vontade de morrer. Durante a espera, ele escreve poesia ruim e prefere os pesadelos, já que os sonhos bons não o libertam da letargia de homem doente à espera da morte. “Os sonhos tecnicamente agradáveis, aqueles em que Jorge voa, em que joga bola, ou aqueles em que transa e acorda saciado, quando se vão, jogam Jorge de volta à vida de esgoto em que vive. Os sonhos bons não têm dó daqueles que sofrem acordados”. Não, eles não têm.
Ademir Demarchi escreveu sobre o poeta Ademir Assunção, em “Cinerário”. “Poesia Escrita Com Sangue” trata da importância do poeta, destaque entre os poetas contemporâneos. Não conhecia o poema de Assunção que Demarchi destacou, “Homem só”, que foi musicado pelo talentoso Luiz Waak. Procurei e achei o belíssimo disco “Rebelião Na Zona Fantasma”, também comentado no texto. Somente um talentoso poeta para lançar um belo disco declamando poemas com trilha sonora.
Traduzido por Jussara Salazar, o trecho do livro “O Diário de Frida Kahlo”, que fecha a edição, é pintura em palavras: “Tudo tu no espaço pleno de sons – na sombra e na luz. Tu te chamarás AUTOCROMO o que capta a cor. Eu CROMÓFORO – a que dá a cor. Tu és todas as combinações dos números, a vida.”
As ilustrações de Dê Almeida e o Estúdio Vermelho Panda completaram a viagem pela edição de julho. Em uma pré-despedida, Whisner Fraga – quem me convidou para substituí-lo como ombudsman – ocupou o Expediente da mencionada edição. Acho que o pessoal do RelevO está com saudade dele. Eu também estou.
Despeço-me da função, mas não do jornal. Continuarei leitora e apreciadora do trabalho feito por aqui. Que este espaço continue disponível para a literatura e para os leitores. E que inspire projetos semelhantes.