Gisele Barão: Clichês

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Em 10 de agosto, a escritora, professora e crítica literária Noemi Jaff e esteve em Curitiba para participar do Litercultura. Além de apresentar uma densa lista de sugestões de leitura e descrever sua própria trajetória e formação, Noemi fez alguns comentários sobre o processo de escrita. A palestra toda me fez pensar em algumas coisas que decidi compartilhar neste espaço. 

A primeira dica é sobre como avaliar o que escrevemos. Basicamente, Noemi defende que, se você terminar uma frase e ela te deixar orgulhoso e admirado, apaixonado por si mesmo, é o caso de cortá-la do texto. Provavelmente está ruim. Isso porque a literatura não precisa ter compromisso com o belo. O autor não deve se preocupar em mostrar ao leitor que escreve bem. Ela explica melhor a ideia em um post no blog da Companhia das Letras: “Algo soa mal, algo escapa da fluência da leitura, do prazer do texto, de sua verdade textual, quando um personagem diz algo mais belo do que naturalmente diria ou quando o leitor se intimida diante das cambalhotas lírico-frasais do autor”. 

Na palestra, a escritora também disse que é necessário fazer exercícios mentais para evitar os clichês. Caso contrário, de repente nos pegamos escrevendo “árvore frondosa”, “frio e calculista”, ou qualquer coisa assim. Seria algo semelhante, ela explica, ao que George Perec fez em O sumiço (1969), livro que escreveu sem utilizar a letra “e”. São tentativas de evitar construções, linguagens e estilos viciados.

Neste ponto eu incluo uma reflexão que não é nova, mas serve para o momento: não devemos também fazer exercícios mentais para evitar temas que são lugares-comuns ou abordagens clichês sobre eles? Na edição de agosto do RelevO alguns textos parecem se esforçar nesse sentido. Outros, não. Um tema perigoso que podemos usar como exemplo: “crises existenciais de um escritor”. Há quem escreva sobre isso muito bem, inclusive autores paranaenses. Também tem O ano em que vivi de literatura, livro do Paulo Scott (Editora Foz, 2015), que dá uma boa desenrolada no assunto. Mas, dependendo da abordagem, a impressão é de que estamos mesmo diante de um clichê. 

Obviamente não cabe a ninguém determinar sobre o que se deve escrever ou não. Estamos falando sobre exercícios, tentativas. Se escrever é propor desafios a si mesmo, publicar significa desafiar o leitor, provocá-lo. O RelevO parece executar bem essa função.