Baú: H.P. Lovecraft por Houellebecq

Extraído da edição 77 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Incapaz de deixar uma carta sem resposta, [H.P. Lovecraft] evitava seus devedores quando seus trabalhos de revisão literária não lhe eram pagos. Subestimando sistematicamente sua contribuição a novelas que, sem ele, nem sequer teriam sido publicadas, Lovecraft se comportará durante toda a sua vida como um autêntico gentleman.

De certo ele gostaria de se tornar escritor. Mas não se além a isso. Em 1925, num momento de desânimo, ele observa: “Estou quase decidido a não escrever mais contos, mas simplesmente sonhar quando estiver disposto a isso, sem me ater a uma coisa tão vulgar como transcrever meu sonho para um público de porcos. Concluí que a literatura não é um objetivo conveniente para um cavalheiro; e que a escrita deve sempre ser considerada uma arte elegante à qual devemos nos dedicar sem regularidade e com discernimento.”

Felizmente, ele continuará seus escritos, e seus melhores contos são posteriores a essa carta. Mas, até o fim, continuará sendo sobretudo um “velho gentleman benevolente, nativo de Providence (Rhode Island)”. E jamais, em tempo algum, escritor profissional.

Michel Houellebecq, H.P. Lovecraft: contra o mundo, contra a vida, 1991 (Ed. Nova Fronteira, 2020).