Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2016 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Este resto de epílogo de um ano cruel e tortuoso parece demonstrar um esgotamento do sentido em todos os níveis. Para muito além de qualquer polarização política ou partidária, todos se sentem traídos: seja pelo destino ou pelo acaso com a exorbitante tragédia que solapou as vidas de quem estava a bordo daquela aeronave que levava a equipe da Chapecoense (não há como não falar disso), seja pela decadência exposta de todos os parâmetros aceitáveis para a política em condições democráticas que se demonstrou com as manobras torpes, tanto do Senado com a aprovação da “PEC da morte”, quanto nas “10 medidas para acabar com a corrupção”, que o Congresso transformou a seu bel prazer e conveniências. Daqui em diante são vinte anos de inércia. Uma glaciação tropical. Não há bálsamo para uma ferida assim, especialmente quando o jornalismo é instrumentalizado como dispositivo que arranha a carne exposta do real, pervertendo a dor e a comoção nacional numa passividade bovina da população que se esquece de Brasília, do Brasil e de si mesma. A repetição até a exaustão para que o sentido entre em colapso também.
É aí que se percebe o momento ideal para avaliar o quanto existe de valoroso num jornal que se define pela “linguagem como notícia”. Um jornal de poesia e literatura. Um jornal como ágora estética — encontro de poéticas. Algaravia. Murmúrio do mundo. Glossolalia. É só assim, quando acontece na página uma epifania, que se revela a perspectiva do tempo como via de restauração do sentido. A poesia assim como toda a arte é uma forma de cura. É pelo engenho das palavras que se recupera a fé num mundo, seja ele qual for. Existem vários e eles não se excluem uns dos outros.
O RelevO acerta quando apresenta uma salada dos miolos dessa diversidade. E isto acontece de maneira constante. As páginas da publicação são pluralistas, sempre dando espaço para uma pletora de talentos de diferentes origens, estéticas e recursos de expressão. O periódico não é uma aventura paroquial e incestuosa. Mesmo quando regional, é recomendável a um jornal sempre ser cosmopolita. Mesmo que encrustado na mais febril das províncias. E o RelevO é um cidadão do mundo nesse sentido, basta percorrer suas páginas. A edição de setembro, por exemplo, acertou ao ir do chorinho ao heavy metal. Os textos de Luís Pellanda, Flavio Jacobsen e Karen Debértolis numa mesma edição faz lembrar, e isso é inevitável, os melhores momentos do saudoso Nicolau. Uma publicação de Curitiba para o mundo.
Na edição de outubro um grande acerto foi a publicação do texto do jornalista Diego Antonelli sobre um Paraná que não é nem um pouco pacato. A história da Revolução Federalista e o Cerco da Lapa nos mostram que, tal como no mundo inteiro, por detrás do silêncio de uma paisagem bucólica sempre há o grito sufocado de quem pagou com o próprio sangue o preço da história. E é necessário desmistificar o Paraná. Especialmente quando se cria uma aberração ideológica como a “República de Curitiba”.
Em alguns momentos de vulnerabilidade, o jornal pode pecar talvez por essa vocação paroquial que não é sua, mas do próprio Paraná. Estamos todos imersos no mesmo espírito do tempo e acabamos por contrair suas contradições. Talvez seja hora de expandir o alcance não só da circulação, mas também da abrangência do que se mostra em suas páginas. Existe toda uma cultura subterrânea para além do Paraná e que está ávida para encontrar espaço de expressão. O RelevO pode se tornar essa bússola continental. Encontrar interlocução com uma literatura e uma poesia que são estrangeiras dentro do próprio país, como a verve crua e cortante do maranhense Nauro Machado. O trabalho valoroso do editor Gabriel Cohn com sua Azougue no Rio de Janeiro, assim como a Editora Sete Letras e, porque não, até a Revista Cult. Não existe concorrência nesse meio, senão confluência. Vamos nos juntando até nos tornarmos atlânticos.
Escrevo esse texto para exorcizar as sombras desse mórbido fim de novembro na história do jornalismo e do esporte, assim como na política brasileira. Precisamos nos reinventar. Sempre. Não dá para esperar vinte anos. O avião pode cair a qualquer momento. Do luto, lutemos.