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Em qual obra de arte você não consegue parar de pensar?
A Nona Sinfonia de Beethoven. Por que é que eu a adoro? Primeiro, precisamos compreender como eram Beethoven e a fase da vida em que ele se encontrava quando a compôs.
Por todos os relatos, Beethoven era um misantropo paranoico que afastava mesmo aqueles que o amavam e a quem ele amava. Era arrogante e não parecia importar-se muito com as emoções dos outros. Além disso, quando a Nona Sinfonia estreou, ele estava completamente surdo.
A Nona Sinfonia é conhecida por seu famoso tema em seu último movimento, chamado ‘Ode à Alegria’. Como é que um homem tão miserável tem uma compreensão real da natureza da alegria? O que acho fascinante é que a sinfonia completa demonstra a viagem necessária para se alcançar a alegria.
O primeiro movimento dá pistas sobre a raiva e a tragédia. No final, a sinfonia transforma-se numa verdadeira celebração da amizade e da fraternidade. Beethoven usa unicamente vozes humanas nesse último movimento da sinfonia. Há algo de tão poético na ideia de que, para alcançar a alegria, para alcançar tal amor transformacional, é preciso passar por provações de miséria e raiva. Diz algo profundo sobre Beethoven. Apesar da dor de perder a sua audição, ele teve a alegria de compreender o dom que tinha. É uma das composições mais incríveis que já encontrei porque nos diz tanto sobre quem era Beethoven e sobre o potencial de resiliência humana.
Ann Miura-Ko (Modern Meditations, The Generalist, 2022).
Oh! vós que pensais ou me declarais hostil, moroso e misantropo, quão injusto sois, e quão pouco sabeis a causa secreta do que assim vos parece! O meu coração e a minha mente sempre foram desde a infância propensos aos mais ternos sentimentos de afeto, e eu estava sempre disposto a realizar algo grandioso. Mas não deve esquecer que há seis anos fui atacado por uma doença incurável, agravada por médicos incautos, iludido de ano para ano, também pela esperança de alívio, e forçado à convicção de uma aflição duradoura (cuja cura pode durar anos, e talvez afinal de contas revelar-se impraticável).
Nascido com um temperamento apaixonado e excitável, profundamente suscetível aos prazeres da sociedade, fui ainda obrigado desde cedo a isolar-me, e a passar a minha existência em solidão. Se em algum momento resolvesse superar tudo isto, oh! Quão cruelmente me senti novamente repelido pela experiência, mais triste do que nunca, da minha audição defeituosa! – e, no entanto, achei impossível dizer aos outros: “Fala mais alto; grita! Pois sou surdo!” Ai de mim! como poderia eu proclamar a deficiência de um sentido que deveria ter sido mais perfeito comigo do que com outros homens – um sentido que outrora possuía na mais alta perfeição, até certo ponto, de que poucos da minha profissão alguma vez desfrutaram! Infelizmente, não posso fazer isto! Perdoai-me, portanto, quando me virdes afastar-me de vós com quem tão de bom grado me misturaria. O meu infortúnio é duplamente grave por me fazer ser mal compreendido. Já não posso desfrutar de recreação nas relações sociais, de conversas refinadas, ou de derramamento mútuo de pensamento. Completamente isolado, só entro na sociedade quando sou obrigado a fazê-lo. Devo viver como um exilado. Em companhia, sou assaltado pelas mais dolorosas apreensões, pelo pavor de ser exposto ao risco de ser observado… Que humilhação quando alguém ao meu lado ouviu uma flauta à distância, enquanto eu não ouvi nada, ou quando outros ouviram um pastor a cantar, e eu ainda não ouvi nada! Tais coisas levaram-me à beira do desespero, e quase me levaram a pôr um fim à minha vida. Arte! Só a arte dissuadiu-me. Ah! como poderia eu desistir do mundo antes de trazer à tona tudo o que sentia ser a minha vocação de produzir?
Ludwig van Beethoven, Testamento de Heilingenstadt (carta não enviada ao irmão, 1802 – portanto, antes da Nona Sinfonia –, via The Marginalian).