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E nesse ponto abrasou-me de repente como aguda chama a revelação definitiva: todo homem tinha uma “missão”, mas ninguém podia escolher a sua, delimitá-la ou administrá-la a seu prazer. Era errôneo querer novos deuses, era completamente errôneo querer dar algo ao mundo. Para o homem consciente só havia um dever: procurar-se a si mesmo, afirmar-se em si mesmo e seguir sempre adiante o seu próprio caminho, sem se preocupar com o fim a que possa conduzi-lo. Tal descoberta comoveu-me profundamente e foi para mim como o fruto daquela vivência. Muitas vezes havia brincado com imagens do futuro e havia entressonhado os destinos que estavam reservados a mim, como poeta talvez ou talvez como profeta, como pintor, ou de que modo fosse. E tudo isso era um equívoco. Eu não existia para fazer versos, para rezar ou para pintar. Nem eu nem nenhum homem existíamos para isso. Tudo era secundário. O verdadeiro ofício de cada um era apenas chegar até si mesmo. Depois, podia acabar poeta ou louco, profeta ou criminoso. Isso já não era coisa sua, e além de tudo, em última instância, carecia de todo alcance. Sua missão era encontrar seu próprio destino, e não qualquer um, e vivê-lo inteiramente até o fim. Tudo o mais era ficar a meio caminho, era retroceder para refugiar-se no ideal da coletividade, era adaptação e medo da própria individualidade interior. Essa nova imagem ergueu-se claramente diante de mim, terrível e sagrada, mil vezes vislumbrada, talvez já expressa alguma vez, mas somente agora vivida. Eu era um impulso da natureza, um impulso em direção ao incerto, talvez do novo, talvez do nada, e minha função era apenas deixar que esse impulso atuasse, nascido das profundezas primordiais, sentir em mim sua vontade e fazê-lo meu por completo. Isto e mais nada!
Hermann Hesse, Demian, 1919 (ed. Record, 2022, trad. Ivo Barroso, p. 145).