Extraído da edição 74 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.
PLAYBOY – Mas foi em São Paulo que você foi preso.NELSON – Foi, mas a intenção era parar. Fui, primeiro, para um hotel. Depois, comprei uma casa no Parque Continental, em Osasco. Em seguida, comprei uma casa no Brooklin. Fui preso nessa casa, em 1965.PLAYBOY – Como aconteceu?NELSON – A pessoa de quem eu comprava o pó me denunciou. Deixei de comprar dele e ele então foi à polícia, dizendo que eu tinha um quilo de cocaína em casa e que estava vendendo, o que era mentira. Os policiais arrombaram minha porta e me algemaram. Fiquei uma noite na delegacia e no dia seguinte fui para o Presídio Tiradentes. Um ou dois meses depois fui a julgamento e ficou esclarecida a história. Pude provar que não era traficante. De lá fui fazer tratamento numa casa de saúde e depois fui para casa, onde fiquei me recuperando.(…)
Aluguei uma casa na Rua João Moura, em Pinheiros, me tranquei no quarto e joguei a chave pra minha mulher. Recebia a comida por baixo da porta. Se não fosse assim, ia cheirar de novo. Com acompanhamento médico, ficava o tempo todo dopado, para o meu organismo reagir à abstinência da droga. Amarguei o inferno durante seis meses. Dormia, no máximo, uns 20 minutos por noite, e ainda assim sentado. Até que um dia comecei a melhorar. Cheguei a dormir três horas seguidas. Comuniquei ao médico, que veio em casa e me receitou outros calmantes. Aí dormi bem, pela primeira vez em muito tempo. Acordei umas 6 da manhã, fui até o quintal e vi um padeiro entregando o leite, uma mulher varrendo a calçada. Foi a visão mais linda que eu já tive. Comecei a chorar. Pensei: “A vida está aqui”. Ganhei uma alma nova. Passei a fazer uns 20 shows por mês. A música foi minha terapia.
Nelson Gonçalves, entrevista à revista Playboy, 1998.