Baú: Fernanda Torres

Extraído da edição 129 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

“O Brasil é uma ilha continental, e a gente é isolado pela nossa língua. Ao mesmo tempo, a gente consome a nossa própria cultura. A gente tem total interesse por nós mesmos, porque nós somos uma potência de 200 milhões de pessoas. Somos um país complexo – a gente não é um país periférico. A gente tem as nossas próprias questões. Eu conheço a cultura francesa, a americana, a russa, a alemã, a italiana, mas eles não conhecem muito a brasileira. E às vezes eu tenho pena de quem nunca leu Machado de Assis, de quem não conhece o Eça de Queiroz. Agora as pessoas descobriram a Clarice Lispector e escrevem assombradas. Como é que eu posso falar com alguém que não sabe quem é Nelson Rodrigues, que não sabe quem é Candeia? Então, ao mesmo tempo, o Brasil tem esse complexo de vira-lata dessa não comunicação com o mundo; por outro lado, o Brasil tem pena de o mundo não saber o que a gente sabe. Quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal para fora, é essa espécie de sentimento de ‘olha o que a gente tem de rico’. É um sentimento de orgulho nacional bacana, bom de sentir.”

Fernanda Torres, esses dias, Uol Prime.

Baú: Nelson Rodrigues

Extraído da edição 98 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Eis o que desejo dizer, sem nenhuma fantasia retrospectiva: eu entrava [na igreja] e tinha vontade de não voltar nunca mais. Ficar ali para sempre. A igreja sempre estava vazia. Minto, não estava vazia. Havia alguém no confessionário, alguém contando os sonhos da carne e da alma. Eu ouvia apenas, apenas um sussurro. Aí está dito tudo: — a igreja da minha infância era exatamente o sussurro. Na confissão, o homem era ouvido por uma catedral. Eis o que importa: — ser ouvido. (Na vida real ninguém nos ouve; somos todos surdos uns para os outros). A utopia de cada qual é encontrar um ouvinte. Nada mais. Uma das figuras mais decisivas da nossa época é o psicanalista, e por quê? Em cada sessão de 45 minutos, ele nos ouve. Está ali, ouvindo o ruído da nossa alma. Portanto, vale um milhão por mês. O médium é o ouvinte do que morreu. A igreja vazia era também a ouvinte: — ouvia o eterno, e ouvia o sagrado, que estão enterrados em nós.

Nelson Rodrigues, “A grande utopia do homem é achar um ouvinte”, 1968 (O melhor de Nelson Rodrigues, ed. Nova Fronteira, 2018).