Whisner Fraga: O ombudsman, os leitores e o medo

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Quando fui convidado, há alguns meses, a assumir o posto de ombudsman de um jornal literário, achei que havia algo conceitualmente deslocado. Isso porque os suplementos alternativos (e literatura é algo bem alternativo no Brasil) têm uma capacidade impressionante de assimilar críticas e de se adaptar. Então, o trabalho de um Ombudsman seria praticamente apontar falhas para que o periódico tratasse de consertá-las. Sim, ótimo, acho que é um trabalho necessário (e útil), para todos.

Registrado isto, solicitei, esta semana, ao editor do RelevO que me mantivesse no cargo por mais três meses. Ainda há algo a ser feito. E, no decorrer dos três textos que me restam, evidenciarei algumas outras mudanças que, julgo, devam ser consideradas pelos editores. Não sei se perceberam, mas estou tentando reconfigurar, adaptar a função de Ombudsman a um jornal literário.

Vamos às mensagens recebidas. Em minha primeira contribuição, há mais de três meses, deixei meu e-mail à disposição dos leitores. Ninguém me escreveu. Enviam recados eletrônicos ao endereço do jornal e pedem anonimato, principalmente quando as críticas são mais pesadas. O motivo é simples. Existe um sistema de apadrinhamento vigente na literatura brasileira, que nem sempre é benéfico para a arte em si, mas é bastante oportuno para os escritores. Este sistema, em suas regras tácitas, impede que se fale mal explicitamente da obra, ou do que quer que seja, de um colega. Quero dizer que, quando se reúnem em bares, artistas costumam descer a lenha em tudo e em todos, principalmente nos desafetos, mas colocar isso no papel é algo impensável.

Assim, provavelmente estes seis meses em que desempenharei meu papel de Ombudsman trarão mais alguns membros para minha lista de oponentes. É normal. Vejam bem: não quero inimigos, nem opositores, mas sei que os terei. Sabendo que o maior nome da literatura brasileira adulta contemporânea vende em média dois mil livros de seu último lançamento, descobriremos que é bobagem não querer explicitar nosso ponto de vista. Neste cenário, isso só piorará as coisas: falem mal, mas falem de mim.

Esse preâmbulo todo é para defender que o jornal precisa de um “Espaço do Leitor”. Assinantes e público em geral certamente quererão manifestar sua opinião sobre algum texto, sua admiração por algum compadre, seu maravilhamento diante de alguma fotografia ou pintura e assim por diante. Nada mais democrático do que uma assinatura embaixo de um comentário.

Apesar de certas rusgas que minhas considerações têm causado, corajosamente os editores deste jornal decidiram me manter mais um tempo à frente dessa coluna. Provavelmente perderam anunciantes, assinantes e amigos. Torno a enfatizar que não entrarei nos meandros dos textos publicados, pois creio que minha tarefa não é a de crítico literário. Poderia desempenhá-la razoavelmente bem, já que tenho certa experiência no métier, mas não vejo como parte das funções de um Ombudsman. Em linhas gerais, entretanto, percebo que o RelevO tem tentado (algumas vezes sem sucesso) priorizar vanguardas. Tenho certeza de que o caminho é esse mesmo. Todavia, concretamente, há muita vontade, muito esforço e pouco resultado. O jornal tem publicado muitos textos razoáveis, alguns bons e pouquíssimos ótimos.

De qualquer maneira, gostaria de acrescentar que a arte requer coragem. É quase um pré-requisito para se alcançar algo de qualidade. Nenhum artista pode ter medo de ousar, de se sujar com a própria indignidade. Como comentei em um dos parágrafos anteriores, o artista é aquele que não se envergonha ao assinar a própria obra. Gostaria que refletissem sobre isso. Neste meio tempo, quem quiser entrar em contato comigo, meu e-mail é wf@whisnerfraga.com.br.

 

Nota do editor:

A partir de dezembro, abriremos oficialmente a seção Cartas do Leitor. Nesta edição, na p. 3, os critérios de publicação.