Cezar Tridapalli: Despedida

Coluna de ombudsman extraída da edição de junho de 2019 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Acho curiosa a ênfase que o RelevO dá a suas entradas e saídas financeiras, como se fosse um órgão público financiado com dinheiro público. Esse rigor assíduo das lamentações me faz suspeitar que o jornal quer manter e ampliar a base de assinantes despertando piedades, convocando o altruísmo de quem fala “nossa, coitados, não recebem nada pra fazer isso”. Gostemos ou não, o jornal está dentro da mais lisa e límpida lógica capitalista: vai ter assinante enquanto tiver gente disposta a pagar uns dinheiros para receber uma experiência de leitura impressa. Se, somando e subtraindo as contas mensais de cada um, a experiência valer esses dinheiros, o jornal terá assinantes.

Pode ser nobre abrir as contas e mostrar pudor ao dizer que a equipe cogita receber pelo trabalho. Na prática, não há qualquer necessidade disso. O assinante paga pelo conteúdo do jornal, o anunciante paga para aparecer com um destaque que julgue compatível com o investimento. O que o jornal faz com o dinheiro de assinatura e anúncio não deveria ter nenhum interesse, tal informação no máximo alimenta a fofoca e o imaginário. Qualquer gasto do eventual lucro somente diz respeito a quem o gasta, não a quem paga, pois quem paga, paga pelo jornal e não para saber se a equipe vive mal ou bem. Quer um conteúdo significativo, quer que sua marca apareça decentemente. Ninguém pode chegar falando “ôrra, galera tá ficando rica às minhas custas”, “dia desses vi o editor tomando cerveja artesanal de 14 real”. Resumindo: leitor assinante paga para receber e ler, anunciante paga para aparecer. Equipe do RelevO: faz um jornal que cause desejo e demanda, e envia corretamente. O que liga leitor, anunciante e editor é o jornal, o papel em sua forma e conteúdo. Não de onde assinantes e anunciantes tiram seu dinheiro e nem para onde esse dinheiro vai quando entra na conta da equipe. Não precisa gastar editoriais inteiros para angariar compaixão.

Pode ser cinismo meu, uma coisa muito “gestão empresarial e pragmática” para um jornal que é, veja bem, de literatura, que lida com subjetividades, mas desde o início imaginei que uma das minhas funções fosse estabelecer contrapontos. Exercício de ombudsman lida o tempo todo com a questão do duplo, a gente se desdobra para construir outras lógicas e trazer à tona um olhar novo que, como tal, pretende colocar na cabeça de leitores e editores sempre um “é mesmo!”. Muitas vezes falhamos miseravelmente (que clichê gostoso), mas a gente tenta, é nossa linha do horizonte, a utopia que faz o ombudsman caminhar: provocar um “é mesmo!”. Ou pelo menos testar convicções.

 

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Quando fui convidado pelo editor-chefe deste RelevO, foi-me proposto trabalhar de três a nove edições. Encerro minha participação na quinta. Pode parecer pouco, mas achei sufi ciente. Além de questões pessoais (sempre importante ser ombudsman de si mesmo), percebi que deixei o meu recado, fiz a minha avaliação dos pontos que julguei mais importantes. O periódico tem esse formato de compilação de textos e isso não vai mudar. É diferente de um veículo diário de imprensa com seus vários cadernos e notícias aos montes, que a todo o momento está sujeito a escorregar numa tomada de posição, subestimar alguma pauta fundamental, ser francamente tendencioso em relação a temas que mereceriam ter dois ou mais lados contemplados. Nesses casos, cabe perfeitamente a figura de um ombudsman que fique um ou dois anos. No caso do RelevO, desde que achem mesmo importante manter essa figura – que não seja mero fetiche jornalístico –, temporadas curtas são a meu ver o melhor caminho. Depois de entender o mecanismo de funcionamento do jornal, de apontar pontos fortes e fracos, de perceber que alguns padrões não vão mudar, o que resta?

Tirar o time de campo e dar a vez a outros olhares.

A curta experiência não deixou de ser intrigante para perceber o quanto esse verbo, “perceber”, entra na rede de representações que as pessoas têm dentro de si, recombina o que está lá dentro e gera reações muito diferentes. Leitores me acharam cruel, outros me criticaram por ter puxado o freio nas edições seguintes. Ombudsman não é – ao menos não necessariamente – a figura que chega “para falar mal”. É alguém que compõe o conjunto de olhares sobre uma publicação e que, como qualquer leitor, pode escrever elogiando ou descendo a lenha. A vantagem é que a gente ganha um espaço maior e tem certeza de que será publicado.

Enfim, agradeço o convite e o espaço que ganhei durante cinco meses. Aprendi mais do que ensinei, em que pese a retórica meio demagógica dessa afirmação.