Baú: economia budista (E.F. Schumacher)

Extraído da edição 78 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Enquanto o materialista está fundamentalmente interessado em bens, o budista está interessado em liberação. Mas o budismo é “caminho do meio”, portanto de maneira nenhuma antagônico ao bem-estar físico. Não é a riqueza que se antepõe à liberação, e sim o apego à riqueza; não a fruição das coisas agradáveis, e sim a “fissura” por elas. A chave da economia budista, portanto, é a simplicidade e a não violência. De uma perspectiva econômica, a maravilha do modo budista de viver é a racionalidade última do seu padrão – o agradavelmente menor levando a resultados extraordinariamente satisfatórios.

Para um economista moderno isso é uma coisa muito difícil de entender. Ele está acostumado a medir o “padrão de vida” por quantidades de consumo anual, tendo como certeza indiscutível que o homem que consome mais “é superior” ao homem que consome menos. Um economista budista consideraria esse enfoque excessivamente irracional: desde que o consumo é apenas um meio para o bem-estar do ser humano, o objetivo deveria ser obter o máximo de bem-estar com o mínimo de consumo. Portanto, se o propósito da roupa é obter uma certa quantidade de calor e uma aparência atraente, o desafio é conseguir isto com o mínimo de esforço possível, isto é, com a menor destruição anual de roupas possível e com o auxílio de um design que envolva a menor destruição possível. Quanto menos destruição tiver provocado, mais está liberado para o esforço da criatividade artística. (…) O que acaba de ser dito sobre roupas se aplica igualmente a qualquer uma das necessidades humanas. A propriedade e o consumo de bens são um meio para atingir um fim específico, e a economia budista é o estudo sistemático de como atingir determinados fins com a menor utilização de recursos. O agradavelmente menor levando a resultados extraordinariamente satisfatórios.

A economia moderna, por sua vez, considera o consumo como o único e válido objetivo de toda a atividade econômica, tomando os fatores de produção – terra, capital e trabalho – como meros meios. A primeira, em resumo, tenta maximizar as satisfações humanas pelo padrão ótimo de consumo, enquanto a última tenta maximizar o consumo pelo padrão ótimo do esforço produtivo. É fácil perceber que o esforço necessário para sustentar um modo de vida que busca atingir o padrão ótimo de esforço produtivo é obviamente muito menor do que aquele dispendido para sustentar um sistema que quer atingir o máximo de consumo. Não devemos ficar surpresos, pois, que a pressão e a tensão da vida sejam muito menores, digamos, em Burma do que nos USA, a despeito do fato de que a quantidade de máquinas poupadoras de trabalho usadas no primeiro país seja infinitamente menor do que no segundo.

Simplicidade e não violência estão obviamente ligadas bem de perto. O padrão ótimo de esforço produtivo, que é produzir um alto grau de satisfação humana com uma taxa relativamente baixa de consumo, permite às pessoas viver sem grandes pressões e tensões, e as possibilita preencher a injunção básica do ensinamento budista: “pare de fazer infernizações, tente fazer o bom”. Uma vez que os recursos naturais são limitados em todas as partes do mundo, as pessoas usando esses recursos para satisfazer suas necessidades de forma modesta com certeza estarão menos propensas a agarrar as gargantas uns dos outros do que aquelas que dependem de uma maior taxa de utilização desses recursos. Igualmente, as pessoas que vivem em comunidades locais altamente suficientes estão muito menos propensas a se meter em violência em larga escala do que aquelas pessoas cuja existência depende de sistemas mundiais de comércio.

E.F. Schumacher, Economia budista, 1966. Tradução: Luiz de Rezende Puech, 2006.