Gisele Barão: Outro país, outros tempos

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Outubro de 2018 estará para sempre marcado como um dos períodos mais tensos da história recente do Brasil. No RelevO, nem tanto. A História não esquece: naturalmente, um dia os jornais dessa época serão analisados. Lá no futuro (se tivermos futuro) algum pesquisador vai questionar: o que os impressos literários publicaram durante aquele importante marco brasileiro? Se nosso hipotético pesquisador resolver folhear este jornal, pensará que tratava-se de outro país, outros tempos. 

Em outubro de 2018, caberia publicar textos com cansativas descrições de personagens mulheres minimizadas em enredos fantasiosos? No meu outubro de 2018, não. Caberia publicar nas páginas de destaque, no miolo do jornal, nada mais do que um alô vindo diretamente das profundezas das inseguranças masculinas? No meu outubro de 2018, jamais. 

Vamos olhar para os lados, ou para frente. No mesmo mês, o Suplemento Pernambuco estampou na capa a frase “Uma ditadura nunca acaba”. O texto principal era de Ricardo Lísias, que ocupou o espaço de ombudsman do RelevO antes de mim. No artigo, ele relembrou obras fundamentais para a cultura e democracia brasileiras. No mesmo mês, vários escritores se posicionaram, diante do contexto atual: Alice Ruiz, Veronica Stigger, Nuno Ramos, João Paulo Cuenca, Milton Hatoum, Raduan Nassar, Laura Erber, Vanessa Barbara, Marcelo Rubens Paiva. A lista é enorme. Literatura, política e memória caminham juntas.

De trás para frente, a edição passada começou bem: na contracapa, havia um texto de Susan Sontag, extraído do livro Diante da dor dos outros. Vejam só, ela tentou nos avisar. Em seguida, o texto de Mariana Carrara, a poesia de Julia Bac, e em uma ou outra página, mais textos de boa qualidade. Richard Roch deu um aceno para o tema. Vale registrar também que a coluna Maidan representa hoje o maior compromisso deste jornal com a atualidade. Mas não pode ficar sozinha nisso.

É fato: em qualquer circunstância, pautar a cultura já é sinal de dignidade. Enquanto isso, grandes jornais e emissoras de TV do Brasil silenciaram ou revelaram estar do pior lado desse caos. Assim, o olhar dos leitores começa a circular, na expectativa de encontrar eco em outros meios. Nas publicações independentes, por exemplo.

O RelevO deixou passar a oportunidade de produzir uma edição de colecionador, como executou tão prontamente durante a Copa do Mundo. Se o tipo de produção com a qual estamos sonhando aqui não chega à caixa de e-mails dos editores, é o caso de provocá-la a chegar. Editar um periódico independente é trabalho árduo, ingrato e, por si só, um ato de resistência. Mas essa tarefa exige um olho lá no futuro. Se tivermos futuro.