Osny Tavares: Cômico é?

Coluna de ombudsman extraída da edição de junho de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Em seu décimo primeiro ano de circulação, o RelevO parece sentir a deriva do tempo. “Sentir a deriva”, note-se, é diferente de “sentir-se à deriva”. É mais uma sensação de meio de viagem, de mar aberto. Ou seja, uma pessoa de trinta e poucos anos de idade. É independente com algum grau de institucionalização. É alternativa com contatinhos no centro. É jovem com alguns fios brancos. 

Será destino de todo aspirante a escritor começar parnaso e terminar cínico? Em um discurso célebre, Leminski afirmou que o verdadeiro poeta era reconhecido na idade. Fazer poesia aos 20 anos era fácil, mas ele queria ver aos 30, 40… Poesia aos 50 anos? Humpf!

Uma porção cada vez maior da identidade do jornal vem sendo moldada pelas páginas de humor. Fixas, produzidas internamente ou por colaboradores regulares, são o que o velho editor da finada imprensa escrita chamava de “respiro”. O produto é ótimo. Criativo, bem desenhado, cheio de referências. Zombar do mundo da cultura e do meio literário (muitas aspas nesses termos todos) é, além de um talento, um privilégio. Mas, tal como as pessoas, os veículos também precisam estar atentos para não transformar o riso em disfarce. 

O RelevO anterior veio com uma sobrecapa cômica. Penso que o editor se permitiu a brincadeira por imaginar que, estando fechados os espaços culturais em que costumava ser distribuído, o jornal tem encontrado poucos leitores incidentais. Dessa forma, não precisava apresentar-se de imediato.

No entanto, a decisão automaticamente rebaixou a capa à página 3. Isso foi uma pena, pois trata-se de uma das ilustrações recentes mais bonitas. Claro, eu poderia simplesmente destacar essa lâmina, que não faz parte da ordem numérica das páginas, e escondê-la no miolo. Porém, me parece bom senso que uma edição é, essencialmente, uma sugestão de condução de leitura. Não havendo qualquer motivo para aquela seção não estar no miolo desde o espelho (essa também é de editor velho!), essa escolha editorial somente se justifica pelo desejo de que este conteúdo seja primordial ao leitor.

O espírito pode, inclusive, estar se espalhando entre os leitores. Em edição também recente, diverti-me largamente com uma resenha sobre um romance chamado Ulisses 2051, que se propunha atualizar Joyce. O autor do texto, que se apresentava como pai do romancista, satirizava as pretensões estéticas e a dependência financeira do resenhado.

Infelizmente, não pude descobrir se o livro, tampouco seu autor e/ou pai resenhista, existem de fato. Nada há em toda a página — entre texto e recursos visuais fixos ou específicos — que distinga a resenha das seções mensais de humor do Jornal. Há, sim, um rodapé informativo com informações técnicas que acompanham toda apresentação real de livros do jornal, mas não me dispus a pesquisar na internet se aqueles títulos estavam, de fato, disponíveis. Afinal, citando a redação, em resposta ao ombudsman na edição passada, “não entendo como fundamental as informações pessoais”. 

PS: Em última e remota hipótese, apenas meu jornal veio encadernado dessa maneira. Se verdadeira, para meu maior constrangimento, todos os problemas editoriais, estéticos e existenciais anteriormente apontados ficariam automaticamente invalidados pela extinção do condicionante. 

Isso, sim, seria bem engraçado.