Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Uma vez, na plateia de uma conversa entre cinco escritores latino-americanos que estava começando em Guadalajara, no México, espantei-me ao ouvir a declaração do mediador: o brasileiro não precisa se preocupar e pode discordar dos outros, se quiser. Eu tinha ido justamente porque gosto muito da obra do meu conterrâneo e lia naquele momento, bem admirado, o livro de um peruano que estaria à mesa. De fato, os brasileiros somos conhecidos internacionalmente por nunca discordar de ninguém. Depois, em Frankfurt, um tradutor observou em um debate que o brasileiro presente havia concordado com uma opinião e depois com o contrário dela.
Na mesma feira de Guadalajara, aliás, achei que um escritor, de tão exaltado, iria de fato dar uns murros no seu colega de mesa. Por mais força que faça, nesse caso minha memória não está tão afiada. Do interlocutor eu me lembro: era Mario Vargas Llosa, que havia acabado de ganhar o Prêmio Nobel. Uma hora depois, com a feira já fechada, dou de cara com os dois conversando em um restaurante. Parece que não levaram a mal.
Não é só na literatura. Outro dia vi um professor comentando que no café da universidade um colega seu lhe dissera, muito espantado, que no meio de uma entrevista uma jornalista espanhola havia discordado de uma opinião, lançando um argumento contrário. Para ele, a atitude soara como ofensiva.
Quando recebi o convite para fazer uma coluna mensal no RelevO, sempre comentando o conteúdo da edição anterior, achei a ideia ótima. Eu já o conhecia e gostava do acúmulo diferente de vozes e formas. Talvez achasse o que dizer. Até hoje, não conheço pessoalmente nenhum dos responsáveis pelo jornal. Quem sabe algum dia a gente tome um café ou, dependendo do horário, um vinho. Sou paulistano, mas não gosto de chope.
No começo desse ano, falei uma frase ou duas a um jornalista sobre história em quadrinhos. Um pouco depois da publicação da matéria, um tradutor especializado mostrou o tamanho da bobagem que eu tinha dito. A estrutura da fala dele era a seguinte: Ricardo, você está errado, pois [e seguiam alguns argumentos]. De fato, eu me equivoquei.
Não vou conseguir vencer o assunto em uma coluna apenas. Acho que, no nosso momento histórico, é preciso muito cuidado para não falar demais. Tem muita gente dando bom dia a cavalo. Mesmo assim, paro um minuto para tentar entender como alguém pode escrever uma carta para um jornal dizendo que está cancelando sua assinatura porque agora, além de piadas, há um ombudsman. Enfim, logo se vê que é alguém de mau humor.
Até onde sei, há cartas mais agressivas dirigidas a mim. Estou meio acostumado. No caso, porém, não seria mais razoável que fossem apresentados argumentos contra as minhas ideias? Pelo jeito, a assinatura foi cancelada porque alguém discorda de algo que a pessoa gostava e isso é inadmissível. Como se sabe, sociedades sem tolerância para a crítica estão muito propensas a aceitarem ser controladas por pessoas que não gostam mesmo que os outros pensem.
Imagino em quem essa gente que não argumenta, apenas afirma, vai votar em 2018.