Zeh Gustavo: Cuidado: há um sambista na porta lateral!

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Jards, o Macalé, já cantarolou: há um morcego, há um abismo na porta principal. Pega o fio: aos 15 anos nasci, sob o céu alaranjado da Gothan City literária, já desguiando para a música, para a roda de samba. E assim a margeei — por exemplo, publicando livros sem torná-los de fato públicos, essas especialidades do ramo! —, com a dignidade de um penetra convicto ao se dirigir sorrateiro à cozinha da festa de bacana atrás de um gole de conhaque. Ora me apresento, entortando Macala: há um sambista na porta lateral da literatura! E dela para a p. 5 deste RelevO — mandato curto, passa já!

Mó responsa: quem há de superar a verve bem urdida e humorada que faz da prosa da Amanda Vital, ombudswoman que sucedo, poema-crônica deste tempo tão certinho das ideias como o Simão Bacamarte do Machadão? Prometo tentar não ser mala, atributo honorável para todo escriba, mas vamolá: quantos textos literários citam um samba, um sambista sequer? De orelhada, recordo o João Antônio com seu Guardador dedicado a Cartola, livremente inspirado no episódio em que Stanislaw Ponte Preta encontra o vate de Mangueira a lavar carros na lindona Ipanema das bo$$as.

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Ao inaugurar este ombudsdito, na música me apoio para me acercar de palavras que dizem das de outrem, ante o diverso corpus textual de cada edição. E assim vumos diretos pra delegacia (bença, João da Baiana!) tratar da de dezembro e da parte que me cabe, neste literafúndio (ui!): a ilustra de Gilberto Marques nos fita, olhos cerrados, a se perfilar entre a arte cega que seria a expressão máxima do desenho posta a dialogar com a rasura da memória, como sustentou Derrida. Bolívar Escobar dá rasante sobre a história do pensamento pegando de mote… uns memes clássicos! E eu achei bonito, viu? Também jogo no time da não metafísica.

O relato de Gumbrecht, em tradução de Bellin, sobre seu almoço com Foucault evoca a (des)graça dos encontros que morrem no quase da expectativa com que se forjaram. O que se teria sucedido de nossas vidinhas se eles vingassem, os danados? Não sei você, leitor(a) — eu fujo das desinências neutras, sobram-lhes bons intentos, falta-lhes musicalidade e a mim, ainda, a crença de que tornam melhor o mundo do deus Algoritmo e do sushi como área de interesse no Tinder —, mas vi tristeza, ainda, nas sugestões niilisterárias de Lucio Carvalho (juro caçava um delirium tremens se lesse um livro ilustrado por selfies!); e no Waltel milionário do ritmo de Felippe Aníbal. Ou seria amargura, termo em desuso? Aliás, amor e paixão, sei lá também, viu, Giovana Erthal, vale entrar na fila? Lacrar, na rede, cagando regra de relacionamento tem dado mais like, mormente se o relacionamento for do eu para com ele mesmo, o que a literatura médica anterior à pós-contemporaneidade sempre considerou como esquizofrenia. Vale também ouvir e cantar pagonejos em seitas comandadas por DJs. Ah, misturo tudo mesmo e, como reza o anúncio-manifesto da cZara: Foda-se o frete, camarada! Aqui é pirataria, embora eu ainda compre e (pouco) abandone livro pela meiuca, Enclave! O espaço vai curto: teve ainda poema (bem) ornado por Maria Joanna; Mylena Queiroz em tom ensaístico a discorrer dos recadeiros da terra Nego Bispo e Conselheiro; e Mistral fechando no duro do poético uma edição que flertou bastante com a aridez.

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Música — sentido-algo a que o velho Schopa se apegou a fim de nomear o mistério maior das coisas. Meu amor é bifurcado como o título do último Jards: poesia & música — se bem amalgamadinhas, hum… Sigamos a errar o (com)passo, próxima edição, Carnaval a vir?

2024: ficção de que começa alguma coisa

Editorial extraído da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Um periódico impresso e de literatura: não precisamos nos alongar muito sobre o pressuposto de esta ser uma forma duvidosa de lidar com a presença e a contemporaneidade. Um jeito arredio que esconde, quem sabe, uma forma de preservar as memórias e de fugir da cultura do registro-pelo-registro. Pode não ser nada disso, e estamos apenas a empilhar textos ou justificar uma continuidade tal qual um colecionador de coçadores de costas, DVDs ou cadeiras em miniatura.

A síntese é: temos uma relação sincronizada com o tempo. Entre os dias 20 e 24 de cada mês, selecionamos os textos da próxima edição. Todo dia 25, nos mantemos nos preparativos técnicos, aquilo que chamamos de fechamento editorial. Dia 26… Temos que estar com a gráfica em dia. Entre 27 e 29, o Jornal tem de ir para a impressão. No primeiro dia útil do mês, Correios. Em 2023, apenas duas edições não respeitaram essa dinâmica: março e novembro (a última, por conta do feriado). As edições não são enviadas depois do dia 4 há mais de três anos.

Para que a nossa linha fina de atividades funcione, não podemos passar um dia útil sem arrecadar com assinantes e anunciantes. Mais do que um relógio, precisamos ser uma pequena caixa registradora literária. Para seguir a esteira que corremos regularmente, especializamo-nos em aprimorar etapas e nos tornamos obcecados por procedimentos. Em termos psicológicos, talvez sejamos um Jornal em mania. E 2023 foi um desafio tremendo-tremendo para a nossa forma de articular o caos natural do mundo.

Tivemos prejuízo em sete dos 12 meses do ano. Em números mais diretos, o RelevO caiu de 1.020 assinantes em dezembro de 2022 para 920 em janeiro de 2024. Especulamos diversas justificativas ao longo do ano passado e acreditamos que não seja propriamente uma punição editorial. Temos produtos gratuitos, como a Enclave e a Latitudes, com shares muito bons, ao passo que os retornos de quem nos escreve ou segue nos assinando nos mobiliza para seguir fazendo o Jornal com os conteúdos de que gostamos.

Muitos dos assinantes que não renovaram conosco seguem consumindo nossas newsletters e até compartilhando esses materiais, o que nos leva a uma reflexão constante sobre o nosso modelo de negócio. Se fazemos conteúdos que interessam ao nosso público digital da base do Substack (aproximadamente 7 mil), mas não conseguimos assinaturas para o impresso — que paga nossas contas e os produtos editoriais que produzimos —, o que faremos se perdermos mais 100 assinantes em 2024?

Lógico que reconhecemos o RelevO como um periódico cabeça-dura: não arrecadamos dinheiro público; não vendemos espaço editorial; recusamos três propostas recentes do mercado de apostas on-line; temos um senso de humor estranho; não casamos assinatura com publicação de autor (aqui no gênero certo mesmo, pois 100% dos casos são homens)… Ainda assim, seguimos e conseguimos isso graças a uma base sólida de assinantes e anunciantes. Essa base segue nos apoiando, investindo, distribuindo e fazendo o Jornal atingir sua natureza essencial: chegar em leitores de literatura.

Em 2024, estaremos mais presentes em feiras e festivais. Ampliaremos a cobertura da Latitudes, que também trará notícias deste circuito de feiras e festivais. Produziremos mais conteúdo especial para o site. Abriremos a nossa lojinha, com produtos como camisetas, canecas e bolsas personalizadas. Tudo isso precisa muito do assinante do impresso, o nosso carro-chefe logístico, responsável por garantir a continuidade de nossas atividades. Estamos otimistas.

Uma boa leitura a todos.

Amanda Vital: Ombudswoman: que reajam os mercados!

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Car_s leitor_s, é com uma confusão enorme e um cagaço maior ainda que dou início a esse cargo gostoso e mui belicoso do RelevO, o de ombudsman – no caso, ombudswoman (ou, se preferirem, palpiteira, pitaqueira, enxerida, “a mocinha ali”), por causa de uma pira do Nuno Rau de ter recomendado meu nome aos editores para a sucessão do cargo, que é rotativo. Ainda não sei o que deu na cabeça dele, mas vou tentar dar início a esse novo bom ciclo junto de vocês pelos próximos meses. Aproveito para agradecer imensamente a ele [Nuno] e aos editores deste espaço tão querido por nós, apesar de já ter deixado pagos uns cafés com pastéis de nata aqui no café local, a mais de 7 mil quilômetros de distância deles. E eles estão sabendo só agora. Mas vale o que vale, que esse tipo de coisa a gente não oferece a qualquer um.

Esse início é também muito simbólico politicamente falando: escrevo no primeiro número do Jornal desse ano de Lula, com uma nova e boa era se abrindo e o fogo da esperança aceso novamente, depois de um furacão perto de destruidor, no mínimo. Vivemos um período de alívio depois desses últimos quatro anos complicadíssimos com um fascista da qualidade de Bolsonaro no governo. É uma alegria, depois disso tudo, dizer que nosso presidente é Lula de novo. Mas muito se tem falado sobre o mercado reagir mal a isso, e a galera do neoliberalismo (que super funciona, confia) está alvoroçada com a ameaça do país em reduzir as desigualdades sociais, ter pobre almoçando e jantando de novo, essas frivolidades que ninguém quer saber. Olha, convido esses a rezar para os pneus a ver se o mercado ressuscita na forma de Jesus na goiabeira e abençoa a bolsa de vocês, capitalista como ele era. Por aqui, seguimos relativamente tranquilos. Mancando, porque uma pessoa vai comprar pão e tropeça em cinco pedindo intervenção militar, oito pedindo intervenção federal, três pedindo intervenção alienígena, uma Cássia Kis, dois lendo fake news num microfone abafado de acústica horrorosa e tosca… mas mancamos tranquilos. Relativamente.

E por acaso, em uma segunda boa sorte, me calhou uma edição bastante interessante para dissertar sobre, então vai ser meio difícil ser malvadona logo de cara (e o RelevO em si deixa a gente numa posição difícil de shibari, há sempre aquele traço de qualidade no que é publicado por cá). Começando pela capa excelente, uma espécie de Abaporu contemporânea construída com camadas de ícones. Alguns lembram ícones de programas de PC e de celular, por exemplo, de wi-fi, meteorologia… A arte na contracapa faz uma mistura d’O Grito de Van Gogh com o Desespero ou Autorretrato de Coubert, também numa versão contemporânea cheia de formas, curvas, preto no branco, em releituras e reconfigurações frescas e geniais. Tudo dialoga com muito do conteúdo igualmente fresco do número, que abre com biografias tinderescas encontradas no webnamoroverso, angariadas pelo Yuri Araújo, que fez uma curadoria de primeira. Até dá uma pontinha de saudade da juventude orkuteira, igualmente galanteadora e amostradinha, com aquelas biografias manhosas: “Naõ soou peerfeeita, neiim doona da veerdadee. Maaiis, soouu doona dee miim <3, doona dass miinhas voontaadees”. Ah, não faz essa cara, vai! A sua sobrinha usava uma igualzinha a essa!

E por falar em cortejo, a linguiça (blumenau) do Dédallo Neves é uma delícia. Excelente crônica curta, simples e boa, que retrata uma simples linguicinha como um guilty pleasure do narrador – e que acaba sendo nosso guilty pleasure também durante a leitura. O mix de nojo e desejo funcionou muito bem, em doses bem medidas, nada em excesso (nada contra os excessos, aliás), com o equilíbrio do jogo entre culpa e prazer, descrições de objetos e de sensações muito boas e originais. Ainda nos prazeres gastronômicos, o número conta com uma ótima matéria sobre o “chef” Michel Lämb – o requisitado que ninguém requisitou – e fiquei curiosa para saber se Michel é inspiração para alguém existente, dessas mentes mirabolantes da cozinha minimalista e meio nojenta. Não resisto a uma boa tirada de onda dessas gourmetizações, enquanto moradora de um concelho em gentrificação constante, que tem abandonado os prédios centenários onde funcionavam cafés e tasquinhas e, agora, desmontam tudo, pintam a fachada de turquesa e adicionam logotipos de acrílico desenhados no Canva para seus restaurantes mexicanos e japoneses (de empresários que são tudo menos mexicanos e japoneses, nem sabem nada de coisa alguma), lojinhas de presentes inúteis e superfaturados ou espaços de coworking que cobram metade do seu rendimento mensal para uma semana de poltronas ovais, lustres coloridos, mesas de sinuca e cactos.

De volta à literatura – por amor da santa – , o poema da Ana Vilalta também me ganhou um bom bocado. O diálogo com Margaret Atwood é um bom exemplo de como o ritmo na poesia (da pontuação ou falta dela, das estruturas de frase/fala e das quebras de verso) é o diferencial entre prosa e poesia em uma linguagem mais discursiva usada nos dias de hoje. Não concordo com as críticas dos meus queridos colegas de que a poesia desce em qualidade quando cruzada com a prosa. Poesia discursiva, descritiva, em diálogos informais e feita em uma linguagem e um contexto atrelados ao cotidiano, “pé no chão”, pode, sim, ser excelente e um espanto de autenticidade e de novo. Pode, sim, conter as ferramentas ditas “essenciais” da poesia – não só ritmo, mas melodia, conteúdo, beleza, dança (Nuno foi quem me ensinou que não existem formas fixas, as palavras dançam). E pode emocionar, espantar, ter o que falar sobre. É que os semideuses se esquecem de que vivemos em um mundo coletivo e transversal. E gente falando da própria vivência – e da vivência dos seus – na literatura. E, ainda, gente falando de estupro, de sexualidade (ou assexualidade), da falta de comida no prato, da seca, da bebedeira, da bipolaridade, da pedofilia, da falta de políticas públicas… A louvação do belo e o esculpir da palavra são coisas muito bonitas, é inegável. Mas as outras possibilidades não podem ficar no ar ou se esconder dos críticos empoeirados de casacos de cabedal. Até porque, ao mesmo tempo, o poema do Eleazar tem uma proposta diferente e também é excelente, e justamente nele, o que me chama atenção é algo diferente: o jogo de sons bem feito (poema bom para se ler em voz alta, se fortalecendo na oralidade), de rimas (escura/rua, segundo/fecundo, reaparece/prece, até as rimas ocorridas internamente, como bar/ar), e os -s sibilando um pouco ou bastante, como se emulasse um espectro, a Coisa perambulante, vagante, perto e longe da gente. O poema torna essa Coisa uma imagem móvel não só através do que se diz sobre ela, mas sobre como o conjunto da fonética corrobora para isso. E olha que bonita essa outra perspectiva: falando em imagens, o poema da Rosa Lobato de Faria também se ilumina pelas construções de imagens; agora, pela forma como ela descreve o amor em cruzamento com o corpo: olhos, boca, pele, mãos, e como o amor acontece através de cada uma dessas partes; o que quebra a pieguice esperada do tema “amor” é que, pelo meio, são entrecortadas essas imagens moventes no caos, algumas surrealistas até (somos bons em surrealismo), “pomba assustada do coração”, “espelho doido dos olhos”, “todos os gritos (…) debaixo da roupa”. Já o poema da Goliarda Sapienza (com tradução de Valentina Cantori) reúne um pouco disso tudo: a beleza, o inesperado, o ritmo, o cotidiano – e o teatral, que ela salpicou também, a originalidade das imagens, o surreal.

Gastei os caracteres quase todos e quase não falei de prosa, mas deixo uma menção honrosa ao texto “O Filme”, do Andrey Derzette (essa palestra empreendedoresca pré-filme, super do nosso tempo, mas de leitura imersiva e cativante, ao mesmo tempo em que dá vontade de deitar o diretor na porrada). No mais, fico por aqui e desejo um começo de ano gostoso para todo mundo. Bebam muito, mas não façam merda. E sejam amigos (mas se não quiser, não precisa).

2023: um tônico e um euforizante

Editorial extraído da edição de janeiro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


A edição de janeiro do RelevO chega com duas novidades. A primeira é a apresentação da nova ombudsman – ou ombudswoman. Depois do ciclo do poeta, arquiteto e professor de história da arte Nuno Rau por quase todo o ano de 2022, Amanda Vital é a nova detentora do cargo, um dos mais importantes do nosso Jornal. Ela é a 15° ocupante do cargo, podendo ficar de 3 a 9 meses na função.

Neste espaço, o ombudsman escreve sobre o RelevO, agindo como mediador entre o leitor e o jornal, apontando aspectos positivos ou negativos do veículo, considerando críticas, sugestões e reclamações ou, ainda, trazendo ponderações sobre o conteúdo publicado. Ao lado da Folha de S.Paulo e d’O Povo, de Fortaleza, somos os únicos jornais do Brasil com o serviço.

A coluna – enviada mensalmente por volta do dia 25 – não pode ser editada pela publicação, cabendo aos revisores apenas o apontamento e a possível correção de erros não intencionais. Amanda Vital é assistente editorial da editora Patuá e co-editora da revista Mallarmargens, além de mestra em Edição de Texto e autora do livro Passagem (Patuá, 2018).

A atual titular foi uma indicação do ombudsman anterior, que pode sugerir até três nomes para substituí-lo. Acreditamos que o olhar de Amanda Vital, insider do meio literário e agente em diversas frentes deste mesmo mercado, possa trazer discussões importantes sobre o Jornal, abrangendo as recepções de leitura e o contexto todo em que estamos inseridos.

A segunda novidade é mais discreta, mas igualmente importante. Reformulamos o nosso Conselho Editorial, adicionando novos nomes. Em 2022, perdemos a bibliotecária Jacqueline Carteri, uma das nossas maiores entusiastas em mais de 12 anos de Jornal. Jacqueline morreu precocemente e deixa um espaço que jamais será preenchido. Atualmente, oito pessoas compõem o grupo, que contempla desde apoiadores muito próximos ao Jornal a ex-ombudsmans que trouxeram colaborações fundamentais ao nosso processo de existir.

Para 2023, ambicionamos reunir presencialmente este Conselho para discutirmos aspectos sempre delicados do RelevO, como as relações entre a política editorial e o departamento financeiro, as dinâmicas do Jornal com os autores recusados para publicação e as naturais complicações de ser um veículo impresso de literatura em um país sempre à beira da convulsão (ou de virar um istmo e sair flutuando pelo mundo).

De modo geral, desejamos que o novo ano seja um pouco mais… equilibrado. Não procuramos a cura que Comte-Sponville menciona em A felicidade, desesperadamente: a pílula da felicidade. “Uma pilulazinha azul, cor-de-rosa ou verde, que bastaria tomar todas as manhãs para se sentir permanentemente (sem nenhum efeito secundário, sem viciar, sem dependência) num estado de completo bem-estar, de completa felicidade”. Apenas queremos continuar com o nosso trabalho, nos divertindo entre a transcendência e a vulgaridade, com menos cambalhotas financeiras para fechar a edição no azul.

Uma boa leitura a todos.

Osny Tavares: Matéria de poesia

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Como é começo de ano, e ainda estamos meio bêbados, uso a mais-quemanjada referência a Manoel de Barros para destacar um ponto da edição passada (dez/21), que trouxe uma boa coletânea de poemas, entre produções originais e traduções. Quando uma poesia toca o leitor, há de ser um momento especial do fenômeno linguístico. Para além de sua matéria artística, uma outra — a plataforma em que circula — é componente fundamental da mensagem. E sobre ela é possível perguntar, sem acusar-se de poeta, de que matéria é feita.

A poesia é uma arte performática; ela transita por um espaço; o papel é seu palco. Ela só tem sentido publicada; o fazer poético é pegar a tinta e registrar no papel a forma linguística do sentimento; pulsão transcendental, do intangível ao tangível.

O jornalão de anteontem costumava ser janela para os poetas. Davam, além da visibilidade, uma chancela temporal. Diziam do poema: isso é novo!

Os periódicos literários servem para atualizar a literatura. Atualizar em segundo sentido metafísico: realizar, passar da potência ao ato. 

Precisam mostrar a poesia ao leitor e dizer: é chegado o tempo para isso.

11 anos e um segredo

Editorial extraído da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Nos últimos dias de 2021, o RelevO solucionou uma dor de cabeça distante, daquelas que insistem em latejar no canto direito da testa e sequer têm relação com a ressaca ou com o dia seguinte de ser estapeado na cama perante o devido consentimento. Pois bem, concluímos o processo de migração de todo o acervo de edições. Em outras palavras, todos os nossos PDFs agora estão disponíveis no site do Jornal, sem depender de qualquer elemento externo. Qualquer um pode verificar agora mesmo em <jornalrelevo.com/edicao/arquivo>. São mais de 150 edições, desde as ordinárias até aquelas que fizemos e realmente não lembramos como ou por quê.

Trata-se de um passo estrutural importante, pois valorizamos nosso próprio trabalho e facilitamos o acesso ao material. Também organizamos informação – o que é inerentemente prazeroso – e a centralizamos em um espaço nosso. Aos poucos, subiremos todas as colunas de ombudsman e os editoriais. Eventualmente, as centrais. Tudo devidamente catalogado (data, autor, edição) e pronto para receber visita, com seus links individuais, visando a uma espécie de panorama digital de nossa produção impressa em pouco mais de uma década. Não podemos dizer que ficaremos com saudades do Issuu, embora ele tenha sido útil enquanto o direcionamento durou.

Para 2022, queremos continuar imprimindo. É a meta primordial – todo ano, sem exceção. No nosso meio, perder de vista a própria existência é o primeiro passo para deixar de existir. Estamos sempre no limite, mas com cautela e segurança; somos o limpador de janela sobre o banquinho de madeira no arranha-céu, com a pele invariavelmente em jogo. Dez anos atrás, queríamos concluir nosso segundo ano; agora, bem mais estruturados (isto é, cascudos), queremos chegar ao 12º – e por aí vai. Não somos o time que classifica para a Sul-Americana e acha que pode pagar salário de Flamengo. Cada novo investimento é uma planilha esmiuçada em detalhes.

Subindo na pirâmide de Maslow institucional, precisamos de metas mais claras para o RelevO como pessoa jurídica. Até que ponto a formalização do Jornal é vantajosa? Existem benefícios suficientes para compensar o tempo e o dinheiro gastos com burocracia? Definir em que ponto nossa brincadeira pode chegar no futuro será determinante para agirmos hoje. Queremos ter um talk show? Um selo de música eletrônica? Promover uma festa com ofurô gigante preenchido por vinho australiano e com dois tigres jovens e mansos para serem montados pelas pessoas mais audaciosas? Sonhamos em ser maiores que a piauí ou nos contentamos em manter distribuição no Piauí?

Enquanto isso, tentamos expandir nosso bolo. Mais leitores, mais assinantes, mais acessos, mais anunciantes: em consonância, esses quatro elementos reforçam um ao outro, formando um círculo virtuoso que, além de permitir nossa referida existência, nos faz perder o medo de olhar para baixo à medida que o banquinho de madeira sobe o edifício envidraçado.

Boa leitura – e um grande ano a todos nós.

Sandro Moser: Saidera

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


“É tudo pretexto para beber”, dizia a sabedoria de minha mãe a respeito de grande parte das atividades humanas. Mesmo assumindo objetivos aparentes outros, no fundo, quase tudo serve apenas a este oculto e nobre propósito. Frequentar clubes, campanhas eleitorais, viagens à Europa, tertúlias literárias se trata tão somente de desculpa para encher o caneco. 

Serve também para as malditas festas de fim de ano, época odiosa. Como Natal se anunciava na base do “mais pra fimose do que para peru”, decidi transformar a leitura do RelevO em justificativa para sangrar uma garrafa de conhaque que até então só tinha sido usada em receitas que deram errado.

Para completar o clichê, acionei uma lista de velhos sambas-canções no streaming e passei, enfim, à leitura deste suplemento. E, amigos, penso que achei a chave certa. 

Tudo ficou incrivelmente melhor. Percebi nuances, entendi as piadas e ponderei os argumentos e me cortei com os poemas. 

Recomendo vividamente aos amigos que também o façam, nesta que é minha derradeira coluna de meu breve e já saudoso ombudsmanato.

A edição de dezembro, aliás, é o RelevO em estado puro até a última gota de alcatrão com os colaboradores mais frequentes, belos poemas de nomes desconhecidos, duas páginas de cartas de leitores e uma ilustra de Maradona que, se eu ficar bêbado o suficiente, vou tatuar nas minhas costas. 

“Yo me equivoqué y pagué. Pero, la pelota no se mancha.”

Maradona falando era um poeta. Eis a maior diferença. 

Adios. 

Caio Túlio Costa: Diretrizes para ombudsman

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2020 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Trecho de OMBUDSMAN:

O relógio de Pascal, Geração

Editorial, 2006

 

Nem só de alimento para a alma, como o psicodrama de Williamsburg, são recheados os encontros dos ombudsmen. Num desses, em 1982, em Washington, foram aprovadas as “Guidelines for Ombudsmen”, as diretrizes para os jornalistas e jornais adeptos do advogado do leitor. Cabem numa única página. Não custa reproduzir as Diretrizes para Ombudsmen de Imprensa:

  • Os objetivos de um ombudsman de jornal devem ser:
  1. Aperfeiçoar a equidade, exatidão e responsabilidade do jornal.
  2. Aumentar sua credibilidade.
  3. Investigar todas as queixas e recomendar ação corretiva quando for o caso.
  4. Alertar o diretor de Redação sobre todas as queixas.
  5. Fazer conferências ou escrever para o público sobre as linhas, as posições e as atividades do jornal.
  6. Defender o jornal, publicamente ou em particular, quando for o caso.
  • Alguns dos meios de que o ombudsman dispõe para chegar a seus objetivos e cumprir suas tarefas incluem:
  1. Uma coluna.
  2. Memorandos internos.
  3. Reuniões com as equipes.
  4. Questionários.
  5. Conferências.
  • O ombudsman deve ser independente e esta independência deve ser real. Ele deve responder apenas à pessoa com mais alta autoridade na Redação.

 

Nota da redação:

A partir de fevereiro, a coluna passa a ser mantida por Morgana Rech, escritora e editora da Revista Subversa, também doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ (2019), mestre em Teoria da Literatura pela Universidade do Porto (2013) e graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010).

Gisele Barão: Ouça o público

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2019 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Neste período como ombudsman, meu contato com o público do RelevO aconteceu exclusivamente pelas “cartas dos leitores”, publicadas nas primeiras páginas. Notei que quem se dedica a comentar no Facebook do jornal, de onde boa parte das “cartas” vêm, parece estar satisfeito com o conteúdo. Exceto por um ou outro comentário mais anacrônico, esse tipo de leitor defende o jornal das críticas, acredita que o RelevO descobriu prodígios da poesia e da prosa, anuncia que renovará a assinatura. Se tomarmos essas mensagens como referência, 2018 tem um balanço positivo – menos financeiramente, nós sabemos.

Há algumas semanas, porém, achei necessário fazer algo diferente. Conversei pessoalmente com leitores e leitoras do RelevO. Conheci assinantes, ex-assinantes, ouvi seus motivos para fazer o que fazem com este impresso – abraçá-lo ou abandoná-lo pelo caminho, por motivos variados. Alguns contaram qual era seu texto favorito. “Gostei de um sobre o Belchior”, disse um leitor. Vi um exemplar na mesa de trabalho de um colega, que afirmou: “Não me lembro de onde veio, acho que peguei por aí”.

O RelevO parece ganhar novos leitores com frequência. Principalmente os acidentais, que encontram exemplares por acaso em algum ponto de distribuição ou embaixo do braço de um amigo assinante. Esses, suponho, não têm grandes ressalvas para fazer quanto ao conteúdo. É mesmo muito prazeroso encontrar algo para ler em meio à rotina. Mas para quem é ou foi assinante, e acompanha o jornal frequentemente, pude perceber que algumas coisas ainda incomodam. Talvez sejam os editoriais um tanto monotemáticos. Ou o estilo dos textos selecionados. Ou os acontecimentos e pessoas marcantes para a literatura que passaram despercebidas. Ou o fato de não recebermos muitas informações sobre os escritores que publicam no impresso. Em alguns momentos, mal temos certeza sobre a autoria dos textos.

Ser independente tem suas vantagens. No entanto, não nos exime da autocrítica nem da responsabilidade pelo que publicamos. Não é motivo para não querer crescer. Qual é o objetivo do RelevO com uma coluna de ombudsman, por exemplo, se é um veículo que “não se leva tão a sério”? Por mais que tenha reduzido a tiragem, a lista de pontos de distribuição é de impressionar. Existe um grande público para se atender.

Se falta dinheiro e as abordagens mais diretas aos potenciais assinantes nem sempre funcionam, talvez seja hora de repensar a estratégia. O RelevO tem 6,8 mil seguidores no Facebook e pouco mais de dois mil no Instagram, rede que poderia ser muito mais utilizada. Pensar além dos editoriais e se render a outras vias de marketing na internet pode ser uma solução.

Nesses últimos meses, vi surgirem mais do que desaparecerem impressos literários no Brasil. Depois de ouvir leitores e leitoras, entendo que quem não assina o RelevO apenas fez uma escolha. Ela é legítima e pode ser compreensível, inclusive. Neste momento, há concorrência. Outros impressos ou pacotes de leituras que podemos assinar. Como fazer o público escolher este jornal?

 

Da redação:

A coluna de janeiro marca a despedida da Gisele Barão do cargo de ombudsman. Foram nove meses. A partir de fevereiro, teremos nova ou novo ombudsman, titular ainda não definido. Gisele sugeriu quatro nomes, que serão avaliados pelo nosso conselho editorial e, sobretudo, consultados individualmente para vermos quem aceitará a enrascada. Somente temos a agradecer pelo período todo.