Ricardo Lísias: Esqueci

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Por gosto pelo experimento, resolvi que escreveria minha página para o RelevO de fevereiro assim que o primeiro texto da edição de janeiro me chamasse atenção. Como já tinha comentado o editorial e as cartas antes, decidi que pularia essas seções. Enfim, passei para a página 8, a primeira a que me detive. Acabei me desviando um pouco e fui atrás de uma das HQs citadas na introdução à entrevista de DW Ribatski. 

Quando voltei, o texto da página 10, “Meu querido melanoma”, não deixou muito espaço para indiferença. Mais uma vez, fechei a janela e saí atrás de referências. Fiquei bastante tempo navegando daqui para ali. Esqueci o que tinha vindo fazer aqui no computador. Ao me lembrar, já tinha ficado muito tarde e repeti para mim mesmo que continuaria no dia seguinte.

Na terceira tentativa, li o que me faltava do jornal de uma vez só. Eu realmente tinha me decidido a escrever esse texto naquela hora. Minha primeira distração foi a risada que me causou o texto de Felipe Pauluk. Esqueci de tudo outra vez ao ler a matéria sobre a retomada de Hilda Hilst. Acredito que estamos no momento histórico mais adequado para a leitura dessa obra estranha e eloquente. É uma autora que se livrou de qualquer compromisso que não seja a realização de um projeto estético amplo: nem mesmo a fronteira dos gêneros literários a intimidava. Tudo ali é deriva, rescaldo e liberdade.

Há uma ligação sutil entre a matéria sobre Hilda Hilst e o texto “A demonização da mulher pública”, mas tentar desenvolvê-la aqui não seria muito honesto comigo mesmo: daria a impressão de que o meu experimento inicial foi bem-sucedido. Como já ficou claro, não foi. Outra vez eu tinha me esquecido da tarefa de escrever essa coluna. Tenho lido sempre que posso os textos de Carol Rodrigues. A sua lista de compras é ao mesmo tempo divertida e intrigante. É o tipo de texto que deixa o leitor vermelho por estar gostando tanto. 

Terminei essa terceira leitura indo atrás de outros textos de Marin Sorescu. Na hora, o poema lembrou-me os melhores trabalhos de Aglaja Veteranyi. Só hoje, quatro dias depois, lembrei-me de que tinha esquecido de escrever essa coluna. Fiz uma mini antologia pessoal de Sorescu e estava com ela. A edição de janeiro ficou tão boa que a gente até esquece que está lendo, mas não do que está sendo lido. Penso que talvez seja essa uma boa definição de publicação muito bem-sucedida.