Extraído da edição 45 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.
Mission Hill foi uma animação produzida pela Warner Bros entre 1999 e 2000 por Bill Oakley e Josh Weinstein (não aquele Weinstein…), ambos promissores roteiristas de Os Simpsons à época. A série retratava o cotidiano de um grupo de amigos num bairro de uma metrópole norte-americana indefinida – uma mistura de Nova York, Boston, Portland e San Francisco. Lá, rejeitados sociais, figuras caricatas e esquisitos em geral vivem em relativa harmonia.
Os protagonistas são Andy, um jovem cartunista frustrado e despreocupado que passa seus dias bebendo, trabalhando num emprego sem perspectiva numa loja de colchões e recebendo cartas de rejeição de revistas por seus quadrinhos. Kevin é seu irmão mais novo, um gênio completamente caxias que se muda para a cidade para viver com seu irmão e sonha em entrar nas melhores universidades do país enquanto termina seus estudos numa escola onde ninguém, nem os professores, se importa com nada.
A casa onde moram ainda conta com Jim, amigo de Andy, tão doidão e folgado quanto ele, com a diferença de ter um emprego promissor enquanto jovem cool em uma empresa de publicidade. Além dele, lá vivem Posey, a amiga esotérica de yoga, massagem e vegetais orgânicos (Phoebe Buffay?) e Stogie, cachorro de infância dos dois irmãos, sequelado após anos lambendo cervejas e cigarros caídos no chão. Na vizinhança do prédio estão um casal judaico-latino de artistas ativistas com seu bebê e um casal gay tão adorável quanto briguento, dono de uma lanchonete local.
Mission Hillera diferente por representar e escarniar a contracultura e tratar com franqueza de assuntos pouco abordados em outras animações, especialmente Os Simpsons. Na maioria dos desenhos, os problemas aparecem, se desenvolvem e são resolvidos no espaço de 30 minutos, enquanto em Mission Hill os personagens se encontram em cenários sem solução clara, com angústias típicas dessa fase de transição entre a escola/faculdade e a vida adulta. Temáticas “reais demais” para os Simpsons, por exemplo.
Outro detalhe é que na animação de Matt Groening não havia personagens com idade entre crianças e adultos, e os poucos adolescentes (Jimbo e seus amigos) raramente tinham importância no enredo das histórias. Mission Hill falava a língua dos jovens esquisitos e dos descolados – e tirava onda com hipsters antes disso se tornar a thing. Continha referências diversas e sutis – de Beck a Kafka ao Plano 9 do Espaço Sideral –, além de ser visualmente muito bonita. A trilha de abertura era da banda Cake.
Mesmo com tudo isso, a série não durou nem um ano, sendo cancelada antes mesmo de completar uma temporada. Então o que deu errado? Os produtores Oakley e Weinstein culpam a Warner: na época, o canal ainda buscava uma identidade e, na tentativa de brigar com os concorrentes, colocou Mission Hill no horário nobre, junto de programas como The Jamie Foxx Show e The Steve Harvey Show, que em nada se assemelhavam ao humor absurdo e melancólico da animação.
Com audiência péssima para o horário, foi rápida e completamente descartada: a série foi cancelada antes de terminar a produção de sua primeira temporada, e antes mesmo de serem exibidos todos os episódios que haviam sido produzidos. (À Firefly!
Todos queriam ter seu próprio Simpsons, e com isso a Warner Bros ignorou a proposta de Mission Hill de ser uma alternativa à família amarela, e não um competidor. A série só voltou à TV anos depois, com o bloco de desenhos-que-não-são-para-crianças Adult Swim, onde de fato se encaixava. No Brasil, foi transmitida no Adult Swim pelo Cartoon Network entre 2005 e 2008, junto de outras animações excêntricas como Oblongs, Clone High, Harvey, O Advogado e Os Universitários.
Atualmente, é fácil encontrar todos os 13 episódios no Youtube – aqui ou aqui –, e assim Mission Hill sobrevive com seu pequeno culto de seguidores. Legal, honesto, diferente demais para seu tempo, uma joia que não teve sua chance de brilhar, mas que permanece ainda mais especial por conta disso.