Extraído da edição 55 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.
A existência, o universo físico, é basicamente divertida. É absolutamente desnecessária. Não vai para lado algum. Não há um destino em que devemos chegar. Podemos entender melhor por analogia à música. Porque a música, como uma forma de arte, é essencialmente divertida. Nós dizemos que você “toca” o piano, não “trabalha” o piano. Por quê? Música é diferente de, digamos, viagens. Quando você viaja, você está tentando ir a algum lugar. Na música, entretanto, não se busca o final da composição como o objetivo da composição. Se fosse, os melhores maestros seriam aqueles que regeriam mais rápido. E existiriam compositores que escreveriam apenas os finais. As pessoas iriam a um concerto apenas para ouvir um crepitante acorde. Porque este é o final! Quando você dança, você não mira um ponto específico no salão onde tenha de chegar. O grande objetivo da dança é a dança. Mas nós não enxergamos isso como algo trazido pela educação em nossa conduta diária. Nós temos um sistema escolar que nos dá uma impressão completamente diferente. Tudo tem classificação. O que fazemos é colocar a criança num corredor desse sistema classificador com um tipo de “vem cá, gatinho”. Você vai para o jardim de infância e isto é ótimo, porque, quando você termina, vai para o primeiro ano. E o primeiro ano te leva para o segundo, e assim por diante. Você sai do ensino fundamental e vai para o ensino médio. Vai acelerando, e algo está chegando. E você vai para a faculdade. Então você se forma. Depois que você se forma, você está pronto para aproveitar o mundo. Aí você arruma algum serviço em que você vende seguros. Eles te dão uma meta a bater, e você vai batê-la. A todo instante uma “coisa” está chegando. Está chegando, está chegando. Essa grande “coisa”. O sucesso pelo qual você estava trabalhando. Então você acorda um dia com 40 anos e diz: “Meu Deus, cheguei. Eu estou aqui”. E você não sente algo muito diferente do que sempre sentiu. Olhe para as pessoas que vivem para se aposentar. Que fizeram grandes poupanças. Quando elas têm 65 anos, não sobrou energia alguma; são, de algum modo, impotentes. Então vão envelhecer em alguma comunidade de idosos. Porque nós simplesmente enganamos a nós mesmos pelo caminho todo. Nós pensamos, por analogia, que a vida fosse uma jornada. Uma peregrinação – com um sério propósito no final. E o objetivo era alcançar esse final. Sucesso, ou o que quer que seja. Ou talvez o céu, depois de morrer. Mas deixamos de perceber durante todo o caminho. Era uma música. E você deveria ter cantado, ou dançado, enquanto a música tocava.
Alan Watts, “A vida não é uma jornada“.