Highbury

Extraído da edição 42 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Em 1992, o Arsenal, clube londrino de futebol, reformava o Highbury, seu estádio. O North Bank, setor norte do lar do clube, deixava de ser um standing terrace – onde torcedores ficam em pé, apoiados em algumas barras de metal – pra dar lugar a confortáveis cadeiras dispostas em dois andares. Enquanto a obra acontecia, a seção foi desativada e foi montado um painel pintado que simulava a torcida, transformando a área de trás de um dos gols num paredão, como mostra a foto a seguir.

Além do efeito visual curioso em um estádio de futebol, o conteúdo do painel se mostrou bastante controverso: primeiro, foi criticado por não ter negros o suficiente (o Arsenal era o time com a maior torcida entre negros na Inglaterra). A pintura foi então alterada para corrigir o erro. Pouco depois foi levantada a questão de que havia crianças aparentemente sozinhas, ou perto de adultos que não pareciam ser seus pais. Assim, todas as crianças foram colocadas perto de adultos e pintadas da mesma cor do adulto mais próximo. Mas notaram que nenhuma criança estava perto de mulheres, e que mulheres estavam sub-representadas no geral.

Mil mulheres foram adicionadas, incluindo moças portando sarisburkas e vestimentas tradicionais africanas. Quatro freiras foram inseridas, sendo que uma delas foi atingida no rosto por um chute de Lee Dixon no primeiro jogo. Cinquenta sikhs também foram adicionados, com suas tradicionais espadas cerimoniais, que foram mais tarde retiradas por recomendação da polícia.

Mais tarde, houve rumores de que a pintura tinha sido alterada novamente, para adicionar mais homossexuais. Embora isso não tenha sido feito, chegaram reclamações de que gays haviam sido colocados perto de mulheres e crianças. O clube, junto a organizações de direitos homossexuais, soltou uma nota dizendo que nenhuma alteração tinha sido feita, e que gays não têm aparência diferente das outras pessoas, e não são uma ameaça a mulheres, crianças ou partidas de futebol.

Steve Bould, ícone do Arsenal durante os anos 1990, conta um pouco de sua experiência com o painel em uma entrevista: “o mural era esquisito: todas aqueles rostos pintados, em silêncio, olhando pra você. No primeiro jogo com ele, estávamos ganhando do Norwich de 2 a 0 e perdemos de 3 a 2 no fim. Isso resume bem como era o sentimento de jogar em frente àquele painel”. Um trecho de uma partida com o paredão pintado pode ser visto aqui.

O mural veio abaixo no ano seguinte, com a conclusão das obras. Não deixou saudades.