Baú: Jared Dillian

Extraído da edição 92 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Em 1999, quando o mundo era só otimismo, quando havia táxis roxos do Yahoo! patrulhando as ruas de São Francisco, eu era funcionário do pregão de opções da Pacific Coast Options Exchange. Foi lá que aprendi como os mercadores financeiro funcionavam. Eu passava grande parte do tempo de pé nos fundos do nicho da Intel-Oracle com os outros funcionários e corretores; ou seja, a área onde os corretores de opções da Intel e Oracle se reuniam.

Havia um corretor ali chamado Jack Taylor. Jack tinha 1,90 metro, 110 quilos e nenhuma noção de espaço pessoal. Passava metade do dia em um mercado particular acelerado, como se tivesse fumado crack, negociando tudo que aparecia: “COMPRE POSIÇÃO, JAN 30 COMPRA, 20 LOTE! VENDA POSIÇÕES, DEZ 25 VENDA! SAGEOLA! SAGEAROONI!” Jack se remexia todo, sacudindo seus relatórios de risco amassados, esbarrando em outros corretores no nicho, comendo lagosta e burritos de filé, peidando no resto da turma e saindo para fazer sexo com uma das funcionárias da bolsa atrás da caçamba de lixo.

Eu queria ser como Jack.

Queria ser como Jack porque ele parecia ser uma das mais simples e belas criações de Deus. Ganhar dinheiro, bom. Perder dinheiro, ruim. Burrito, bom. Ressaca, ruim. Minha vida parecia terrivelmente complicada, e se eu pudesse reduzir minha existência a esse nível primordial, seria uma experiência libertadora.

Mas eu estava errado. A personalidade selvagem de Jack era uma cortina de fumaça, um mecanismo de defesa que ele criara para convencer os outros (e talvez também a si mesmo) de que sua vida era simples assim. Ele não era um cara simples, era bastante complicado. Um garoto inteligente que se formara em uma universidade de ponta, que fizera escolhas deliberadas e racionais em relação ao que fazer da vida e que naquele momento experimentava dúvidas. A encenação era seu modo de lidar com isso, seu modo de se distrair da realidade de que os mercados financeiros são um modo cruel de ganhar a vida.

Hoje em dia Jack tem uma loja de sanduíches em Chicago: Jack’s Sandos.

Jared Dillian, Surtando em Wall Street, 2011 [ed. Zahar, 2014].

Baú: Morgan Housel

Extraído da edição 87 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

[Angus] Campbell queria saber o que deixava as pessoas felizes. Seu livro, The Sense of Well-being in America [O bem-estar nos Estados Unidos, em tradução livre], publicado em 1891, começa afirmando que as pessoas, em geral, eram mais felizes do que a maioria dos psicólogos presumia. No entanto, algumas estavam se saindo melhor do que outras nisso. E o que as diferenciava não era obrigatoriamente o nível de renda, o local em que moravam ou o grau de instrução, porque muita gente em cada uma dessas categorias era cronicamente infeliz.

O mais poderoso denominador comum da felicidade era simples. Campbell o resumiu da seguinte maneira:

Ter uma forte sensação de estar no controle da própria vida é um indicador mais confiável de sentimentos positivos de bem-estar do que qualquer uma das condições objetivas da vida a que costumamos prestar atenção.

Mais do que o seu salário. Mais do que o tamanho da sua casa. Mais do que o prestígio do seu trabalho. Poder fazer o que quer, com as pessoas com que se quer é a maior variável de estilo de vida que proporciona felicidade às pessoas.

O grande valor intrínseco do dinheiro – e nunca é demais repetir isso – é a capacidade que ele nos dá de termos controle sobre o nosso tempo. A capacidade de obter, pouco a pouco, um nível de independência e de autonomia que vem de ativos não gastos e que nos proporcionam maior controle sobre o que e quando podemos fazer. (…)

Ter o controle do próprio tempo é o maior dividendo que o dinheiro pode pagar.

Morgan Housel. A psicologia financeira, 2020 (ed. HarperCollins, 2021).