Tony Garnier

Extraído da edição 48 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

No início do século passado, Lyon, na França, passava por uma grande industrialização. Centro metalúrgico, a cidade, cuja linha férrea com início em St. Étienne havia sido asegunda da história do país, já se adaptara a uma nova realidade de produção. Somam-se a isso a primeira fábrica de automóveis da França – uma Berliet –, testes com os primeiros aviões e a invenção do cinematógrafo. (Lembra do primeiro filme exibido ao público? Aquela fábrica se tornou o Instituto Lumière.)

Lyon, enfim, compunha um contexto agitado, modernizado e propício a especulações. Isso provavelmente borbulhava na cabeça de um arquiteto local, o talentoso Tony Garnier. Nascido em 1869, Garnier estudou na École des Beaux-Arts, em Paris, e retornou a Lyon, onde projetou aquela que seria, para ele, a cidade ideal. Seu projeto, Une cité industrielle, refletia o planejamento de uma utopia.

Une cité industrielle foi publicado em 1917 após vários anos de estudos. Preocupado com a monotonia do trabalhador em seu ofício, Garnier visou ao lazer e à acessibilidade de áreas verdes — cada casa de família, por exemplo, teria um jardim. A cidade foi idealizada para 35.000 habitantes e continha as seções industrial, agricultural, universitária, sanitária, residencial e pública, esta última dividida entre setores administrativo, cultural e esportivo.

A utopia projetada por ele não continha delegacias, tribunais, prisões ou igrejas. Porque capitalismo. Não obstante, existe ali um legado arquitetônico mais rico do que a ignorância arquitetônica do editor permite enxergar – como a existência de edifícios de concreto armado – portanto permanecemos na apreciação estética. Se você entende algo de francês, vale se atentar a este documento aqui. Se não entende, fique pelas imagens e dificilmente se arrependerá.

Palais Idéal du Facteur Cheval

Extraído da edição 13 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Enquanto percorria sua rota diária em uma tarde de abril de 1879, o carteiro Ferdinand Cheval tropeçou em uma pedra de aspecto curioso e se encantou por sua beleza. Decidiu levá-la para casa, mesmo sem ter muita ideia do que faria com ela.

A partir do dia seguinte, ele passou a notar no seu caminho as diversas rochas e formas esculpidas pela natureza, decidindo coletar o que lhe chamasse a atenção para construir, no terreno ao lado de sua casa, no sudeste da França, um palácio: o Palais Idéal du Facteur Cheval.

Idealizado primeiro como um templo à natureza, depois como seu local de sepultura, a obra é o resultado de 33 anos – 10 mil dias – de trabalho quase cotidiano e de aperfeiçoamento contínuo. É, segundo o próprio artista, o “Panteão de um herói obscuro”.

Embora alguns desenhos tenham sido idealizados, não há um projeto definido. A expansão da construção acontecia de forma desordenada e orgânica, seguindo a imaginação de seu criador e os diferentes materiais encontrados a cada dia.

O simbolismo e as referências das esculturas e estruturas vêm da Bíblia (da qual Cheval era leitor ávido), das tradições hindu e egípcia e dos numerosos cartões postais e revistas aos quais ele tinha acesso por sua profissão de carteiro.

Entre os elementos mais marcantes estão Os Três Gigantes (simbolizando Arquimedes, Júlio César e o líder militar gaulês Vercingetorix); a Mesquita; o Pecado Original e o Templo Egípcio, inicialmente previsto como o local de seu enterro.

O palácio sempre chamou a atenção do público. Já nos primeiros anos de trabalho, vizinhos visitavam Cheval e achavam graça da ideia maluca de construir de pedregulhos e argamassa. Mas isso apenas o deixou mais motivado e certo de que sua obra era única.

Entre seus admiradores, figuravam os surrealistas André Breton e Max Ernst (que pintou o quadro O Carteiro Cheval em 1932), além de Picasso e, claro, os milhares de turistas que vão todos os anos à cidade de Hauterives para testemunhar esse exemplo único de Arte Bruta e arquitetura Naïve.