Baú: James Cameron vs. H. R. Giger

Extraído da edição 119 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.


Contexto: “Considerando a reação extremamente positiva a seu incrível trabalho, premiado com o Oscar, no filme anterior, pouco surpreende a ‘decepção’ de H. R. Giger por não ter sido contatado quando teve início a produção de Aliens, o segundo episódio do que ainda é uma das franquias mais bem-sucedidas da história do cinema. O célebre artista suíço que concebeu o lindamente horrendo alienígena no final da década de 1970 expressou seu desagrado e, através de seu agente, Leslie Barany, escreveu ao diretor da sequência, James Cameron. Três meses depois, Cameron explicou sua decisão nesta carta fascinante e extraordinariamente honesta.”

Prezado sr. Barany:

Lamento que a intensa pressão para concluir “ALIENS” não me permitiu responder a carta de 3/11/86 que o senhor escreveu em nome de seu cliente, sr. H. R. Giger.

Nessa carta, o senhor menciona a “decepção inicial” do sr. Giger por não ter sido contatado a propósito de “ALIENS”, o que é muito compreensível, já que ele é o autor das criaturas e dos cenários. Ironicamente, foi a produção de “ALIEN”, com sua bizarra paisagem psicossexual do subconsciente criada pelo sr. Giger, que despertou meu interesse pelo projeto de uma sequência.

No entanto, tendo sido diretor de arte antes de me tornar diretor, achei que tinha de colocar minha marca no projeto. Só assim o projeto faria sentido àquela altura de minha carreira, quando eu já tinha algumas ideias e criações originais que podia levar adiante com idêntica recompensa financeira e com maior liberdade como autor.

Achei que criar uma sequência pode ser um exercício incômodo em termos de equilibrar impulsos criativos, a vontade de criar algo inteiramente novo e a necessidade de seguir o original. A marca visual do sr. Giger em “ALIEN” (e que muito contribuiu para o sucesso do filme) é tão forte e onipresente que tive medo de ser esmagado por ele e seu trabalho, se o incluíssemos numa produção da qual ele tinha mais direito de participar do que eu, de certo modo.

A 20th Century Fox gostou da história que apresentei e por isso me deu a oportunidade de criar o mundo que imaginei ao escrever. Aproveitei essa oportunidade e para a criação de efeitos especiais chamei desenhistas, escultores e técnicos com os quais eu já havia trabalhado, o que é muito natural, quando há necessidade de cumprir prazo e ater-se ao orçamento.

Outro fator de minha decisão foi o conflitante envolvimento do sr. Giger em “POLTERGEIST II”, que infelizmente não utilizou suas ideias tão bem como “ALIEN”.

Digo tudo isso para me explicar e me desculpar, com a esperança de que o sr. Giger considere a possibilidade de me perdoar por lhe abduzir seu “primogênito”. Se assim for, poderá surgir uma oportunidade de participarmos com respeito mútuo de um projeto inteiramente novo e original em que a única limitação seja sua esplêndida imaginação.

Sou, antes de tudo e sempre, fã de seu trabalho (uma litografia assinada do ovo alienígena encomendado por ocasião de “ALIEN” é um de meus bens mais preciosos).

Cordialmente,

James Cameron, 1987 (Cartas Extraordinárias. Org.: Shaun Usher. Trad.: Hildegard Fest, Companhias das Letras, 2013).