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O conceito de loucura é definido e disputado há tempos num bolo que envolve medicina, psicologia, Michel Foucault, meu pau de óculos e a importantíssima luta antimanicomial. Um consenso que parece atravessar todas essas instâncias é o de que alguém que literalmente queima dinheiro só pode estar louco.
Em 23 de agosto de 1994, Bill Drummond e Jimmy Cauty, a dupla de artistas do K Foundation (ex-The KLF), queimaram um milhão de libras esterlinas para a performance de arte K Foundation Burn a Million Quid.
Dinheiro vivo, real (um parêntese, aliás, para a gíria Quid, que no inglês britânico é usada para se referir à libra, e que deriva do latim quid pro quo, algo como “tomar uma coisa por outra”, de onde deriva também a expressão em português “quiprocó”, familiar a todo fã de Los Hermanos).
A performance virou um filme, as cinzas do dinheiro queimado viraram um tijolo – que depois também virou um filme – e, com o tempo, as explicações dos dois artistas para essa loucura ficaram cada vez mais lacônicas e arrependidas.
Drummond e Cauty formaram o duo The KLF (não confundir com KLB), produtores de um poperô de qualidade que fez um sucesso estrondoso no início dos anos 1990. Impostos deduzidos, no ano de 1992, quando eles se aposentaram precoce e mui artisticamente do mundo da música, ainda havia algo em torno de 1 milhão de libras esterlinas.
Esse dinheiro todo, que foi para a K Foundation, deveria ser utilizado em projetos artísticos e, principalmente, para o apoio de artistas fudidos.
Mas, como tão bem colocou Drummond, eles perceberam que o principal fator para ser um artista fudido é justamente a parte de ser mal pago. Em nome da arte, portanto, esse dinheiro não seria dado a ninguém – ele se tornaria o próprio material das obras.
Foi assim que eles começaram a contactar galerias de arte e pensaram em planos grandiloquentes de exposições, como a Nailed to the Wall, em que o dinheiro seria pregado à parede, ou a ideia de uma exposição itinerante pela União Soviética com um milhão de libras (abandonada provavelmente pela falta de fé das seguradoras).
Drummond e Cauty já tinham um histórico piromaníaco, o que contribuiu para que a ideia de simplesmente queimar o dinheiro fosse tomando forma e virasse uma performance intimista numa casinha da ilha de Jura, na Escócia.
O jornalista Jim Reid (não confundir com… Jim Reid) foi o único a acompanhar a hora inteira em que o dinheiro queima – parte dele saiu voando, em brasa, para o delírio da comunidade vizinha –, enquanto uma câmera filma o processo. Esse vídeo foi exibido por cerca de um ano e, depois, destruído para sempre (aparentemente, um deles guardou uma cópia), dando início a um período de 23 anos de moratória em que os artistas não falariam sobre o assunto.
Em 2017, houve um debate promovido pelo duo de artistas durante o lançamento de 2023, trilogia de livros de ficção científica.
Hoje, os arteiros são lembrados sempre como aqueles que queimaram um milhão de pilas e ensaiam declarações menos artísticas e mais reticentes sobre a razão que leva alguém a queimar um milhão de pilas. Quem os conhece diz que nunca mais foram os mesmos.
por Marceli Mengarda