Zeh Gustavo: ANGÚSTIA, BOSTALGIA, INFETAÇÃO: tudo, mas não necessariamente nesta (des)ordem!

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


eu também tomo café
em uma sala em chamas
só que não é café
é rum eu espero

Matheus Hotz

I
desde as cartas
é que se instaura uma certa primazia
do sistema digestório
na quase ainda possível
comunicação:
abdômen-ritornelo
a gerar um chiado
& pá
& poom
& pés
& zooms!

II
de uma bet
que dela não se reporte
o seu vício fundador
mas a elegância
do patrocínio negado
que subjaz no exercício
de uma das parcas soberanias
que elegemos para levar
as horas
no comércio hodierno
em que nos enfiaram
até a bacia das almas
(inclusos os corpos)

III
uma boa revolução
se faz é com menos quinhentão
na conta
e um sorriso na cabeça

no bolso
uma bússola
desregrada
& um mapa
de alcançar
corações danados
como os nossos

IV
nos dias seguintes
aos tantos poemas relegados
à indiferença presidenta
do conselho do mundo
regido por big techs
é que o ombudsman
rasga o jornal
em rebeldia cega
ele
vocês sabem
adora fazer merda
porque contínuo

contínuo do baixio do palavreado
e de solfejadas sofrências de amor
(contínuo! – gritaria
o pai-empresário escroque
da Bonitinha mas ordinária
aquele que não é solidário
nem no câncer!)

V
um
bando
de
bunda-suja

nunca
seremos
um

rolo

um

rolo

nem
mesmo
de
um
reles
papel
higiênico

VI
parede
ou porta:
qualquer sólido
será esquecido
ao vento
que o levará
ao mar poluído
antes que o que seja
mera performance
possa se tornar
até mesmo
um aviso sequer
de permanência

desde já
esteja proibido
algo que seja
do terreno
da passagem
porventura
se fixar

VII
a pergunta
aos mortos
precisa ser
dirigida
– e digerida –
pelos vivos

porque os mortos
eles não têm
necessidade
de pergunta
não porque já saibam
toda resposta
mas porque já sabem
toda ausência

VIII
o neomoralismo pimpão
é transfronteiriço:
propagandeia
suas bandeirolas
com superioridade
voraz

o neomoralismo pimpão
é chato pra cacete
como a palavra
transfronteiriço
e ai de quem zombeteie
de sua falso-desleixada
mania de nobreza

o neomoralismo pimpão
contém tantas
amarras
quanto a propaganda
de um carro
de um sabão em pó
ou do amor livre
na boca de professor
universitário
em busca de likes
pro lattes

o neomoralismo pimpão
confunde geral
se espalha como brasa
(brasa líquida, claro)
a flertar com o
uso e descarte
de tudo

o neomoralismo pimpão
é o estado da arte
oculto
de quem beija a mão
do opressor
e senta a pua
no suprimido

o neomoralismo pimpão
odeia o que chama de
samba de raiz
amor romântico
escrita elitista
letra difícil
filosofia de botequim
o que pense
política & estética & existência
o que sinta
demais & intenso & visceral

ou seja
o neomoralismo pimpão
odeia toda utopia
que nos possa levar
adiante
sem esse gosto
de rivotril
na boca

IX
para dar bug é preciso
operar o sistema
desde os seus ossos

para dar bug é preciso
jogar não só uma cadeira
mas alguma alma
e em alguém
que tanto a mereça
que viciou em descrer
nessa oferta de tanto

para dar bug é preciso
se jogar na alma arremessada
reconhecer nela
não o alvo
mas o destino
e puxá-la
para dentro
de si