Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Calma lá, não baixei de coach, ainda sou alguém. E este título se inspira noutro, do Fausto Wolff, de crônica de junho de 1981, n’O Pasquim: “Você não é um merda!”. Nela, Fausto ataca o “complô maquinado (…) para que vocês esqueçam o fim que dá significado à existência de vocês. Um plano para transformá-los em mortos-vivos, sem vontade própria (…).” Em outro momento, incita o leitor a entender que pensava; que sentia; que, afinal, vivia – não era um telefone! E Fausto escreve numa era pré-smartphone…
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“O silêncio é uma ética.” Anda difícil o ombudsman não citar nossos Editoriais. “As nossas vidas são permeadas por um constante fluxo [tagarela, como o define Adauto Novaes] de informações, notificações e alertas que competem por nossa atenção, fragmentando nosso foco e nos empurrando para hábitos de hamster.”
A tecnologia atual é contrarrevolucionária, reativo-positiva, no sentido de que cria mais e melhor de um mesmo que nos joga para trás. Somos instados a nos superarmos em troca de uma espécie de pseudoeus (inter/super)ativos que nos ocupam o tempo inteiro, sem pausa para o silêncio premente à produção real de sentimento e reflexão.
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Mas não renunciaremos de todo a nós, certo? As “Nuvens não querem se separar das montanhas. / Vivem assim: em luta eterna para conciliar seus desejos.” O Hino à sedução do tudo, de Adonis, é dos vários pontos altos da última edição. Outro verso, de “Divisórias”: “Você, coisa incompleta, / inicia a perfeição.”
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Trauma da contemporaneidade: o consenso em torno de uma autovivência condicionada, extenuante, fármaco-dopada, individualoide e precarizada.
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Outro: o neomoralismo. Camaradagem, toda bundinha já esteve e estará um dia suja. Não se rebaixe à canalhice do lugar-comum de frases como “Não passo pano para…”, porque você passa sim, geral passa pano, toda hora, porque se não passar não tem vida em sociedade. Vivemos de passar pano. A novidade é a escalada preocupante do cancelamento, fantasma onipresente, que habita o mundo do juízo deserto de qualquer razoabilidade, que não dá a menor pelota ao contraditório e ao perdão do erro, que visa a punir sem prazo e muitas vezes nem lei.
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Que duo formoso a obra plástica de Oli Maia, em que a gente nota cores mosaiculosas num singelo preto e branco; com o “Costume” de Anderson Almeida Nogueira, p. 22-23 (volta lá no mês passado para seguirmos juntos adiante). E aí a gente vira a página e tá lá estampada a letra de um genuíno samba ensinado por Zé Keti e Elton Medeiros: aquilo que “Não fala, meus amigos, de ninguém / Simplificando a história / Não fala de mim também”. RelevO, definitivamente, não é qualquer parede.
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Isto, obviamente: tal de defender a profundidade, prioridade, preciosidade que é existir, não se trata de o indivíduo se pôr a babar asneira academicuzona ou namastê-afetiva na internet, recomendando (aff!) leveza no relacionamento (ficou demodê falar no seu correlato mais fodão, que seria amor, como trocam fácil arte por diversão numa programação dita cultural) e outras bobageiras graciosas.
Sabe o que é leve? Merda. Sempre boia, no mar. Em suma: faça das suas, mas corra de sê-las.
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No meu último escrito que talvez tu leias, (re)luto ante teu medo e incidente confusão; ainda e sempre, nos insisto. E, já que urge a vida, que é esta, como a temos e não como gostáramos numa visada de novela ou partida tensa de fuga de rebaixamento boleiro, te grito: mergulha! Que oceano é coisa nossa de não perder de vista, para além. Mergulha logo. Que, no início, a gente bate perna; uma hora até aprende a nadar.