Amanda Vital: Ombudswoman 5: escrever como Fulan_ e o plágio que tem pressa

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Car_s leitor_s, vou aproveitar a coluna de hoje – e tentar esconder o fato de que não deu tempo de meditar sobre os textos da edição anterior do jornal (tive 30 dias mega conturbados), e a gente não deve falar de coisas que não leu, por honestidade intelectual, esse princípio tão pouco cumprido nos networkings atuais – para falar de duas pautas bem pouco importantes, por acaso, mas que também por acaso têm cercado alguns debates que tenho acompanhado muito (e participado nada, por não ter nenhum arcabouço pessoal a acrescentar, já que a vivência tem contado bastante para a propriedade de fala no debate contemporâneo; o que não é uma crítica, só um apontamento, mesmo). O título que utilizei para o texto é autoexplicativo: quero falar do problema da escrita que quer alcançar uma espécie de “nirvana de autor_s”, se é que posso chamar assim, escrita essa que em si é um problema, mas que seu público leitor também contribui bastante para essas comparações e a autenticidade não dá a cara nesse rolê; e ainda do “plágio de estilo”, o que está do outro lado dessa moeda, ou seja, d_ autor_ que sente que foi plagiad_ porque vê alguém escrevendo “em um estilo semelhante ao da escrita del_” depois de lidos uns três ou quatro versinhos (aí é que entra o “tem pressa”: para apontar o dedo) e tudo se torna uma grande e cíclica batalha de ego, frequentemente com ambos os lados fazendo as pazes no final, e seus exércitos partidários com uma cara de tacho ridícula uns aos outros. Isso quando não se enganam, a outra pessoa sai cancelada e ninguém mais fala nela. Vamos a essa doçura de papinho?

O problema da escrita que pretende alcançar autor_s – geralmente já consagrad_s, ou com alguma relevância maiorzinha – tende a ser por base apenas um, que pode se bifurcar e bifurcar as bifurcações, mas é esse: ela se esvazia. Se esvazia de todo o conteúdo que poderia ser trabalhado, com a vivência e o olhar ao mundo da própria pessoa, e é apenas forma; algum trabalho com a linguagem, sim, mas geralmente marcada pelo uso excessivo de repetições de palavras, de estilos de versos, de modos de dizer, de mancha gráfica diferentona. Enquanto leitora, me pergunto se realmente aconteceu um ímpeto para que aquela criação acontecesse, porque não me diz absolutamente nada (a gente parece que sabe, que sente quando vem de um lugar de “querer alcançar o outro”, lê-se a agonia, o desespero, a pressa em querer ser o/a X contemporâneo/a; e se X for ele/a mesmo/a contemporâneo/a, o/a X novíssimo/a ultra high tech premium version na versão 1.7.1.2023b). Se essa escrita teve alguma razão de ser, de existir, de vir ao universo literário que não a equiparação, seja ela intencional ou não. Se incomodou, chacoalhou, tirou a pessoa da cama, da reunião, do jantar em família; se ela teve de alcançar algum papelzinho para anotar a ideia quando veio o clique; se ela se sentou e discorreu a partir de uma coisa que bateu nela – que ela sinta que tenha batido nela, ainda que tenha ricocheteado em vári_s autor_s primeiro; se ela lapidou ou deixou cru (se isso foi importante para ela, porque é assim como ela escreve, ela não leu uma rotina de criação, um “Como eu escrevo” de Fulan_ de Tal para fazer igualzinho); se ela pediu opinião a colegas ou só publicou no Instagram com uma fotografia a preto e branco escolhida por ela; se ela fechou um livro às pressas e foi escrever, porque sim, porque precisava. Se escreveu porque precisou escrever. Porque se não tiver sido assim, não tem graça nenhuma, tem? Tem tanta graça assim ser um_ X contemporâne_? Ter a sua escrita na crítica apenas em forma comparada, não estudada de forma única, específica, focada? Ter leitor_s tecendo elogios puxados sempre, sempre, sempre para esse campo? Ter seu nome atrelado àquela pessoa durante toda a sua jornada literária? Essa questão é bastante similar a_s discípul_s de cert_s autor_s, protégées que vivem constantemente à sombra daquelas pessoas que “descobriram” sua literatura e decidiram batizá-la como uma extensão da sua. Mas nesse caso, é a própria pessoa se atirando aos leões. Ou seu público leitor fazendo isso por ela – e nesse caso, duvido muito que seja intencional, ao menos em um primeiro momento; pode ser algo a ser explorado depois que a pessoa viu o hype que dá ser como Fulan_, e os likes são tão gostosos… Será que é um caminho legal? Se sim, é legal porque a cópia geralmente incomoda? É proposital desde o primeiro verso? É consciente? (É ingênuo achar que não seja consciente?) É masoquista? A prática batiza uma nova escola literária? Ou é só um exercício, sempre um exercício de escrita, que nem deveria ser pauta nesse jornal?

No caso, a pessoa que pretende ser “o/a novo/a X” segue um caminho tortuoso, sim, mas ao menos tem a honestidade de não se apropriar e dizê-lo logo. Deixar a referência em cima da mesa e não tomar quase nada como seu (porque pouco é). Até porque existe o lado de quem “é plagiado”. (Mas será que é, mesmo?) Uma nova onda de autor_s que vêm apontando o que chamam de “plágio de estilo”. Há patentes de estilo em literatura e não se sabe: a prosa poética, o verso quebrado pseudoconcretista, a caixa de texto, o soneto em 2023 – e as formas fixas com oralidade bem definida por escrito, com marcas de fonética, coisa e tal –, os hífens, os temas da mulher, do urbano, do imigrante, a referência àquele poeta guatemalteco “que só eu conheço, poxa, como assim Fulan_ está referenciando ele na poesia também?”; em suma, tudo o que se produz e é visto também na escrita do outro é motivo para erguer o dedo do alto de seu privilégio – geralmente são branc_s de classe média, mesmo –, porque mamãe não me ensinou a dividir pipocas, para dizer: “isso é meu, ué. Eu escrevo assim, desse jeitinho aí. Tenho um poema quase igualzinho (adendo: mostra o poema e não tem nada de mais ali, é tudo do ego da pessoa). Eu criei esse estilo que você usa, para fazer esses versinhos seus aí”. E não criou patavina alguma, que a escrita é uma costura de um monte de outros discursos, de outras literaturas; se fosse assim, todo mundo plagia todo mundo. Melhor: todo mundo plagia O mundo. Não tem um cidadão inocente para contar história. O que cargas d’água é um plágio de estilo? Existe “patente” para uma forma de se escrever no universo literário contemporâneo? Patentes deveriam realmente existir em arte, em literatura, em cultura? Devemos pensar em abrir franquias para versos livres? Você, leitor_, tem domínio da sua escrita a ponto de saber quando alguém está “imitando seu estilo”? Eu uso tênis all star com meia soquete, aquelas que o tênis engole, e vejo várias pessoas assim na rua, será que devo me preocupar em ir atrás dessa gente toda?

E percebem como vira algo complexo, galerinha? Porque o primeiro caso também poderia ser tratado como um “plágio de estilo”, porque trata-se de uma pessoa escrevendo “como outra”. Mas acontece que, no primeiro caso, quando já não está clara a fonte bebida (geralmente está), essa outra pode não confirmar, mas não nega se inspirar em X. No segundo, quando você é o/a próprio/a X, é você acusando primeiro. Você lança a primeira pedra. Percebe o tom de “diva” da coisa, em acusar o outro que você nem sabe se conhece o que você produz ou não? Se conhece, como comprovar que sua criação é baseada em copiar você? Porque para justificar, você vai fazer uma listagem de um monte de coisas que um monte de outras pessoas também usa, também usou antes de você pensar em existir. Ficou confuso? Eu também. Mas acho que já expliquei o que queria pontuar e dar minha colherzinha de pitaco em tudo isso, porque é muito cansativo não ser aquela amiga que dá uma cutucadinha de leve na pessoa naquele evento maroto e dizer “amig_? Desapegue um pouquinho, vá?”. E as pessoas que têm essa oportunidade não usam e vão falar sobre isso só pelas costas. É mole?

Leiam jornais antes de escrever textos. Mas se não quiser, não precisa. Mas meio que precisa. Nesse caso, precisava, mesmo.