Amanda Vital: Ombudswoman 5: escrever como Fulan_ e o plágio que tem pressa

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Car_s leitor_s, vou aproveitar a coluna de hoje – e tentar esconder o fato de que não deu tempo de meditar sobre os textos da edição anterior do jornal (tive 30 dias mega conturbados), e a gente não deve falar de coisas que não leu, por honestidade intelectual, esse princípio tão pouco cumprido nos networkings atuais – para falar de duas pautas bem pouco importantes, por acaso, mas que também por acaso têm cercado alguns debates que tenho acompanhado muito (e participado nada, por não ter nenhum arcabouço pessoal a acrescentar, já que a vivência tem contado bastante para a propriedade de fala no debate contemporâneo; o que não é uma crítica, só um apontamento, mesmo). O título que utilizei para o texto é autoexplicativo: quero falar do problema da escrita que quer alcançar uma espécie de “nirvana de autor_s”, se é que posso chamar assim, escrita essa que em si é um problema, mas que seu público leitor também contribui bastante para essas comparações e a autenticidade não dá a cara nesse rolê; e ainda do “plágio de estilo”, o que está do outro lado dessa moeda, ou seja, d_ autor_ que sente que foi plagiad_ porque vê alguém escrevendo “em um estilo semelhante ao da escrita del_” depois de lidos uns três ou quatro versinhos (aí é que entra o “tem pressa”: para apontar o dedo) e tudo se torna uma grande e cíclica batalha de ego, frequentemente com ambos os lados fazendo as pazes no final, e seus exércitos partidários com uma cara de tacho ridícula uns aos outros. Isso quando não se enganam, a outra pessoa sai cancelada e ninguém mais fala nela. Vamos a essa doçura de papinho?

O problema da escrita que pretende alcançar autor_s – geralmente já consagrad_s, ou com alguma relevância maiorzinha – tende a ser por base apenas um, que pode se bifurcar e bifurcar as bifurcações, mas é esse: ela se esvazia. Se esvazia de todo o conteúdo que poderia ser trabalhado, com a vivência e o olhar ao mundo da própria pessoa, e é apenas forma; algum trabalho com a linguagem, sim, mas geralmente marcada pelo uso excessivo de repetições de palavras, de estilos de versos, de modos de dizer, de mancha gráfica diferentona. Enquanto leitora, me pergunto se realmente aconteceu um ímpeto para que aquela criação acontecesse, porque não me diz absolutamente nada (a gente parece que sabe, que sente quando vem de um lugar de “querer alcançar o outro”, lê-se a agonia, o desespero, a pressa em querer ser o/a X contemporâneo/a; e se X for ele/a mesmo/a contemporâneo/a, o/a X novíssimo/a ultra high tech premium version na versão 1.7.1.2023b). Se essa escrita teve alguma razão de ser, de existir, de vir ao universo literário que não a equiparação, seja ela intencional ou não. Se incomodou, chacoalhou, tirou a pessoa da cama, da reunião, do jantar em família; se ela teve de alcançar algum papelzinho para anotar a ideia quando veio o clique; se ela se sentou e discorreu a partir de uma coisa que bateu nela – que ela sinta que tenha batido nela, ainda que tenha ricocheteado em vári_s autor_s primeiro; se ela lapidou ou deixou cru (se isso foi importante para ela, porque é assim como ela escreve, ela não leu uma rotina de criação, um “Como eu escrevo” de Fulan_ de Tal para fazer igualzinho); se ela pediu opinião a colegas ou só publicou no Instagram com uma fotografia a preto e branco escolhida por ela; se ela fechou um livro às pressas e foi escrever, porque sim, porque precisava. Se escreveu porque precisou escrever. Porque se não tiver sido assim, não tem graça nenhuma, tem? Tem tanta graça assim ser um_ X contemporâne_? Ter a sua escrita na crítica apenas em forma comparada, não estudada de forma única, específica, focada? Ter leitor_s tecendo elogios puxados sempre, sempre, sempre para esse campo? Ter seu nome atrelado àquela pessoa durante toda a sua jornada literária? Essa questão é bastante similar a_s discípul_s de cert_s autor_s, protégées que vivem constantemente à sombra daquelas pessoas que “descobriram” sua literatura e decidiram batizá-la como uma extensão da sua. Mas nesse caso, é a própria pessoa se atirando aos leões. Ou seu público leitor fazendo isso por ela – e nesse caso, duvido muito que seja intencional, ao menos em um primeiro momento; pode ser algo a ser explorado depois que a pessoa viu o hype que dá ser como Fulan_, e os likes são tão gostosos… Será que é um caminho legal? Se sim, é legal porque a cópia geralmente incomoda? É proposital desde o primeiro verso? É consciente? (É ingênuo achar que não seja consciente?) É masoquista? A prática batiza uma nova escola literária? Ou é só um exercício, sempre um exercício de escrita, que nem deveria ser pauta nesse jornal?

No caso, a pessoa que pretende ser “o/a novo/a X” segue um caminho tortuoso, sim, mas ao menos tem a honestidade de não se apropriar e dizê-lo logo. Deixar a referência em cima da mesa e não tomar quase nada como seu (porque pouco é). Até porque existe o lado de quem “é plagiado”. (Mas será que é, mesmo?) Uma nova onda de autor_s que vêm apontando o que chamam de “plágio de estilo”. Há patentes de estilo em literatura e não se sabe: a prosa poética, o verso quebrado pseudoconcretista, a caixa de texto, o soneto em 2023 – e as formas fixas com oralidade bem definida por escrito, com marcas de fonética, coisa e tal –, os hífens, os temas da mulher, do urbano, do imigrante, a referência àquele poeta guatemalteco “que só eu conheço, poxa, como assim Fulan_ está referenciando ele na poesia também?”; em suma, tudo o que se produz e é visto também na escrita do outro é motivo para erguer o dedo do alto de seu privilégio – geralmente são branc_s de classe média, mesmo –, porque mamãe não me ensinou a dividir pipocas, para dizer: “isso é meu, ué. Eu escrevo assim, desse jeitinho aí. Tenho um poema quase igualzinho (adendo: mostra o poema e não tem nada de mais ali, é tudo do ego da pessoa). Eu criei esse estilo que você usa, para fazer esses versinhos seus aí”. E não criou patavina alguma, que a escrita é uma costura de um monte de outros discursos, de outras literaturas; se fosse assim, todo mundo plagia todo mundo. Melhor: todo mundo plagia O mundo. Não tem um cidadão inocente para contar história. O que cargas d’água é um plágio de estilo? Existe “patente” para uma forma de se escrever no universo literário contemporâneo? Patentes deveriam realmente existir em arte, em literatura, em cultura? Devemos pensar em abrir franquias para versos livres? Você, leitor_, tem domínio da sua escrita a ponto de saber quando alguém está “imitando seu estilo”? Eu uso tênis all star com meia soquete, aquelas que o tênis engole, e vejo várias pessoas assim na rua, será que devo me preocupar em ir atrás dessa gente toda?

E percebem como vira algo complexo, galerinha? Porque o primeiro caso também poderia ser tratado como um “plágio de estilo”, porque trata-se de uma pessoa escrevendo “como outra”. Mas acontece que, no primeiro caso, quando já não está clara a fonte bebida (geralmente está), essa outra pode não confirmar, mas não nega se inspirar em X. No segundo, quando você é o/a próprio/a X, é você acusando primeiro. Você lança a primeira pedra. Percebe o tom de “diva” da coisa, em acusar o outro que você nem sabe se conhece o que você produz ou não? Se conhece, como comprovar que sua criação é baseada em copiar você? Porque para justificar, você vai fazer uma listagem de um monte de coisas que um monte de outras pessoas também usa, também usou antes de você pensar em existir. Ficou confuso? Eu também. Mas acho que já expliquei o que queria pontuar e dar minha colherzinha de pitaco em tudo isso, porque é muito cansativo não ser aquela amiga que dá uma cutucadinha de leve na pessoa naquele evento maroto e dizer “amig_? Desapegue um pouquinho, vá?”. E as pessoas que têm essa oportunidade não usam e vão falar sobre isso só pelas costas. É mole?

Leiam jornais antes de escrever textos. Mas se não quiser, não precisa. Mas meio que precisa. Nesse caso, precisava, mesmo.

Procedimentos

Editorial extraído da edição de maio de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Desde o fim de outubro de 2022, o Jornal RelevO centralizou no Substack o envio de seus materiais digitais. Em linhas gerais, trata-se de uma plataforma que permite enviar textos por e-mails, armazená-los e catalogá-los em newsletters diferentes. Também permite cobrar por conteúdos exclusivos. No nosso caso, recebem os informativos nossos assinantes; antigos assinantes da Enclave e da Latitudes (então no Mailchimp) que não se descadastraram; quem se cadastrou por vontade própria pelo site [jornalrelevo.com]; e, provavelmente, amigos que não abrem a caixa de entrada há seis anos.

Para um periódico de papel e de literatura, o Substack é uma ferramenta espantosamente prática. Permite que dividamos os bastidores da nossa cozinha editorial, recuperemos conteúdos esquecidos no porão da nossa memória, informemos aos leitores as oportunidades do meio cultural (via Latitudes, voltada a concursos e afins) e sigamos na miscelânea divertida da Enclave, nossa newsletter de… nada específico. Sobretudo, facilita nossa regularidade, algo que já replicamos na edição impressa e que, acreditamos, estreita a relação com a nossa base de leitores.

Em pouco mais de seis meses, notamos um crescimento de seguidores digitais em todas as frentes, das redes sociais ao próprio cadastro disponibilizado pelo site. O que isso representa? Mais share, mais assinantes no jornal físico. Em suma: quanto mais o conteúdo anda, independentemente do caminho, mais assinantes conseguimos para o impresso, que é quem paga a conta, ao menos diante do que oferecemos hoje. Assim, interessa-nos – e muito – como encontrar o tom ideal entre conteúdo gratuito e remunerado. Basicamente, a proporção entre quem curte descompromissadamente o que produzimos e quem assina e anuncia conosco.

Ainda nessa direção, de tempos em tempos, estamos recebendo menos votos de extinção e de solidariedade. O famoso “por que não ser apenas digital?”. Notamos, com certa naturalidade, um cansaço progressivo com a experiência digital por parte de usuários. Bem, nos chamam de usuários. Cada vez mais, as pessoas estão buscando estratégias de melhor uso de seu tempo de qualidade, até para gastar menos com remédio e mais com vícios lúdicos, como bebida, aposta e jornal de literatura. Ao mesmo tempo, não aspiramos a um universo pré-internet. Pode surpreender a alguns, mas não somos saudosistas (che serà, serà).

Assim, pensamos em ferramentas que (1) facilitem nosso trabalho, pois ainda tratamos a existência digital como fardo; (2) aumentem a nossa base de leitores; (3) melhorem a comunicação com a base atual de assinantes e curiosos. Aos poucos, encontramos o nosso ritmo de forma a equilibrar constância com qualidade (ao menos a mesma qualidade destas páginas). O cansaço generalizado das redes sociais, que reinavam absolutas até pouco tempo, favorece o trabalho regular, repetitivo e pouco Pavloviano do RelevO. Também nos anima observar o nascimento de alternativas a esse sistema primal de estímulo e resposta com que nos acostumamos. O Substack – que não nos paga nada e, ao contrário, poderá receber de nós a partir do momento que estruturarmos conteúdos pagos lá – é uma delas, e reforçamos o convite para nos acompanharem por lá [jornalrelevo.substack.com].

Uma boa leitura a todos.

Nuno Rau: Poet_s vagam atônit_s pelos vãos de um século incendiário (ou: o mundo é um holograma ou essa parada do real é concreta mesmo?)

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O Acaso é um deus estranho, e sua maior diversão parece ser pregar peças nas pessoas distraídas e desavisadas, às vezes empurrando grandes feitos da História, em outras se satisfazendo com o milimétrico tropeção existencial. O que posso dizer é que foi uma surpresa abrir o RelevO de abril e ver, algumas páginas adentro — meus ímpetos retrô dão saltos mortais triplos de contentamento — as colunas Hi-Fi Braziliance e Enclave. A primeira nos trouxe Dolores Duran com sua “Ternura Antiga”, passeando por diversas versões dessa canção tão delicada, e a segunda estampa a imagem de um cinema, o Fox Bruin Theatre, um palácio de cinema com 670 lugares, localizado no bairro Westwood de Los Angeles, Califórnia, cenário do filme Era uma vez em Hollywood, de Quentin Tarantino… Fosse por aqui não estaria mais de pé, já que os cinemas andam sendo demolidos, as livrarias fechando, os bares tradicionais da boemia sendo transformados em points de playboys, a cidade derretendo e refundindo seus metais em direções que não podemos supor com precisão, sob o influxo do capital volátil e agora também cripto-alado.

Futuros distópicos à parte, algumas coisas postas na edição de abril me jogaram num campo de reflexão: a paixão de Tarantino por uma Hollywood que não existe mais, o poema da pesada de André Giusti (“Talking ‘bout our generation”), as angústias do poeta Felipe Mamone expostas nas cartas d_s leitor_s, a menção a Edmund Burke no conto de Luciana Merley (“Lendo jornal no Mercado Central”), e a própria imagem de um mercado central, que nos grandes centros do Brasil ocupa, em geral, edifícios do século 19, com estruturas em ferro importadas de Manchester, tudo isso junto me levou a pensar sobre a complicada relação com a tradição, o que implica, por complementaridade, na relação com o presente. Observo com agudo interesse o arco tenso da poesia brasileira há bastante tempo, e nesse percurso observei que, a partir dos anos 1980, o interesse de jovens poetas — com raras exceções — parecia, em paralelo a uma insistente ancoragem à dicção cabralina, se descolar do tecido de nossa tradição e buscar referências exógenas: Cristophe Tarkos, Sylvia Plath, William Carlos Williams estão entre _s preferid_s daquela primeira década pós-marginal, quando a maioria se regozijava em conversar com Oswald, Mário, Bandeira, Drummond, e — por que não? — o invasivo Cabral. Ou seja, parece que um corte foi desferido sobre o tecido que vinha sendo trançado desde, ao menos, Gregório de Matos Guerra.

Um ombudsman às vezes percebe que não consegue se afastar de suas obsessões, e mesmo se esforçando para não sair dos trilhos do que se vincula aos materiais do jornal a que se dedica, acaba trocando as pernas em suas ideias fixas: eis que, como confessei acima, poemas, contos, textos e matérias do periódico me jogaram na cara o precioso tema de nossa relação com a tradição, e suas não poucas contradições (que, por sua vez, se trança com a questão de março (para o que olhamos quando estamos escrevendo?) junto com a de abril (que é escrever poesia nesse começo de terceira década do século 21?). No ensaio Sobre tradição, que integra o volume Sem diretriz: Parva aesthetica, Adorno pontua que “o que parece não ter história, ser um puro começo, é antes de tudo uma vítima da história, e tão mais funesta por não ter consciência disto”, e complementa: “O escritor que resiste aos momentos de aparência da tradição, encontra-se contudo enredado nela, sobretudo por meio da linguagem”; como também: “Assim como a tradição aferrada a si mesma é ingênua, também é ingênuo aquilo que carece de tradição em absoluto, pois desconhece o que há de passado nas relações pretensamente puras com as coisas, não turvadas pela poeira do parecer.”

Para pensadores como Adorno e Lukács, a tradição é incompatível com as sociedades burguesas, está sempre em contradição com elas, empenhadas em sua necessidade de fabricar novos produtos (que na arte se caracteriza pela “crescente e incessante obrigação da recusa, segundo Adorno, pela aceleração na troca de movimentos e programas estéticos), autofagocitando tudo com sua força centrípeta. Com a aceleração do empuxo neoliberal, o descarte do passado é motor da produção do novo, cada vez mais, já que seus processos de produção e reprodução são vinculados tão somente à razão instrumental, prática, e não a uma razão integral, totalizante. Ocorre que este passado permanece como fantasma: convertido em forma vazia, sem relação com as formas sociais que lhes deram origem (e igualmente sem a pesquisa de possibilidades de novas relações dessas formas com as formas sociais), vemos o verso livre, as formas fixas, a experiência do poema concreto, a poesia visual serem empregados acriticamente.

É nesse cenário que a recusa da passada de bastão de poetas como Drummond, Murilo, Mário, Jorge de Lima, Cecília, Henriqueta, entre outr_s, repelidos em face de uma tradição exógena, soa deslocada. Alguém pode argumentar que é visível o diálogo com poetas como Ana Cristina César, Torquato Neto, Hilda Hilst, Paulo Leminski e Roberto Piva, mas desconfio que, nestes casos, a aura romântica que paira sobre a imagem de cada um, como um adensamento de matéria simbólica gerado pelo destino trágico que os irmana, se sobrepõe aos aspectos realmente significativos da obra de cada um, refletindo apenas apreensão superficial, porque sem conversar com a concepção de mundo dest_s poetas, com a História, com suas estéticas. Em lugar disso, a forma pura, o gesto esvaziado de conteúdo.

É nesse contexto, de quem apercebeu-se que o verso não morreu, e que temos que lidar com a falência das utopias (junto com elas, em direção aos mesmos ralos, foram as vanguardas), é que podemos ir conversando criticamente com vozes que vieram antes de nós: a tradição é algo que a gente ama, mas é também, e sempre, o indício de uma tragédia, muitas aliás, que nos trouxeram até aqui – nosso tempo espelha conflitos e contradições que eram ainda mais intensos no século anterior: machismo, racismo, sexismo, a exploração do trabalho, tudo enfim que representa um rol de bandeiras pra gente, agora, e cada vez mais. Não há território pacífico. Quem me conhece sabe que gosto de brincar com sonetos, por exemplo, e isso tem dois lados. Um lado é não afastar uma forma que foi criada e desenvolvida por pessoas como nós, e que tem um teor de atualidade que pode ser recuperado, desde que bem feita a abordagem, desde que não sejamos neoparnasianos, ou tentemos apenas emular a intensidade com que Drummond, Murilo e Jorge de Lima se aplicaram nessa forma, munidos das potências simbólicas de seu tempo. O outro lado é: nenhuma forma nos chega pura, as formas vêm sujas de História, e toda História humana é barbárie (cf. Benjamin).

Não pensar nisso é ser inocente, seja para negar o já feito, seja para abraçá-lo. Isso vale também, e muito, para a apropriação dos ganhos do concretismo. Os textos e manifestos do concretismo e da poesia práxis do período heroico chegam a ser ridículos pela sua fé absoluta no progresso da técnica, o que significava uma adesão a um modelo que politicamente, na prática, estava em contradição com as crenças dos poetas, porque os irmãos Campos, Décio e os demais se opuseram, tanto quanto a turma do Chamie, ao regime do golpe civil-militar de 1964. Resumindo: vivemos sobre um chão de brasas, está ardendo, e a gente se mover é difícil, há gases estupefacientes no ar nublando a visão e toldando a compreensão. Estar no presente de corpo inteiro (e é só isso que temos, todos) é sempre uma aventura complexa em qualquer época.

E para não dizer que não falei da prosa, achei muito interessante que os contos “Emprendedores”, de Cid Brasil, “Lendo jornal no Mercado Central”, de Luciana Merley, o hilário “Celsinho Kaizen”, dos editores, “Estranhos na noite”, do uruguaio Rodolfo Caravia, em tradução de Johann Heyss, bem como o ensaio “Abrace o caos,” de Otávio de Moura Brandão, todos dialogam com fragmentos de nosso mundo atomizado e fetichizado.

Fato é que gostaria de investir uns poucos cobres em ações da cerveja BuZazen, do Celsinho Kaizen (leiam o conto, não vou dar spoiler), deve arrebentar nas vendas, e quem sabe mesmo acionistas mini-mini-minoritários consigam desconto na compra… Tem que ser divertida — apesar dos aspectos distópicos — a aventura: isso é o que nos salva em meio a um século incendiário.

Pedintes

Editorial extraído da edição de maio de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Ao longo de quase 12 anos de existência & suas consequências, o RelevO fez algo além de circular mensalmente e colaborar para o desmatamento de reservas de reflorestamento: pedir.

Desde o dia da criação mental do Jornal, o que mais fazemos é pedir. Foi assim em agosto de 2010, quando conseguimos dois anunciantes para custear a impressão (quando conseguíamos imprimir 1000 jornais com R$ 200). Quinze dias depois, o Jornal começava a circular em não mais do que dez lugares do Paraná, diversos exemplares soltos no banco de passageiros do mesmo Gol 1994 que ainda hoje transporta os fardos coletados na gráfica (com custos que agora aumentam a cada três meses).

Em 2012, ambicionando a estabilidade e o fim da dependência exclusiva de anunciantes, começamos a vender assinaturas, que custavam, então, R$ 50 ao ano. Em pouco mais de dois meses de prospecções, tínhamos 100 assinantes e a esperança de que conseguiríamos mesmo imprimir um jornal de literatura com alguma regularidade. Neste período, demos alguns saltos que podemos considerar, hoje, como excessivamente arrojados para o nosso perfil de investimentos em mais de uma década.

A entrada de assinantes nos levou a tomar medidas de cunho organizacional. Precisávamos entregar os jornais e justificar a confiança daqueles que adquiriam 12 edições antes mesmo de receber a primeira. Ali, aprimoramos nossas planilhas, ampliamos nossa rede de distribuição para angariar mais leitores e chegamos a ter 25 anunciantes em 2015, com edições de 32 páginas e seis mil exemplares de tiragem.

Aí percebemos nosso teto de produção. Com fechamentos confusos e altos índices de erros de checagem, vimos que 32 páginas eram um excesso; também enxergávamos de maneira mais notória os efeitos da crise de formato, com o predomínio do digital e o fechamento de diversas marcas conhecidas da dita mídia tradicional. Tínhamos alguns sinais oscilantes: crescíamos, mas também gastávamos mais energia.

Em 2015, com o aumento de diversos custos (pois veja), como combustíveis e gráfica, começamos campanhas mais agressivas para ampliar o nosso fluxo de caixa. Não foram poucas as noites em que o editor do periódico escreveu para amigos, conhecidos, contatos e qualquer ser humano que pudesse gostar do nosso projeto editorial. “Que acha da ideia de assinar o Jornal RelevO?”. Foi em 2018 que chegamos a 1000 assinantes e pensamos: será possível ter mais assinantes? Acreditávamos que sim – e ainda acreditamos, hoje, com pouco mais de 1100 assinantes (patamar que não conseguimos ultrapassar desde 2019 e que não sofreu quedas severas com as permanentes crises econômicas).

Desde então, o cenário mudou muito. Os custos cresceram ainda mais, os hábitos de leitura mudaram — nos chamam de “experiência offline” —, tivemos uma pandemia, os índices de renovação caíram, as reclamações aumentaram. Ao mesmo tempo, solidificamos nossos processos, nos tornamos ainda mais antifrágeis e convivemos com alguma resiliência com o nosso cinismo, sem fazer clima de terra arrasada, mas também sem deixar de considerar os desafios do nosso meio de atuação.

A pandemia, sem dúvida, foi o momento em que mais pedimos, em que mais apelamos para o nosso senso de comunidade. Ao diminuir a tiragem, cessar a distribuição em pontos físicos e ter os custos aumentados em cadeia, temos cada vez mais dificuldades para abrir novos mercados e dependemos sobremaneira de nossos assinantes.

Não temos vergonha de pedir. Em nossas circulares, destinadas apenas a assinantes e colaboradores, contamos os nossos percalços e os esforços para manter em circulação o periódico que gostamos de seguir produzindo. Não são poucos os dias em que nos perguntamos se não estamos exagerando no drama. E 2022 está mesmo complicado.

Enquanto interessarmos como produto e como projeto literário, pediremos. Quando não for mais possível manter a Operação RelevO, ainda assim seremos gratos por tantos anos e anos em que os nossos pedidos viraram o pagamento de contas, a edição seguinte, a manutenção de nossa circulação. Somos mesmo muito gratos.

Uma boa leitura a todos.

Osny Tavares: Remetente

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Em sua primeira década de existência, o RelevO teve a felicidade de alcançar pessoas em diversas partes do Brasil. E essas pessoas também alcançaram o jornal, contribuindo com textos enviados de vários estados. Essa interação nos ajuda a lembrar porque muitos jornais se chamavam Correio de Algum Lugar. O bom jornal é nada mais do que uma troca de cartas coletiva.

Porém, a maioria dos missivistas que vem a nós, leitores do RelevO, é anônima, pois um mero nome e sobrenome, de fato, não dizem muito. É perfeitamente cabível que novas vozes se lançando prefiram ser discretas. Há de se concordar que um rodapé informativo sobre o autor poderia, ainda que sutilmente, influenciar a leitura ou pós-leitura do texto — principalmente no que tange a preconceitos. Puristas não deixariam de argumentar, citando o teórico no início ou no fim, que sobre um autor nada pode ser dito.

No entanto, parece uma cordialidade ainda não caduca que aquele que começa a falar se apresente. Penso que vários dos que publicam têm algum contato, ainda que inicial, com a formação acadêmica, e discorrer objetivamente sobre si em um parágrafo não será difícil.

É possível que isso já tenha sido tentado e tenha fracassado, seja porque o publicado tenha preferido declinar, sob o risco de parecer vaidoso, seja porque começou a se tornar frequente autodescrições idiotas, tais como “comedor de queijo da lua”. Nesses casos e em outros semelhantes, tal tarefa cairia para o editor, para quem a coleta e a redação de informação é sempre uma sobrecarga. 

Por fim, me parece que não há sentido para os tímidos temerem uma superexposição. Não seria o caso sequer na mais popular rede social, exceto se fizessem parte de algum tipo de absurdo. Aqui, nem assim. 

 

Da redação: 

Seguimos, aqui, as premissas da nossa aba Publique, desenvolvida no site do Jornal, em que aplicamos aos autores e às autoras publicados o critério do texto ser mais importante do que o emissor: “Não há necessidade de enviar minibiografias (ou biografias inteiras). Queremos saber o mínimo possível sobre o autor e/ou suas titulações”. Sabemos da importância do leitorado no processo de diálogo com a nossa publicação, mas não entendemos como fundamental as informações pessoais.

Morgana Rech: Screen

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2020 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um mês depois de levantar o acampamento no consultório, seguir à risca as normas de isolamento social, várias sessões on-line, RelevO e eu estamos entrando numa espécie de alta, mesmo que esse termo seja muito discutível na psicanálise.

Nosso problema não é financeiro, principalmente agora que o paciente-jornal tem até investido mais em nossa relação, me oferecendo obras maravilhosas em .jpg por e-mail, “capturando” o meu momento clínico para além dele. É maravilhoso como o narcisismo se engrandece na análise – não no sentido inflamado, que esconde um machucado terrível e maltratado por baixo –, mas esse narcisismo que, lá pelas tantas, pode ver o analista de igual para igual como pessoa, que entende o inexprimível do terapeuta, dá algo que ele precisa, mesmo sem que lhe tenha dito o que era.

Bem, nosso problema também não é falta de tempo, muito embora o RelevO esteja trabalhando dobrado para dar conta de manter as edições vivas e respirando nessa fase quarentênica, o que é muito compreensível. Tampouco podemos dizer que nosso problema é de lonjuras, porque agora estamos todos bem perto, vivendo nesse universo pandêmico simultaneamente com e sem fronteiras.

Talvez nem tenhamos um problema, na verdade. Freud mesmo dizia que existem análises termináveis e análises intermináveis. O RelevO é tão criativo e elabora tão bem seus conflitos, edição após edição, que ele quase anda mais rápido do que eu consigo compreender. Quem caminha perto assim da arte costuma se deslocar mais entre o desejo e a necessidade, inclusive o de ouvir e ser ouvido. Artistas têm mais cacife para fazer várias análises curtas ao longo da vida; estão sempre se reconhecendo em cada obra.

Freud, por exemplo, um dos artistas menos compreendidos do século passado[1], foi seu próprio analista durante muitos anos.

Remendou sua própria análise na sua própria criação e na sua própria vida, e assim criou o método que está em transformação até hoje, principalmente agora, transferidos que estamos para o screen. Vejo o RelevO pelo screen e mal posso acreditar que a pulsão de vida se infiltra tão bem num jornal de literatura, em plena pandemia mundial, e que torna sua criatividade soberana justo num momento em que quase nada circula neste mundo com tão pouco movimento.

 

[1] Digo isso com base nos meus estudos sobre a relação de Freud com a arte, mas ele nunca se denominou artista e raramente é visto assim pela comunidade científica.

Cezar Tridapalli: Muros e demolições

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2019 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO de abril está afiado. Depois de minha apresentação em janeiro e minhas críticas duras em fevereiro e março, apontadas pelos leitores – uns gostando, outros não –, creio ser o momento de pensar o jornal com uma lente diversa. O jornal não me comprou, até porque, sabemos bem, dinheiro não é o forte da publicação e o choro a esse respeito tem cadeira cativa a cada número.

O que me move hoje é pensar um tema que – desde que recomecei a ler o jornal todos os meses, e texto a texto – tenho percebido como importante para os leitores. Das últimas edições (e eleições) de 2018 até esse abril de 2019, sempre há alguém falando sobre a postura política e ideológica do jornal, cobrando ou avalizando o modo como o RelevO se comporta.

Assumir um lado do espectro político, seja esquerda ou direita, liberal ou conservador, capitalista ou comunista, é fácil, é simples. Elegem-se temas e textos, que elegem também o público: uma das alas da relação dualista cai fora, a outra abraça a ideia. É assim que se cria mais um instrumento para o júbilo dos amigos e a fúria ou a indiferença dos inimigos. Em um país marcado por uma polaridade tão flagrante, cujo diálogo foi cortado, não entendo que pular para um dos lados do muro e ficar nele seja desejável para um jornal de literatura. Portanto, minhas críticas anteriores falavam mais era da falta de jeito de selecionar os textos e de arremessá-los nas páginas. Que um jornal de arte e literatura não deva querer ser enfeite, isso é muito bom, mas também não pode ser um aglomerado qualquer e se rotular como artístico “porque arte é isso mesmo, essa coisa muito lôka”. Ser louco e ser artista/jornalista que usa a eventual potência da loucura são coisas diferentes.

Retomo agora a primeira afirmação que fiz, lá no primeiro parágrafo: o RelevO de abril está afiado. E não é para selecionar o público, não é para dividir seus leitores entre rivais e amigos, entre aqueles que concordam e aqueles que discordam. É porque o RelevO está sim fazendo política e está sendo ideológico. Como não sê-lo? Mesmo se publicasse receitas de bolo, com o país em frangalhos vexaminosos, seria ideológico, estaria tomando o partido da indiferença e da aceitação. Mas o RelevO não faz isso quando escolhe, por exemplo, publicar uma entrevista sobre histórias em quadrinho que pretendem recontar a História (“A rainha-cadáver do mundo ibérico”), ou um relato pessoal da escritora Natalia Borges Polesso (“Eu escritora, eu lésbica”. O poema da página 11, aliás, é dela?), ou ainda quando satiriza frases-feitas, a autoajuda melosa que em meio ao abandono da educação e da cultura anda tendo, cof, cof, caráter formativo (adorei o José Viral, 17, que teve a grande sacada da vida quando leu no Facebook “Não importa o que você decida, importa o que te faz feliz”), entre tantos outros exemplos e escolhas da edição de abril. Isso é ser afiado sem conversa fiada. É ser afiado quando se consegue espetar o gume em gregos e troianos, na carne que sentir a pontada. Ou alguém aí, filiado a gregos ou troianos, se acha livre de defeitos? Deixar-se cortar pode ser sábia decisão. Deixar a lâmina aguçada do texto abrir uns talhos em nosso mundo simbólico instituído é o que nos faz mudar. Só a fissura no concreto armado das nossas convicções pode nos demover, comover, mover. Só fazemos travessia, ou seja, só saímos de onde estamos se algo nos desequilibrar e nos obrigar a buscar equilíbrio em outros portos, até uma nova travessia. O próprio ato de andar pede de nós desequilíbrio para reequilibrarmo-nos.

De tempos para cá, também percebo a menção do jornal ao caos. Só no editorial de abril, o caos apareceu três vezes. Já falei nas edições anteriores do caos-bagunça, sem a proposição de uma nova ordem, o que é lamentável. Mas há um caos necessário, que revolve a ordem instituída – com a qual, desconfio, não estamos contentes – e pode (deve?) provocar divergência e diversão (falei mais longamente sobre a di-versão na edição de março). A demolição de uma ordem social pode se dar na marra, com a organização de grupos que cheguem quebrando tudo, ou podem se dar – mais lento, mas mais consistente – com a leitura, tendo a palavra uma grande capacidade de tornar as nossas barreiras mais permeáveis, mais porosas, recombinando sua matéria ou mesmo erodindo-a.

A figura do isentão é malvista. O isentão fecha os olhos, ou talvez os abaixe para ver melhor o umbigo. Mas a ideia de estar em cima do muro sempre me foi sedutora, acho a imagem bem rica. De cima do muro pode-se olhar para os dois lados e para as linhas do horizonte, descobrir a comédia humana em ação, assistir à miséria humana em ato. Porque quem está só em um dos lados não vê o outro, vê um muro e atira pedras sem saber direito em quem acerta.

Ficar em cima do muro – entendam, é uma imagem retórica, pois sabemos que descemos dele muitas vezes – é ter ponto de vista privilegiado, mesmo que sejamos alvos fáceis de pauladas e pedradas.

Enfim, lâmina afiada e caos resumem a cadeia significante que propus para a avaliação do RelevO de abril. A lâmina revolve, busca fazer do caos uma outra ordem possível e oculta. Pode machucar, mas desperta todo o mundo que não está anestesiado. E espero que não estejamos.

Ricardo Lísias: Até logo!

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Uma ou duas colunas antes dessa, defendi a impossibilidade de um professor de literatura afirmar que um aluno estaria “lendo” um texto literário erradamente. Como disse, cada um constrói um sentido conforme muitos fatores diferentes, alguns bastante pessoais. Todo mundo, por exemplo, acaba transportando sua história de vida para a interpretação de um poema. Aceitar uma leitura, mas não outra seria, dessa forma, dizer que experiências são mais ou menos válidas. Não é possível.

Na minha opinião, pode-se corrigir apenas a redação de um aluno. Muitas vezes ele não consegue se expressar com clareza. Com algum esforço – em alguns casos com muito esforço –, o professor pode sugerir novas maneiras de escrever, sanar vícios e oferecer estruturas argumentativas mais eficazes. 

Não tenho dúvidas disso. No entanto, acabei achando meu texto incompleto. Recebi algumas mensagens com perguntas. Uma delas me deixou bastante pensativo: e se um aluno, durante uma determinada interpretação, aparecer com uma interpretação racista? O professor terá ou não legitimidade para contestá-lo?

Acredito que sim. É perfeitamente razoável a discussão sobre o uso de textos discriminatórios em sala de aula de um autor como Monteiro Lobato. Entendo os grupos que acreditam que textos dessa natureza não deveriam ser usados. Eu não os usaria em uma aula do Ensino Fundamental, por exemplo. De uma forma ou de outra, se um professor optar por levar aos estudantes um texto racista, parece claro que o assunto deve ser a priori discutido.

Mas não era disso que eu estava falando. Um aluno talvez revele sentimentos racistas ao interpretar um poema. Nesse caso, o professor pode e deve intervir, no sentido óbvio de garantir a preponderância dos direitos humanos diante de quaisquer outras questões. Aqui a construção do conhecimento se dá sempre a partir do universo prévio de cada um dos alunos. Sem dúvida, para muitos leitores desse texto já deve ter aparecido o nome de Paulo Freire.

É isso. As ideias do nosso maior intelectual não se aplicam apenas à alfabetização. Todo o processo escolar, nos seus mais diferentes graus, precisa partir do universo do próprio estudante. Dele em diante, com certeza pode haver não apenas a formação de leitores aptos a expressar seus próprios sentidos, mas para construir um mundo mais próximo do que preconiza a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Esse é meu último texto como ombudsman. Agradeço a leitura de todos. Foi divertido e instrutivo. Quanto ao ataque histérico do secretário do cardeal Ratzinger na página ao lado, acho que vou deixar passar. Segundo ele, as coisas vão começar a dar errado para mim. Aguardo ansioso esse dia. O coroinha está mal informado, mas me deixou com medo: buuuuuuuuuuuuu.