Detetive Conan Doyle

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Conhecido por criar Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle acumula fatos curiosos para mais de uma vida. (Por sinal, “Doyle” é seu único sobrenome – “Conan” é apenas um nome do meio). Além de ter se envolvido com a popularização do ski e com a crença na existência de fadas, Sir Arthur também influenciou diretamente duas absolvições criminais de seu tempo.

Em uma delas, o advogado George Edalji foi condenado à prisão por supostamente mutilar animais – cavalos, especificamente. Cartas anônimas enviadas à polícia foram atribuídas a Edalji, que, contando com o empurrãozinho de preconceito alheio em relação à sua origem indiana, não teve escapatória quando um pônei foi encontrado em más condições no vilarejo de Great Wyrley, onde morava.

Perseguido desde a infância por cartas anônimas de ódio, não tardou para que Edalji conseguisse um mandato de sete anos de prisão, isso em 1904.

Houve, no entanto, uma campanha de apoio à absolvição de Edalji, e Conan Doyle foi um de seus maiores porta-vozes. O escritor chegou a visitar a cena do crime e estudar todos os depoimentos relacionados ao caso, emulando sua criação mais famosa.

George Edalji, segundo Conan Doyle, não teria condições de maltratar animais à noite e ainda fugir da polícia, dadas as suas claras limitações visuais (um argumento não utilizado por Edalji em sua defesa, tamanha a descrença de que ele seria de fato condenado).

As cartas e as mutilações a animais continuaram mesmo com o advogado já preso, o que contribuiu para a verificação do caso. Em 1907, Edalji foi solto. Essa narrativa inspirou o romance Arthur & George, de Julian Barnes, e uma subsequente série de televisão.

Utermohlen: representação do Alzheimer

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Durante sua vida, o artista William Utermohlen (1933-2007) não foi genial. Suas telas não estão nos maiores museus do mundo e seu nome não tem grande relevância para historiadores de arte. Há uma situação singular, no entanto, que fez com que ele produzisse alguns dos trabalhos mais chocantes da arte contemporânea.

Aos 61 anos, o americano foi diagnosticado com Doença de Alzheimer, a demência mais frequente em todo o mundo. Seu sintoma mais conhecido e precoce é a perda de memória. Com o agravamento da doença, porém, o paciente pode sofrer de alucinações visuais, agressividade, perda de coordenação motora, além do constante declínio cognitivo.

Certamente, não se trata de um prospecto agradável, mas infelizmente ainda não há cura ou tratamento efetivo para conter sua evolução. Diante do diagnóstico, o artista iniciou uma série de autorretratos que viriam a ser sua janela para o mundo, um insight da sua cada vez mais distante consciência.

O primeiro quadro da nova série, de 1995, mostra o pintor sentado, segurando firme a mesa à sua frente, como se tentasse se ancorar no meio do espaço vazio que o circunda. As obras seguintes se tornam gradativamente mais abstratas e sombrias, atestando a progressão de sua condição médica e nos levando a esse ambiente misterioso, efêmero, desconfortável e perturbador que é a demência.

O último autorretrato, já em 2000, é o mais devastador. No meio do vazio paira uma cabeça – ou o que era pra ser uma cabeça – sem olhos, orelha, boca ou nariz definidos; até mesmo o olhar, algo que estava sempre presente em suas telas encontra-se perdido. Não há sentido ou contato com o mundo externo.

Pouco tempo depois de realizar sua última obra, Utermohlen foi internado em um asilo, onde morreu em 2007.