Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Não sei por quê, mas ultimamente andamos meio apocalípticos, escolhendo o que retirar das chamas. Afinal, a literatura é meio que um pensamento que salvamos do comum. Diante do tanto que estamos sentindo nesse período, e da impossibilidade de significar tudo agora, fazer este jornal demanda um apuro especialmente sofrido a respeito do que registrar e comunicar.
Pois um impresso pode ser um back-up da nossa produção incessante de informações. Aqui, estamos a salvo da superindexação e de tudo o que a acompanha. Não precisamos temer a má interpretação dos algoritmos, nem vigiar contra a turba de revoltosos à procura de um alvo.
O RelevO é um ambiente confessional.
A pandemia, por certo, afetou a tudo lá fora e aqui dentro. As etapas de produção e distribuição vêm segurando a bola no campo de ataque, e o conteúdo tem sustentado o jornal em sua fase madura, com uma miscelânea de novos e consagrados, lançamentos e registros históricos.
O Grande Fato de Nosso Tempo tem aparecido por aqui apenas ocasionalmente. Isso não é uma coisa nem boa, nem ruim. Talvez precisemos, mesmo, que o tempo possa realizar sua natural decantação primeiro. Ou então o certo é o oposto: precisamos escrever para nós mesmos, um para o outro, abrir a conversa que necessariamente precisaremos ter pelos próximos anos.
Os processos de produção literária — composição, tradução, crítica — obedecem a um ritmo que pouco mudou desde a invenção da imprensa (desde a invenção da leitura, talvez). Quando a marcha do tempo dá uma guinada súbita, é de forma muito cuidadosa que a arte irá absorver esse espírito. Parecer oportunista é desses medos que ainda não perdemos.
É possível engajar-se em correntes ainda não atadas ou aventurar-se na pretensão de cristalizar uma realidade ainda fervente? O RelevO e sua vocação experimental pode ser a rede a nos unir em nosso momento de dúvida.
Há sentido no que dizemos? Como saber sem dizê-lo? Esse é o paradoxo que sempre retorna ao escritor. Também é o deste ombudsman, que pontifica sobre o que desconhece.