Gutemberg Medeiros: Memórias de todo mundo, distopias e algo mais

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2017 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Assim como acontece a mais de quatro décadas nos EUA e na Europa, no Brasil está instaurada uma realidade corporativa no mercado editorial, onde se formam grandes grupos a fagocitar selos já existentes. Disso decorre uma consequência das mais negativas: publica-se apenas o que dá retorno em curto prazo. É o fim dos long sellers ou dos autores novos ou mesmo já com quilometragem que apostam no novo. Ou seja, dificilmente um Guimarães Rosa teria lugar nas gôndolas. 

Quem está provendo o mercado de bons títulos fora desse horizonte contábil são as pequenas editoras. Entre elas, destaca-se uma segmentada em literatura russa, Kalinka, que já trouxe em cuidadas traduções diretas de autores como Daniil Kharms e Sologub. Em seu site há também uma revista, com poemas de Anna Akhmatova vertidos pela professora do Curso de Russo da USP Aurora Bernardini.

Pois a editora vai lançar em 2018 uma obra de fundamental importância, as memórias de Nina Nikolaievna Berberova, também traduzidas por Aurora. Boris Schnaiderman considerava esta obra uma das mais importantes da chamada literatura de exílio russo. Memórias de Nina e de todo mundo que interessava na literatura russa da primeira metade do século passado.

Nascida a 1901, em São Petersburgo, emigrou da ex-URSS em 1922 com o poeta Vladislav Khodasevich e viveu em Berlim até 1924 e, depois, em Paris – os maiores bolsões de emigrados russos no mundo. Na capital francesa, atuou como jornalista em jornais russos onde publicou sua prosa e poemas, histórias curtas, poemas, crítica de filmes e resenhas sobre a nascente literatura soviética. Ainda em Paris, escreveu uma das primeiras biografias sobre Tchaikovski, em 1936, onde aborda a homossexualidade do compositor.

O grande valor de suas memórias – além da apurada e deliciosa carpintaria literária – está em falar sobre a vida dos exilados russos e sobre bastidores valiosos do mundo literário. Em suas páginas, encontramos Anna Akhmatova, Vladimir Nabokov, Boris Pasternak, Marina Tsvetaeva, Vladimir Maiakovski, Ievgueni Zamiatin, entre tantos outros. 

A autora emigrou aos EUA em 1950 onde se tornou destacada professora em universidades como Yale e Princeton. Justamente em Princeton, o escritor argentino a conheceu pessoalmente e ficou tão impressionado com ela a ponto de basear um personagem na prosa “O caminho de Ida”, uma das últimas do escritor argentino. Certamente, o livro das memórias de Berberova deve ser um dos mais importantes lançamentos de 2018, forte concorrente aos principais prêmios editoriais, como o Jabuti. 

 

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Outro lançamento que deve chegar até o fim do ano pela Editora 34 é a primeira tradução competente e direta do russo publicada no Brasil do clássico Nós, de Zamiatin, vertido por Francisco Araújo. Outra direta foi publicada recentemente, mas infelizmente não deu conta da complexidade da obra. O texto original exige a noção de Transcriação pensada por Haroldo de Campos e não apenas tradução, priorizando mais os sentidos e a musicalidade interna do texto do que propriamente versão literal.

Muitos viram Nós como exemplo de ficção científica, um equívoco. É, acima de tudo, uma grande reflexão sobre a condição humana na modernidade, independente do regime político em que o sujeito está inserido. Assim, representa o pensamento distópico, avesso ao da utopia, em torno do controle opressivo da sociedade sobre o indivíduo. A sua importância pode ser medida por ter inspirado outros clássicos contemporâneos a exemplo de 1984 de George Orwell, Admirável mundo novo de Aldous Huxley e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury. Leitura indispensável, especialmente para os tempos que correm. Aviso ao leitor: fique de olho nas próximas versões do russo de Francisco Araújo – certamente um dos mais capacitados da nova geração de tradutores que emergiu nos últimos dez anos no Brasil.

 

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Impressionam manifestações nas redes sociais contra Lima Barreto ser tema da FLIP de 2017 por ser este um evento de mercado e completamente avesso à obra do escritor. Equívoco. Há anos não se fala tanto de Lima na imprensa, em blogs e em outras mídias. Tudo bem, fala-se muita besteira. Mas essa exposição, de uma forma ou de outra, vai trazer leitores a esse escritor tão importante. O que já compensa. Afinal, Lima escreveu para ser lido e as reedições de suas obras são fundamentais para isso – autor bom é autor na gôndola das livrarias analógicas ou virtuais. O resto é especulação vazia.

 

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Outra coisa que me impressionou foi a edição, certamente, não proposital do último RelevO em que foi publicado um texto sobre encontro com Mia Couto e a minha coluna alusiva às besteiras que assolam o país.

 

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Também na edição anterior do periódico a feliz escolha das traduções dos poemas de Nizar Oabbani, Nazik Al-Malaika e Ezequiel Zaidenwerg. Deste, fica no ar de que revolução o poeta fala. No mesmo exemplar, é bom saber que ensaísmo dos bons continua sendo feito, como o trecho de prefácio de Guardião de Datas. No texto, Ben-Hur Demeneck consegue exercer a difícil arte da síntese sem reducionismo. Não à toa, este cronista dá o valor devido à poesia “encalacrada no cotidiano” sob a égide do tempo. Agora é esperar mais da produção deste remador digno de ser personagem de Nelson Rodrigues.

Silvio Demétrio: No mínimo

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2016 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Aqui mais uma vez eu e você estamos. Você aí do lado de fora da página e eu daqui dentro desse silêncio. Apenas uma voz que se deixa imaginar pelos seus olhos. Algo que nunca será superado é a sensação de se abrir um livro ou jornal impresso como quem descortina uma cena. A página é um palco imaterial. Uma tela. O silêncio. A iminência. Um véu que se levanta para ver mais além. Vidência e sinestesia. Mundos que se pode tocar com o avesso das pálpebras. Eu e você já estamos lá, exatamente agora. Esse lugar sagrado que existe no intervalo entre o que poderia ser e o talvez. Aquilo que se cogita. Aquilo que se agita e insiste por entre as palavras. Não dá para misturar isso com essa mesquinhez que se chama realidade. A miséria da vida como mero fato finito. Aquilo que se deixa caber numa planilha de ganhos e despesas. A arte é aquilo que a vida pode ser para além dela mesma. A grandeza da vida. O que faz valer a pena cada fôlego que se respira. É só para os raros. Afinal de contas, nem todos vivem. Essa é a história. O sentido. Ele não existe porque deve ser produzido. Ser a mais. Devir.

É que tudo passa a ser. Tudo se move. Tudo se passa ao ser. Uma página é uma potência. E para trabalhar com algo assim se exige muita sensibilidade. Porque qualquer movimento brusco ou indelicado pode por tudo a perder. É necessário despir-se de qualquer avareza. A arte é da mesma natureza da generosidade. É por isso que não existe “Eu”. “Eu é um outro”, como no verso de Rimbaud. Não pode existir “Eu”. Senão tudo dança.

Encrusta-se alguma prosódia clandestina assim quando se tem de falar na transversal sobre uma das muitas pedras que se espalham pelos caminhos de alguém que leva no heroísmo uma publicação como o RelevO. Vejam só: até agosto fica bonito quando se deixa a arte ser o que ela é. A edição desse mês está pura dinamite. É lindo ver isso acontecendo. Quem não se sente muito pequeno dividindo uma mesma encadernação com talentos como Luci Collin? A diagramação está atenta para o que a poesia sempre nos ensinou graficamente. Os espaços em branco são tão importantes quanto. Isso é respeito pelo leitor. Pelos olhos que tornam essas virtualidades e potências das páginas num mundo de vozes que constroem algum sentido de toda essa algazarra (como são lindas as palavras que nos legaram os mouros).

Em tempos de uma imprensa lamentável que transformam rifles de paintball em fuzis terroristas com um golpe de recorte é que se vê o quanto é crucial aprender com a poesia a se respeitar o todo — e isso inclui do leitor ao referente. Nunca se precisou tanto de poesia e arte. Por destino e sorte nosso RelevO ganha uma abrangência maior, passando a circular em mais cidades. Um verbo precioso: transbordar. Ir para além dos limites. Exceder as fronteiras. Desterritorializar-se. Mais além, mais além.

Quem não saca isso não percebe o quanto é minúsculo o toma-lá-dá-cá que se propõe insidiosamente à redação quase que diariamente. Algo como “eu te mando um texto e você me dá uma assinatura”. Literatura, poesia e arte sempre nasceram de gestos heroicos. A equipe que produz o periódico passa por grandes pauleiras em absoluto silêncio. É porque isso não interessa nem aos leitores e muito menos à própria equipe. Problemas são coisas que se desconstroem. E se deixa lá. No vácuo escuro. Porque o que interessa é “ocupar espaço e poetar conforme o caso”, como poderíamos entortar algo que o Torquato Neto deve ter escrito em algum momento. Assinaturas do jornal são de responsabilidade da administração. Não existe qualquer poesia e arte nesse campo. Administradores apenas administram, quase sem nenhuma poesia. E é por isso que existem as páginas pagas. Mesmo assim, todos os valores do RelevO são módicos (daí a resistência da poesia até nesse detalhe de ordem administrativa). Desconheço outra publicação que consiga imprimir tanta personalidade aos anúncios. Todos são criações de artistas gráficos que fazem tudo no mesmo espírito de toda a equipe e colaboradores: pelo prazer que rima com a generosidade de ver acontecer.

Aqui tudo é símbolo. O domínio do arbitrário como exercício libertário. Deixe acontecer que tudo rola. “Deixe sangrar” como Gal Costa em “A Todo Vapor”, disco emblemático produzido pelo saudoso Waly Salomão, de quem sempre me lembro do aviso: “Cave Canen”, “cuidado com o cão”. Beware of Darkness. Ele me dizia dos perigos dessa fogueira das veleidades chamada mundinho literário. Baudelaire atualizado para uma realidade pequenomesquinha: quando um homem visita outro que está enfermo é só para certificar-se da superioridade de sua própria saúde. Bicho, não vá perder-se por aí. O perigo é você engrossar o coro dos contentes que agora batem panelas e agridem atrizes pelas esquinas do lado de fora do teatro.

Abaixo o lamentável, o postiço. O ilegítimo. Chega de picaretagem. Chega de tristeza. “Gente é feita para brilhar”. Sucesso é coisa careta. O barato é o sentido. Como o sapo de Bashô que pulou no tanque. Uma pedra que rompe a superfície e a transforma por reverberar em movimento o som que já não é mais do que a memória do próprio salto. Fiquemos à espreita de algo. Esse é o método. A atenção. Dos ouvidos aos olhos. O tato. Aspire. Do ar queira. Cogite. Mas também desobedeça.

Enquanto eles dormem nós sonhamos. Em honra e homenagem ao que podemos ser: não acorde. O que significa que é para não dormir no ponto. Quem cobra favor é porque antes de tudo suborna a si mesmo. Vamos ser de verdade. Para além dessa vontade minúscula e enferma de encher o próprio bucho com a carniça dos desejos mortos de alguém. Abutragem. Urubulice. Neologismos-traquitanas disfarçados de palavras-valises.

Que esse agosto seja leve e lindo e que dessa viagem o RelevO da paisagem, uma promessa de aventura e fé no sentido. Cresceremos na mesma medida que nos tornarmos menores. Como Alice. Beba-me. Leia-me. Decifra-me ou te devoro. Assim como fiz com Silvio Demétrio nesse texto. Para você que me leu até aqui o universo e tudo o mais. O máximo.

Carla Dias: Até daqui a pouco!

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Sou péssima em despedidas. Quase sempre saio do tom, digo bobagens, fico com a sensação de que a melhor coisa a se fazer é sair correndo. Despedir-se de pessoas pelas quais tenho apreço é complicado e me dá taquicardia. Porém, despedidas fazem parte da vida, e, às vezes, temos de nos despedir também dos nossos sonhos – que não há como serem realizados do jeito que os sonhamos, das oportunidades pelas quais aguardávamos ansiosamente, mas não chegaram. Da casa onde crescemos e dos empregos aos quais não temos mais o que oferecer, e por aí vai.

Quando não tem a ver com pessoas, despedir- se é antessala do desapego. Dizem que desapego é necessidade vigente. Sou péssima em desapego. Sempre saio de cena dizendo “até daqui a pouco!”. 

Este é meu último texto como ombudsman do RelevO. Sei que desempenhei esse papel de um jeito diferente, mas não houve como evitar. Como não comentar sobre tantos escritores talentosos? E os ilustradores? E a dedicação das pessoas envolvidas em colocar o jornal para circular?

O RelevO nasceu ideia e desejo de uma pessoa e se tornou projeto e benquerença de muitas outras. Quando isso acontece, o valor do feito é inquestionável. O sonho de um se torna o de muitos. Foi essa a importância que descobri no jornal.

Quem me conhece sabe que não escrevo sobre o que não me agrada, ao menos quando se trata de gosto, de afinidade. Escrever para o RelevO foi das tarefas mais agradáveis. Há pluralidade nesse jornal, um comprometimento com a publicação de obras de autores que trazem frescor ao cenário literário. Esse tipo de pluralidade é o que garante, em qualquer área das nossas vidas, a capacidade de compreendermos que não somos donos da verdade. Compreendendo isso, evitamos as mancadas da intolerância e criamos cenários para o cultivo do bem-estar geral.

A edição de julho contou com ótimas participações. Com “buraco”, Noemi Jaffe e me fez refletir sobre a urgência gerada pelo medo, que nem sempre é inspirado por fatos, mas pelo ensimesmamento. “acode, mãe. o que foi, filha? é o sumiço, mãe, esse buraco, essas coisas que eu não tinha também, o que eu perdi, o que eu ainda não tive…”. Inquietou-me um tanto esse texto. 

Quem se divertiu com a “Libertadores Literária”? A Final me deixou tensa…

“Cenas Urbanas” sempre é leitura bem-vinda. Daniel Zanella é hábil ao nos transportar à cena que descreve e sobre a qual reflete. Não fosse assim, eu jamais conseguiria imaginar a conexão entre a série Californication, cerveja e funkeiros dos carros. “Quase Cinco” é mais um texto bacana, com reflexão de sacada. Adoro reflexões. Adoro sacadas.

Muito me agradou o “Museu Kodacolor dos Filmes Não Usados”, de André Knewitz. “Também converso com plantas, e enfiei o smartphone no vaso, a samambaia responde via twitter.” Gostei do ritmo do texto, da ideia de um personagem assistindo a um provável suicídio, enquanto elabora o seu próprio, “Não agora, mas depois.”, assim como a mania dele de chamar pessoas por outros nomes: “… nomes de coisas banais. Tem o Pipoca, o Incenso e a Parafuseta.”

Rômulo Candal, que participou da edição pelo Obscenidade Digital, me ganhou com o seu “De Que Adiantam Sonhos Bons?”, onde fala de um homem que ficou muito doente e que tem como sintoma derradeiro a vontade de morrer. Durante a espera, ele escreve poesia ruim e prefere os pesadelos, já que os sonhos bons não o libertam da letargia de homem doente à espera da morte. “Os sonhos tecnicamente agradáveis, aqueles em que Jorge voa, em que joga bola, ou aqueles em que transa e acorda saciado, quando se vão, jogam Jorge de volta à vida de esgoto em que vive. Os sonhos bons não têm dó daqueles que sofrem acordados”. Não, eles não têm.

Ademir Demarchi escreveu sobre o poeta Ademir Assunção, em “Cinerário”. “Poesia Escrita Com Sangue” trata da importância do poeta, destaque entre os poetas contemporâneos. Não conhecia o poema de Assunção que Demarchi destacou, “Homem só”, que foi musicado pelo talentoso Luiz Waak. Procurei e achei o belíssimo disco “Rebelião Na Zona Fantasma”, também comentado no texto. Somente um talentoso poeta para lançar um belo disco declamando poemas com trilha sonora.

Traduzido por Jussara Salazar, o trecho do livro “O Diário de Frida Kahlo”, que fecha a edição, é pintura em palavras: “Tudo tu no espaço pleno de sons – na sombra e na luz. Tu te chamarás AUTOCROMO o que capta a cor. Eu CROMÓFORO – a que dá a cor. Tu és todas as combinações dos números, a vida.”

As ilustrações de Dê Almeida e o Estúdio Vermelho Panda completaram a viagem pela edição de julho. Em uma pré-despedida, Whisner Fraga – quem me convidou para substituí-lo como ombudsman – ocupou o Expediente da mencionada edição. Acho que o pessoal do RelevO está com saudade dele. Eu também estou.

Despeço-me da função, mas não do jornal. Continuarei leitora e apreciadora do trabalho feito por aqui. Que este espaço continue disponível para a literatura e para os leitores. E que inspire projetos semelhantes.

Whisner Fraga: Qual é o meu papel?

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Você, leitor, em uma pesquisa básica, poderá constatar que o papel principal de um ombudsman é justamente defender seus direitos. Pensando em um jornal literário, há que se reinterpretar essa função. Qual seria meu papel? Como escrever um texto com a intenção de assegurar a você, leitor, uma publicação de qualidade? Sim, porque não existe lógica ao se falar de isenção, de imparcialidade, quando o suporte é a ficção e a poesia. É evidente que até os critérios de qualidade acabam se tornando frágeis se tratamos de obras de arte.

Ao mesmo tempo, não podia descambar para a minha zona de sossego, que é a crítica. Não é objetivo deste ombudsman confeccionar qualquer tipo de estudo sobre a qualidade literária ou os méritos do que é publicado neste jornal. Todavia, não há como fugir inteiramente ao tema. Então, a pergunta mais óbvia é: como os textos publicados são selecionados? A julgar pelo expediente, há um pequeno conselho editorial, formado por alguns idealistas, que acreditam que nosso país necessita de cultura. Não é pouco. Entretanto, penso que, com quatro anos de existência, está na hora do segundo salto.

Assim, é urgente que se pense em um conselho editorial mais amplo e heterogêneo, para que o jornal cumpra outro papel importante: o de descobrir novos talentos. Há uma temerária alternância no padrão dos textos publicados, o que não é bom para o leitor. É necessário que se proponha alguma saída para tal desafio. Que tal pedir aos assinantes que ajudem na seleção? Imagino que um concurso literário ajude não só com o aprimoramento das crônicas, contos, poesias e outras narrativas publicadas, como também com a publicidade. O RelevO precisa chegar até mais pessoas interessadas em literatura.

A partir do inevitável destino de crescer, é necessário pensar o verdadeiro objetivo da publicação. A meu ver está claro que o periódico quer investir em ficção e em poesia. Ao se dedicar à literatura, dá mais espaço a revelações, o que é fantástico. Os medalhões que vira e mexe aparecem nas páginas servem de atrativo ao leitor. Ótimo. A ressalva fica por conta da arte visual. Neste sentido, está servindo apenas de moldura para a palavra, o que talvez precise ser mudado.

Vinha trabalhando nesta estreia quando descobri que me faltavam dados: o que o leitor deste jornal pensa? O que o RelevO publica, de fato? Ataquei inicialmente a segunda questão, tratando de ler todas as páginas do periódico, publicadas desde outubro do ano passado. Assim fiz. A primeira pergunta enviei ao editor, que me respondeu prontamente com algumas indicações. Posso, portanto, continuar a dissertar sobre as necessidades dos leitores.

Sobre as minhas leituras, posso defender que a diagramação tem avançado. As páginas limpas nos permitem uma leitura sem traumas. Sugiro, entretanto, que se aumente o número de artistas visuais e que, como já foi escrito, se repense o papel deles no periódico. Às vezes se torna um pouco cansativo encontrar o mesmo traço, página após página. A fotografia, por exemplo, é pouco explorada pelo jornal. Nem preciso dizer que há muita gente de talento por aí e não é difícil encontrá-las. Mesmo quando um poeta engasga com os versos ou um contista tropeça em lugares-comuns, é possível encontrar alguma arte em aquarelas, em desenhos. Fica a recomendação.

Outro ponto positivo é a prestação de contas apresentada logo no início, em todos os números. Neste sentido, também é necessário construir o segundo passo. O jornal precisa crescer e, para tanto, deve buscar mais assinantes, mais patrocinadores. É muito interessante perceber que existem algumas propagandas de livros no periódico, acho mesmo que os autores deveriam abusar desse expediente. Assim, seria igualmente importante o apoio de editoras – as independentes, principalmente, que vêm ganhando espaço no Brasil, pela qualidade de suas publicações.

Espero poder começar um debate sobre o papel de um ombudsman em um jornal independente. Assim, gostaria de estar mais próximo do leitor, para construirmos alternativas para que o RelevO avance e ganhe cada vez mais importância no cenário da cultura brasileira, tão carente de publicações. Peço aos colaboradores, editores e leitores, que me enviem mensagens, para que comecemos a discussão a respeito deste jornal. Deixo meu e-mail: wf@whisnerfraga.com.br. Muito obrigado aos editores, pelo convite. E, querido leitor, espero que eu não o decepcione nestes meses em que estarei desempenhando esse trabalho de ouvidor-geral.

 

Nota do editor:

A partir de setembro estrearemos um novo projeto gráfico com o intuito de aprofundar as relações entre palavra e imagem. De fato, está mais do que na hora de transparecer os critérios de seleção de textos e envolver leitores e nossos assinantes no processo. A próxima reunião do conselho editorial tratará de como colocar isso em prática, assim como as demais sugestões, imprescindíveis para o futuro e crescimento do periódico.