Contrapposto

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No século 15, com o desenvolvimento da Renascença, uma das maiores influências da antiguidade nas artes visuais foi o retorno do Naturalismo nas representações humanas. Nas estéticas prévias – o romanesco e o gótico – não havia a preocupação de criar espaço habitável e personagens realistas. A temática, afinal, era muito mais centrada num mundo celestial, não subordinado às leis da física.

Tomemos como exemplo a escultura arcaica grega. Nota-se a rigidez de sua pose. Os joelhos estão travados e os membros, paralelos. Não é uma posição que alguém conseguiria manter por muito tempo sem se sentir desconfortável. No gótico, por sua vez, tão pouca importância é dada a esse tratamento do corpo que normalmente a figura aparece completamente vestida, com poucas pistas dadas sobre o que está debaixo dos panos.

Vamos agora ao David de Donatello, de 1400-e-algo, estátua que abre este texto. Trata-se do primeiro freestanding – não suportado por outra escultura – nu esculpido desde a antiguidade. O garoto está claramente confortável: de fato, parece que ele está posando para o artista. Além da maior precisão na execução dos músculos e da expressão facial, o elemento que mais contribui com a naturalidade da obra é sua posição em contrapposto.

Contrapposto, pois, é o ato de apoiar o peso do corpo em uma só perna, enquanto a outra descansa com o joelho levemente inclinado. Isso cria um desvio nos eixos do quadril e dos ombros, dando ao mesmo tempo estabilidade e liberdade de movimento à figura. É a pose que tomamos inconscientemente ao ficarmos parados em pé. Esse recurso era amplamente utilizado na escultura greco-romana, e por isso foi um dos símbolos da retomada da tradição antiga pelos renascentistas.

Convidamos o leitor a prestar atenção: o contrapposto está em todo lugar. Vênus de Milo? Sim. David de Michelangelo? Também. Apollo Belvedere? Claro. Catálogo de moda genérico? Sim. Foto em grupo de formatura? Provavelmente.

Pátio Belvedere

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Pátio Belvedere, nos museus do Vaticano, abriga algumas das esculturas mais importantes da história da arte ocidental. O Torso Belvedere, o Apollo Belvedere e o grupo Laocoon são exemplos notáveis de obras da antiguidade que foras redescobertas durante a renascença, momento no qual os artistas estavam especialmente dispostos a beber da fonte greco-romana.

Comecemos pelo espetacular Laocoon: esse grupo mostra um pai e seus dois filhos sendo atacados por serpentes enviadas pelos deuses, em cena derivada de um episódio da Guerra de Troia. Redescoberta em 1506, a obra teve grande impacto na arte da época pelo seu dinamismo e tratamento intenso e dramático dos rostos do personagens em sofrimento, além da rendição perfeita da anatomia humana.

Michelangelo foi um dos primeiros a fazer referência à escultura em seu trabalho: os escravos talhados para a tumba do papa Júlio II, a figura do crucificado Hamã e vários ignudi na Capela Sistina, são alguns exemplos. Laocoon também aparece na obra de Rafael, como o cego Homero no afresco Parnaso, nessa caricatura feita por Ticiano, nessa tela de El Greco, enfim, em muitos lugares.

Várias cópias do grupo foram encomendadas desde o século 16 e hoje figuram em sítios como os museus Uffizi, em Florença, e o Louvre, em Paris; no jardim de Versalhes e na ilha de Rodes, para citar alguns.

O Torso Belvedere é um fragmento de nu masculino que impressiona pela robustez. A figura representava Ajax – ou Héracles. Ou Hércules, Polifemo ou Marsias, ninguém sabe ao certo – sentado sobre um couro de animal ponderando sobre seu suicídio (ok, essa é apenas uma de tantas teorias).

A posição das pernas e os grandes traços musculosos foram grandes inspirações para – adivinha – Michelangelo, que deles se utilizou para montar boa parte das figuras do teto da Capela Sistina, incluindo São Bartolomeu, Jesus e os ignudi que emolduram as cenas principais. Pigalle, representante do Rococó francês, cita o torso em seu Mercurio.

Finalmente chegamos ao Apollo Belvedere, ou o Apollo Arqueiro. Com seus traços doces, contrapposto sutil e postura heroica, esse rapaz foi considerado a epítome da beleza ideal segundo os neoclacissistas. É interessante notar as diferenças entre ele e os dois outros exemplos acima citados.

Apollo faz parte da escultura antiga clássica: mais sóbria, estática e “magra”, enquanto os outros dois são esculturas helenísticas, algo como um barroco antigo, que valoriza o movimento e a instensidade dramática dos seus temas.

Desde a sua redescoberta, no final do século 15, foram muitos os que se inspiraram no Apollo: Albrecht Dürer o usou como modelo para seu Adão, Antonio Canova fez de seu Perseu e de seu Napoleão como Marte homenagens diretas à pose do arqueiro, e até a NASA prestou seu tributo, incluindo a estátua na insígnia da missão lunar Apollo 17.