Varg Vikernes

Extraído da edição 42 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Eis um conjunto de histórias bastante conhecido entre os fãs de black metal norueguês – eles são vários, aliás. Poucas bandas, afinal, incluem em sua linha do tempo [SPOILER] não só um suicídio de reações mórbidas, mas também um assassinato entre integrantes. Falemos, então, do Mayhem, cujas lendas tomaremos todas como verdade absoluta nesta pequena introdução.

Entre as décadas 1980 e 1990, o líder do grupo era o sueco Per Ohlin, mais conhecido como Dead, cuja infância havia sido marcada pelos minutos em que esteve clinicamente morto graças a uma ruptura do baço. Para entrar no Mayhem, Dead enviou à banda uma fita acompanhada por uma carta e um rato crucificado. Ele usava camisetas com anúncios de funeral, raramente se alimentava e visava, nos shows, a parecer o mais próximo possível com um cadáver.

O vocalista não só enterrava as roupas antes de usá-las, como chegou a pedir para ser enterrado antes de uma apresentação. Dead guardava um corvo morto consigo, além de pássaros igualmente sem vida embaixo de sua cama. Cortar-se no palco restava como mera extensão, e arremessar cabeças de porco no público servia para afastar os fãs que lá estavam de pagação.

Em 1991, três dos quatro integrantes do Mayhem dividiam a moradia de uma casa na qual costumavam ensaiar. Conta-se que Euronymous, guitarrista – guarde este nome –, atiçava as ideias suicidas de Dead, bem como as corriqueiras automutilações. Em dado momento, Dead cortou os próprios pulsos e deu um tiro de shotgun na própria face. Dead deixou um recado em que pedia desculpas por dar um tiro dentro do lar – “perdoem o sangue” era a primeira frase.

As consequências realmente perturbadoras estão apenas começando: antes de comunicar a polícia, Euronymous rearranjou alguns elementos daquele cenário e o fotografou com uma câmera descartável. Também utilizou partes do cérebro de Dead em um ensopado – com o crânio, fez colares, os quais foram entregues a outros músicos como presente.

As reações do guitarrista se tornaram grotescas até para o padrão da banda: Necrobutcher, o baixista, afirmou que foi informado do suicídio de Dead com uma ligação de Euronymous, que se limitou a narrar que “Dead fez algo muito legal! Ele se matou. Relaxa, eu tenho fotos de tudo”. Necrobutcher deixou o grupo. Anos depois, uma das fotografias do suicídio foi utilizada como capa de um álbum bootleg, não lançado oficialmente pelo próprio Mayhem. Não direcionaremos à imagem: se você fizer questão, procure no lamaçal da internet.

Com apenas guitarrista e baterista remanescentes, Euronymous fundou uma loja de discos e gravadora em Oslo, na qual costumava se reunir com outros nomes da cena, dentre os quais Varg Vikernes, do Burzum, o qual viria a se notabilizar pelas acusações de queimar igrejas. Apesar de não ter sido oficialmente culpado, uma onda de incêndios a igrejas norueguesas no início dos anos 1990 foi atribuída a ele. Foram mais de 50 depredações até 1996 por parte de um grupo que não ia muito com a cara do cristianismo. Uma das igrejas queimadas chegou a ser capa do EP Aske (cinzas), do Burzum.

A relação entre Euronymous e Vikernes se fortaleceu, este último surgindo como um pupilo na vida do primeiro. Vikernes foi convidado para participar de um reformulado Mayhem, enquanto Euronymous colaborava com as gravações do Burzum. Aparentemente, ambos competiam para ver quem era o mais cabuloso.

Em 1993, Vikernes conseguiu exponenciar a atenção dada ao black metal: ao conseguir uma entrevista com o jornal BT, ele assumiu responsabilidade pelas igrejas queimadas, bem como anunciou que, enquanto adorador do diabo, o mau estava apenas começando. A entrevista ocupou a primeira página do periódico em 20 de janeiro. O músico, que manteve o intuito de meramente tocar terror, foi preso logo em seguida. “[A prisão] é completamente ridícula. Eu pedi para a polícia me jogar em um calabouço de verdade e também os encorajei a usar violência”. Por falta de evidência, foi solto ainda em março.

Essa não seria a única passagem de Varg Vikernes pela prisão, o que nos leva ao desfecho dessas narrativas ramificadas. Após a repercussão da entrevista, Euronymous fechou sua loja de discos. Enquanto isso, cresciam as tensões entre a dupla, a ponto de, em agosto, Vikernes visitar Euronymous e, bom, assassiná-lo com 23 facadas (duas no rosto, cinco no pescoço e 16 nas costas). Nesta entrevista, ele se justifica. O documentário Until the Light Takes us (2008), aliás, acompanha todo esse período de exposição do black metal norueguês.

Ao todo, foram 15 anos de encarceramento, entre 1994 a 2009. Com seu projeto Burzum, Vikernes lançou dois discos na prisão, Dauði Baldrs (1997) e Hliðskjálf (1999). Apenas sintetizadores foram utilizados: ele não tinha acesso a guitarras, baixos ou baterias. Varg Vikernes ainda compõe músicas e tece comentários políticos. Ele vive com esposa e filhos em uma fazenda e, tecnicamente, pode ser considerado um youtuber.

Narcocorridos

Extraído da edição 39 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

O envolvimento da música com a criminalidade não é de maneira alguma uma novidade, muito menos uma surpresa. Movimentos como o hip-hop (difundido dos EUA a todos os cantos do mundo) e o funk proibidão das favelas cariocas são exemplos desta ligação, e nomes como 50 Cent, Snoop Dogg e dos conterrâneos Mc Cidinho e Doca são facilmente relembrados quando o tema entra em questão. No entanto, dentre os diversos gêneros que abraçam o crime e a violência como matéria-prima para sua arte, os narcocorridos, apesar de pouco populares no Brasil, têm uma relação estranha com um dos mais famosos gêneros literários – e uma cronologia pra lá de curiosa.

Originado do tradicional norteño-corrido, o qual por muito tempo se apropriou da temática da revolução mexicana para homenagear heróis revolucionários e que, por sua vez, foi inspirado pelo romance espanhol (vide Dom Quixote, herói um tanto peculiar), os narcocorridos também buscam mimosear “heróis” muito subversivos: os narcotraficantes. Tendo como casa o México, o gênero musical se espalhou por toda a América, e por isso nomes como o do colombiano Pablo Escobar (ouça El Patrón) ou do maior narco da atualidade, Chapo Guzmán (veja esta lista), são frequentes nas líricas proibidas dos narcocorridos, que sempre se utilizam de acontecimentos reais para dar corpo às suas letras.

Acontece que nem só de ídolos e figurões do submundo vivem os corridos. O documentário Narco Cultura mostra como traficantes “menores” buscam cantores do gênero para encomendar canções que falem de si mesmos e de suas pequenas vitórias – nada mais justo do que um gênero musical criminal se vender por mucha plata. Os narcocorridos são apenas um aspecto da abrangente cultura narcotraficante, que há muito tempo já se vê como uma forma e aspiração de vida para muitos – e é contextualizado um pouquinho melhor aqui.

 

[por Mateus Senna]