Ricardo Lísias: Incômodo

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2017 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Acabei em uma posição incômoda. Eu deveria, para cumprir com certa razoabilidade minha função de ombudsman, apontar o que me parecera ruim na edição anterior, de setembro, do jornal. Só que me diverti bastante com a leitura do RelevO de agosto. A página central, com um conto formado por trocas de emails entre o editor e alguns leitores, acabou me gerando umas boas risadas. E realmente valorizo coisas engraçadas, até porque vivemos em uma realidade cada vez mais indigesta, o que torna o humor raro e também difícil de fazer.

O projeto gráfico parece também ter sofrido uma alteração, tornando-se um pouco mais leve, o que é um ganho. E o jornal continua superavitário, o que também nos tranquiliza bastante. 

Quanto ao conto citado, achei que faltou apenas algo a mais no trecho da personagem Gabriella Feden. Não ficou claro se Daniel Zanella a estava paquerando. A resposta, enfim, parece ter sido promissora em caso positivo. Mas acho que, ainda que as coisas tenham se encaminhado para certa intimidade entre os dois, faltou para o leitor ao menos algum tipo de esclarecimento. 

Do mesmo jeito, não entendi muito bem por que o primeiro interlocutor, o mais divertido de todos, não recebeu um nome, mas sim a alcunha de Amargo. Evidentemente, ele está mesmo bastante amargurado, mas como os outros não ganharam apelido, parece que ele é o que mais irritou o narrador. Pelo tom das mensagens, porém, a personagem Daniel Zanella se irrita mesmo é com Ulisses Louzeiro, chegando inclusive a agredi-lo verbalmente.

Não são defeitos, porém, que comprometam o conto. A parte da Suzana César, por exemplo, está muito bem feita. Sinto falta, no contexto contemporâneo, de textos de ficção que sejam formados por essas novas maneiras de interação como o email, as redes sociais e outras. O fato ainda da personagem Zanella insistir, no ambiente virtual do conto, que está lidando com um jornal impresso acaba causando uma fricção também curiosa.

Eu tomaria ainda um pouco de cuidado com o título. Ao afirmar que está criando um diálogo com o meio literário, parece que apenas um dos interlocutores faz parte desse ambiente, quando obviamente não é assim. Aqui, também sublinho que é muito difícil ver os veículos assumindo-se como personagens de uma trama e enfim se colocando não como centro ou suporte de uma narrativa, mas parte dela.

Acredito, inclusive, que o autor deveria ampliar o conto, pensando mesmo em um romance. Mas aí não sei se estou reivindicando algo para me satisfazer: apenas sublinho que é esse o tipo de ficção que me parece a mais relevante hoje.

Silvio Demétrio: “E”

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2016 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


É uma grande cilada. A ideia de concorrência que, na dimensão do senso comum, quase sempre fica restrita a um sentido de competição, de disputa. Essa é a superfície do termo que vigora pela repetição em uma quantidade considerável de momentos do cotidiano. É como quando pensamos políticos concorrendo a um cargo. Uma eleição é uma concorrência.

Da mesma forma, concorrem empresas no mercado. Espécies na natureza. Ideologias pelo poder. Concorremos na medida exata daquilo que coloca o outro como contradição. Como contrário. E como tal deve ser sobrepujado. Parafraseando Klausewitz sobre a guerra, é possível dizer que o mercado é a luta pela sobrevivência na natureza continuada por outros meios. Uma condição do “todos contra todos”.

Quanta pobreza.

Não há sentido algum em pensar nada relativo à arte e à cultura desse ponto de vista. Ainda mais quando o objeto e uma publicação ou outra. Não há competição. Não há disputa. Coisas como “Guimarães Rosa X Machado de Assis”. Houve um momento assim do jornalismo cultural brasileiro. Não há “melhor”. Não há “vencedor”. Tudo isso é uma tremenda de uma falsa questão.

A arte e a cultura formam sempre uma síntese conjuntiva – conceito que esta lá em O Anti-Édipo de Deluze e Guattari. O “E” agencia um termo ao outro. Tudo o mais é puro espírito de gincana. Coisa para quem nutre preferencias por quermesses. Diga me com quem competes que eu te direi que isso é uma besteira.

E uma das coisas que mais me cativa no RelevO é que ele e impermeável a esse espírito de gincana. Ninguém é nem quer ser melhor que ninguém. Aqui todos são melhores. Até os que não estão aqui. Até os que não acreditam nisso e são contra, porque uma síntese conjuntiva é assim. É um agenciamento maquínico do desejo. É algo que coloca as coisas para produzir.

O desejo é assim. Uma força que os pré-socráticos chamavam muitas vezes de amor – o império de Eros. Quem ama se liga. A conexão como procedimento. Se existe uma concorrência então é sob um novo sentido. Correr em companhia. Correr juntos. Correr “com”. Concorrer e colocar-se em movimento mutuo. Movimentar-se no plural. Co-mover-se.

A arte e a poesia não buscam outra coisa. Aquilo que se compreende por intermédio de uma comoção estética. O movimento, a pulsação que se estabelece e reverbera entre o coração da obra e daquele que a frui. É uma compreensão pelos sentidos. Não há como mensurar. Aqui a ordem do valor é puramente qualitativa. Antes de tudo, qualquer signo na arte é um qualissigno. Uma intensidade. Indomável completamente pela razão. Tal como uma experiência religiosa, incomunicável. Singular.

Singularidades não competem. Não se disputam. Apenas se afirmam em sua plena potência. É de singularidades que se constrói o múltiplo. Como qualquer relevo – a topologia como expressão da diferença, assim como na música acontece com os timbres (qualidade que torna único cada instrumento tal como única e cada voz).

Arte não se troca. Poesia não se quantifica. Não se pode entender nada em estética senão pelo viés do valor de uso. As singularidades como fundamento e historicidade. Só existe um mercado em relação a isso como algo externo, como uma lógica estrangeira que se impõe sobre a produção de quem trabalha o sentido como matéria prima.

É nessa dimensão que a arte e a poesia podem contribuir plenamente para uma volatilização desse panorama canhestro que vivemos nesses dias de muita política e tão pouca beleza. Uma pedagogia da diferença e do convício inclusivo. Chega de tanto mercado. Essa tristeza e solidão de quem quer ser melhor a qualquer custo. Ser singular é nunca ser só por se estar sempre no plural, na multiplicidade. Só existe paisagem para se ver quando há RelevO. Viva a Relevância de cada um, de todos. Viva a paciência do editor que esperou pela confusão deste que vos escreve para que o jornal contivesse também esse texto escrito a suor e sangue no começo de uma noite abafada de domingo sem inspiração e qualquer insight. Acima de tudo, viva a vontade de viver para além das sombras desse oco histórico no qual nos metemos. Só a arte liberta.

Ben-Hur Demeneck: A prestação de contras

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O ombudsman é o cosplayer do leitor. Afinal de contas, o leitor é o herói do ombudsman. Primeiro, porque ele devora páginas rodeado por uma massa de uns 88 milhões de brasileiros não leitores. Segundo, porque nosso personagem se interessa por textos deliciosamente inúteis numa sociedade viciada pela informação. Portanto, esta coluna sempre se escreve em tributo ao leitor desconhecido.

O ombudsman é tão adorável quanto qualquer figura que faça mediação de disputas. É tão querido quanto um árbitro de futebol que, embora honesto e experiente, perdeu o condicionamento físico para correr um clássico. Apenas não pense que, diante de tais contingências, ele vá deixar de intervir quando possa. Faz parte do jogo.

Arrolar deslizes e reclamações exige cautela. Muito assunto de interesse público ainda se converte em discussões pessoais ou em fantasias de conspiração graças ao fato de que, no Brasil, o espírito da Inquisição tenha chegado antes do espírito da imprensa. Tradição que foi renovada a cada geração, como na época em que era aberto concurso público para contratação de censores de jornal.

Um ombudsman deve ignorar fuxicos, picuinhas, solilóquios e experiências catárticas alheias a fins estéticos. A sua missão passa por sugerir a autocrítica e por destacar o papel dos leitores em uma publicação – mostrar que eles são tão importantes quanto quem produz o meio e a mensagem. Sem mais rodeios, vamos começar nossa prestação de contras.

 

Oito páginas a menos 

Uma em cada quatro páginas do RelevO desaparece. Em números absolutos: cortam-se oito páginas em favor de 500 exemplares extras (aumento de tiragem de 16%). Segundo os produtores do jornal, a perda de espaço será compensada com maior qualidade dos textos.

Uma diminuição de 25% do tamanho do jornal implica necessariamente em: (a) menor quantidade de autores; (b) menor tamanho de textos; (c) as duas opções anteriores. Ao recuperar a trajetória do jornal, constata-se que ele começou com 8 páginas, em outubro de 2010. Lá por 2013, ele teve 12 e, depois, 24 páginas. Em 2014, no período em que o Brasil comentava a queda do avião do candidato presidencial Eduardo Campos, o RelevO circulava com 32 páginas.

“Promover novos autores, abrir espaço aos cronistas sem jornal, aos cronistas que, cada vez menos, detêm espaço nas linhas editorais modernas” – destaco esse trecho do editorial da primeira edição para dialogar com você, leitor. A pergunta é: se os gastos em gráfica permanecem os mesmos, cortar oito páginas lhe parece uma escolha editorial acertada? Aumentar a relação “texto enviado / texto publicado” reforça ou fragiliza o compromisso de divulgação dos “cronistas sem jornal”?

A perda de diversidade pode ser compensada por maior qualidade? Vinte e quatro páginas são suficientes para dar vazão aos autores que merecem publicação no jornal? Leitor, mande a sua resposta. Ainda que ninguém duvide que o RelevO inscreva a literatura na rotina de milhares de brasileiros, quero saber qual é a sua avaliação quanto ao novo horizonte de trabalho (Menos Espaço, Mais Qualidade).

 

O leitor quer saber

ENTREGA: cinco assinantes reclamaram de atraso nas entregas dos exemplares. A equipe responsável pelos despachos postais admite o erro; lentidão que foi agravada pelo indicativo de greve dos Correios. Protesto devidamente registrado, pois a leitura urge!

ERRATA: a pedido do colaborador Tiago Jonas, a nova edição publicará uma errata contendo o endereço da página Interzona. Motivo: indicar que houve republicação de conteúdo.

FALTA DE SITE: um leitor questionou a ausência de site e de opções online para fazer a assinatura do RelevO. Embora não haja porque ser contra a criação de um site, não se pode subestimar os gastos de manutenção de um portal. Já fui editor de publicação independente e esse tipo de pergunta me era comum. Porém, nem sempre o leitor observa que uma página virtual exige um excedente de capital e de trabalho – os quais já custam muito para o impresso chegar às ruas. Enquanto aguardamos novidades, o jeito é se contentar com os PDFs do Issuu. Quanto às opções de assinatura online, elas merecem atenção imediata. A partir de PayPal e sistemas semelhantes, muitas publicações e eventos têm conseguido maior sustentabilidade.

 

Evento “Literatura de confronto”

Uma vez que a visibilidade de novos autores importa ao RelevO, vale a pena conferir manifestações como o ciclo Literatura de Confronto. O evento foi sediado no Centro Cultural São Paulo durante os dias 18 e 20 de setembro. A convite dos escritores Márcia Denser e Ricardo Soares, cerca de 15 debatedores fizeram um diagnóstico crítico do circuito literário.

Os títulos das mesas-redondas dispensam comentários e deram o tom das discussões: (a) “Literatura de Confronto vs Literatura de Conforto: mercantilização, mediocrização e curriolização da literatura nos dias atuais”, (b) “O Vazio Crítico (A renovação da crítica – espaços vazios – ficção científica & outras) e (c) “Obra Aberta – Caminhos (Editores Independentes, Internet e Poesia Sempre)”.

“Não queremos excluir quem está em atividade. O que questionamos é a representatividade de quem fala em nome da literatura brasileira atualmente”, resumiu Ricardo Soares em sua fala de abertura. Para quem quiser saber mais do ciclo, os textos das palestras estão disponíveis no blog Escrita (escritablog.blogspot.com.br, no post do dia 02 de outubro).

Whisner Fraga: Independência versus receita

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O leitor que comparar um número do RelevO do início do ano com o de setembro vai pensar se tratar de outro jornal. Houve avanços consideráveis. A capa de Mariana Benevides foi um marco para a história do periódico. As fotos de Isabella Lanave, independentes do texto e até da diagramação, atestam que há espaço para outras artes. Neste sentido, este ombudsman não pode deixar de registrar todos os elogios aos editores, que tiveram coragem de mudar tão radicalmente.

Dos leitores, uma reclamação justa: o padrão dos anúncios. Além de não haver parâmetros claros para a publicação das propagandas, quero acrescentar que elas estão atrapalhando o texto, poluindo as páginas. Claro que a publicidade é fundamental para a existência do jornal, mas a forma com que ela é apresentada precisa ser repensada. Vamos aos exemplos: o centro de ensino de idiomas Fisk pagou os mesmos cinquenta reais que a panificadora e confeitaria Água na Boca pelo espaço e, ainda assim, um anúncio não tem o destaque do outro, nem o tamanho nem outras características.

Há que se inspirar nos grandes jornais, que sabem fazer com que propaganda e matéria convivam em harmonia. A publicidade deve ser também, na me­dida do possível, arte. Ora, o objetivo do jornal não é divulgar o belo, o estético? De maneira que, como exemplo, basta o leitor abrir a edição de setembro na página 4 para perceber que as imagens não estão nítidas, que os reclames não estão chamativos e que atrapalham a harmonia da página.

Não sei se deixar uma página exclusiva para os anúncios seria uma boa solução, isto terá de ser discutido pela equipe, mas é uma alternativa que não pode ser descartada. Também é preciso considerar se é possível que os diagramadores do jornal deem uma mãozinha na confecção dos anúncios, inclusive convidando outros colaboradores (artistas) para ajudarem na empreitada. Evidente que o valor cobrado para a publicação dos comerciais teria de ser mais alto.

Houve também um leitor que questionou a falta de transparência na escolha do editor. Acredito que o jornal deva ter independência para a seleção e acho também que não há necessidade de se tornarem públicos os critérios de definição. Mas vou aproveitar o registro para cobrar novamente que o RelevO deve constituir urgentemente um conselho editorial. A julgar pelo expediente, o grupo ainda não existe. A multiplicidade de pontos de vista só trará benefícios ao periódico.

Por fim, gostaria de assinalar que estou muito satisfeito por estar contribuindo para o crescimento deste jornal. Sempre acreditei nas publicações alternativas e penso que elas têm muito mais a contribuir com a cultura do que os grandes periódicos, sempre dependentes de arranjos para sobreviverem. É fundamental que o RelevO continue com sua autonomia e, ao mesmo tempo, avance em suas receitas.

 

Nota do editor:

Estamos buscando, a partir desta edição, uma maior padronização dos anúncios. Como tivemos mudança de planejamento gráfico no mês anterior, algumas questões de distribuição ficaram prejudicadas. Esperamos ter avançado um pouco em relação a isso. Sobre a formação de um conselho editorial, não há falta de interesse do núcleo mais regular do periódico, apenas nunca conseguimos montar uma equipe que se comprometesse mensalmente a avaliar os critérios. Contudo, a ideia será retomada com mais afinco a partir de novembro.