Deu green! Ganância, dopamina, Dostoiévski, operação Penalidade Máxima

Extraído da edição 116 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Prompt: “Cassino medieval mas futurístico onde um homem russo aposta a vida na roleta (representado por Botticelli)” — DALL-E.

“Por mais ridículo que seja eu ter esperado obter tantas coisas na roleta, me parece ainda mais ridícula a opinião rotineira, aceita por todos, de que é tolice e absurdo esperar alguma coisa do jogo. E por que o jogo é pior do que qualquer outro meio de ganhar dinheiro, por exemplo, digamos, o comércio? É verdade que, de cem que jogam, só um ganha. Mas o que é que eu tenho a ver com isso?”

Não faz muito tempo que algo mudou na nossa relação com os esportes.

Casas de apostas conquistaram terreno na internet, então dominaram os espaços publicitários, depois os estádios de futebol, depois os uniformes. Compraram licenças de campeonatos. Palavras (esses sintomas infalíveis) emergiram: bet, green, odds. Com os atalhos tecnológicos de que dispomos, tornou-se estupidamente fácil apostar. Surgiram apostadores profissionais, grupos, consultorias – tudo muito normalizado (afinal já vemos nas taças, nos estádios, nos uniformes…).

Agora, para surpresa de provavelmente ninguém, descobrimos que as apostas também se apossaram de alguns atletas. Não atletas de várzea, sem contrato ou qualquer tipo de rede de proteção. Atletas de elite, jogadores de primeira divisão. A operação Penalidade Máxima tem se encarregado de investigar – e ainda estamos no começo do fio.

Sobre a febre

Apostas não são nem de longe uma invenção contemporânea. Ao contrário: foram necessários milênios até que alguém se dispusesse a teorizar sobre esse ato tão intrínseco à diversão humana, capaz de preceder até a escrita. Estamos falando de uma das atividades mais antigas da nossa espécie.

Antes de morrer [em 1576], Gerolamo Cardamo queimou 170 manuscritos não publicados. As pessoas que vasculharam suas posses encontraram 111 textos sobreviventes. Um deles, escrito décadas antes e aparentemente revisado muitas vezes, era um tratado em 32 capítulos curtos. Intitulado O livro dos jogos de azar, foi o primeiro na história a tratar da teoria da aleatoriedade. As pessoas já apostavam e lidavam com outras incertezas havia milhares de anos.

(…)

Para qualquer pessoa interessada em apostar nos tempos de Cardano, todas as cidades eram Las Vegas. Em toda parte eram feitas apostas – jogos de cartas, dados, gamão e até mesmo xadrez. (…) Assim, fazendo sua entrada no mundo das apostas, Cardano passou a jogar os jogos governados pelo puro acaso. Em pouco tempo, já tinha economizado mais de mil coroas para pagar seus estudos – mais do que ganharia em uma década com o estipêndio desejado por seu pai. Em 1520, matriculou-se como estudante em Pavia. Pouco depois, começou a escrever sua teoria das apostas.¹

Fiódor Dostoiévski era viciado em roleta. E embora perder R$ 60 numa aposta sobre número de escanteios num Avaí x Londrina não faça de nenhum de nós um Dostoiévski, é interessante pensar que a mente capaz de produzir Os Irmãos Karamázov carregou vícios semelhantes aos de, bom, quem assiste a (e perde dinheiro com) um Avaí x Londrina. Somos todos humanos, portanto escorregamos.

O gênio russo era tão enroscado com as apostas que, famosamente, escreveu O Jogador (1867) em menos de um mês para sanar – entre vários outros problemas financeiros – dívidas de jogo.

Para obter o dinheiro de que precisava com urgência, Dostoiévski assinou um contrato draconiano em que se comprometia a entregar um romance, com um número determinado de páginas, até o dia de 10 de novembro de 1866. Caso contrário, os direitos de todos os seus livros posteriores passariam ao editor por nove anos. Para piorar, todo o dinheiro que recebeu ao assinar esse contrato acabou perdido, logo depois, justamente numa viagem alemã de Wiesbaden, famosa por seus cassinos.²

Em primeira pessoa, O Jogador acompanha Alexei Ivanovich, tutor apaixonado que logo se vê, previsivelmente, enroscado com o cassino. O romance ficou mais famoso por este paratexto do que por seu conteúdo, mas se sustenta com as próprias pernas (e, bom, sofre por existir entre Crime e Castigo [1866] e O Idiota [1869]).

De Dostoiévski ao primo que vive em função de cartões amarelos na segunda divisão finlandesa, por que apostar é tão divertido? Duas explicações nos satisfazem:

Pesquisas com macacos descobriram que não é realmente o prazer que estimula a liberação de dopamina, mas a incerteza da recompensa. Quanto mais incerta a recompensa, mais dopamina é liberada em antecipação. Supõe-se que isso explique o vício em jogos de azar, e agora é de conhecimento geral que os feeds de mídia social foram criados com base nesse conceito.

(…)

Um artigo de 2016 que examina as causas estruturais do problema do jogo observa que: “… a participação em jogos de azar também é uma resposta à experiência de ser marginalizado. Para esses grupos, o jogo representa uma das poucas ações que eles podem tomar para lidar com a falta de oportunidades e liberdades que experimentam

Na visão deste humilde editor, o segundo parágrafo não poderia encaixar mais com o brasileiro – que, não por acaso, lidera com folga o ranking mundial de acessos a sites de apostas. Via de regra, somos um povo de fodidos sem oportunidade [eu e você, muito provavelmente, somos exceções]. Como não se empolgar com a possibilidade de conseguir um atalho em meio a uma selva de atrasos?⁴

Complementando o viés desse argumento:

Vindo de uma cidade que tinha mais casas de apostas do que livros (para roubar uma frase do falecido Nick Tosches) e onde as oportunidades de progressão eram tão cinzentas e imutáveis como o horizonte, apostar representava uma forma de um trabalhador ganhar alguma coisa com a sua inteligência, instintos e finesse, em vez de apenas com a força dos seus braços e a durabilidade das suas costas.⁵

Se a loteria é “um imposto sobre as pessoas ruins em matemática”, como definia Ambrose Bierce (1911), as apostas parecem fornecer uma recompensa – dopaminérgica – para a esperteza. E quem é que não se considera mais esperto que a média?

Prompt: “Um Dostoiévski furioso apostando num cassino colorido (representado por Jans van Eyck)” — DALL-E.

Algumas odds

Em uma ponta, observamos cidadãos viciados – isto é, clinicamente, sem margem de dúvida – arruinando a própria vida com apostas. Eles sempre estiveram entre nós, é claro. Porém, a facilidade de entrar na brincadeira, a miríade de opções (de sites, de modalidades, de variáveis dentro de um mesmo jogo), o encurtamento do intervalo entre estímulo e resposta: tudo isso tem transformado a aposta esportiva na “nova oxicodona”.

Em outra ponta, profissionais que já vivem o sonho, com anos à frente para fazerem o que amam, na curva ascendente da vida, tornam-se engrenagens desse casamento nefasto (mas intenso, cheio de paixão…) entre dopamina e esperteza. O primeiro grupo parece mais compreensível – ou já nos acostumamos com exemplos de autodestruição –, mas e o segundo?

Sobre arriscar tudo por muito pouco

Nos surpreendemos com jogadores de futebol de elite envolvendo-se com apostas tão trambiqueiras – não por uma questão ética, mas financeira. Afinal, estamos habituados com “pilantragem, estelionato ou apenas uma inocente carraspana” em nossa cultura quilingue, porém assusta saber que algum indivíduo com salário de três dígitos possa pôr tudo a perder por uma recompensa proporcionalmente tão baixa.

Por que um atleta se submete ao risco de arruinar a própria carreira, perder qualquer credibilidade, dever para criminosos – em caso de insucesso do acordo, por incompetência individual ou por algum infortúnio da partida –, trair os próprios companheiros e comprometer a instituição que paga seu salário (provavelmente, o maior de sua vida)? Vamos confabular por aqui, sem qualquer critério ou metodologia.

É famoso um discurso em que John Bogle, fundador do Vanguard Group (maior gestora de fundos de investimento do mundo), relembra um diálogo entre Kurt Vonnegut e Joseph Heller:

Numa festa oferecida por um bilionário em Shelter Island, o falecido Kurt Vonnegut informa a seu amigo, o escritor Joseph Heller, que o anfitrião, um gestor de fundos de investimento, ganhou mais dinheiro num único dia do que Heller ganhou com o seu popular romance Ardil-22 durante toda a sua história. Heller responde: “Sim, mas eu tenho algo que ele nunca terá… O suficiente”.

Morgan Housel⁶ resgata o discurso de Bogle como gancho para duas histórias de ruína: a de Rajat Gupta e a de Bernie Madoff. O primeiro, multimilionário após uma carreira como CEO na McKinsey – e já aposentado, com cargos na ONU e no Fórum Econômico Mundial, fazendo filantropia com Bill Gates –, jogou tudo no lixo ao se utilizar de informações privilegiadas para comprar ações do Goldman Sachs (que ele, justamente por conta dessas informações, sabia que logo estourariam). Terminou preso.

O segundo, talvez o maior trambiqueiro da história, realmente dispensa apresentações. Mas vale o registro de que, antes de comandar o maior esquema de pirâmide do planeta, Madoff já era extremamente bem-sucedido (de forma legítima, sem qualquer asterisco).

Warren Buffett, talvez o sujeito mais entediante do Ocidente inteiro (e, justamente por isso, um dos mais sábios), sintetizou: “nada justifica arriscar algo que você já tem e do qual precisa por algo que você não tem e do qual não precisa”. Estamos falando de multimilionários – letrados, calejados, espertos – que fizeram o extremo oposto.

A partir disso, bifurcamos o raciocínio:

  1. A ganância é um vício que o dinheiro não necessariamente cura.
  2. Se um multimilionário é capaz de arriscar décadas de trabalho e reputação por muito pouco, por que um atleta sem formação, instrução ou assessoria (sentido amplo), ainda embalado pela tolice da juventude, provavelmente sustentando meia ou uma dúzia de familiares, não faria algo parecido – por uma recompensa até proporcionalmente maior?
    1. Ademais, se pensarmos em elencos de 30 jogadores, são 600 atletas na Série A nacional. Quantos foram sondados e receberam propostas? Quantos recusaram? Esse número dificilmente será estimável. O ponto é que, de todo modo, não serão 600 os irresponsáveis, e um número de 10% (60), embora chocante, ainda é uma minoria restrita. (Lembrando que estamos falando da divisão de elite. O absurdo é exponencial – não há nada chocante em projetar acordos espúrios em jogos de série D, por exemplo, pois o contexto do atleta, muito mais próximo do chão de fábrica do que do Neymar, é completamente diferente).
    2. Me pergunto do fundo do coração se a maioria desses jogadores sabe que é rica. No sentido de ter noção concreta de que, se ele recebe R$ 50 mil por mês (e um atleta de primeira divisão tende a receber muito mais), isso já o coloca no topo do topo do topo do país, em que pese a não linearidade (e a brevidade) de sua carreira. Afinal, para alguém criado com muito pouco, talvez R$ 50 mil seja só um número alto – que muitas vezes precisa ser usado, não guardado, seja por compensação psicológica, seja por falta de instrução, seja por penduricalhos humanos que agora o cercam como abutres.

Com esses pontos, longe de defender a postura dos jogadores – que, acima de tudo, cometeram uma estupidez sem tamanho e provavelmente jogarão suas carreiras já curtas no lixo –, procuro tentar compreender suas motivações. Muitas vezes, elas nem são tão complexas (as nossas são?). Cada um de nós guarda uma interseção nebulosa entre o ético, o prático e o moral, tudo isso temperado com (i)legalidade.

Afinal, digamos que você tenha a chance de ser recompensado por fazer algo ilegal, mas esse ato ilegal prejudique apenas, hm…, o Detran (talvez você faça mesmo sem a recompensa). Agora digamos que este mesmo ato ilegal prejudique de alguma forma seus melhores amigos. Obviamente, você encararia a oferta de outra forma. (E se prejudicar os colegas de trabalho? E se prejudicar os colegas de trabalho, mas você odeia seus colegas de trabalho? And so it goes).

Enfim, são apenas hipóteses para testar o raciocínio. Longe de almejar um raciocínio inédito, o ponto é: pessoas fazem merda o tempo todo. Acontece. Eu, você, Bernie Madoff e o lateral Pedrinho temos gatilhos e motivações duvidosas; não necessariamente racionais, não necessariamente razoáveis. Alguns testes de força com indivíduos distintos em ambientes diversos gerarão resultados improváveis, curiosos – nos quais nem um adicto supersticioso teria arriscado seu dinheiro.


¹ Mlodinow, Leonard. O Andar do Bêbado, 2008. Zahar (2018).

² Dostoiévski, Fiódor. O Jogador, 1867, Penguin-Companhia (2017). Apresentação e tradução de Rubens Figueiredo. A citação que abre este texto também pertence à edição (p. 30).

³ Meadows, Jesse. Dopamine: The Self-Improvement Mythos Of Our Age. Sluggish, 2023. Destaques nossos. Sobre o segundo ponto, é impressionante a relação com esta outra pesquisa aqui, que relaciona como, contraintuitivamente, fumantes pobres se importam menos com o aumento do preço do cigarro. “Mas a maioria dos participantes (de ambos os sexos, especialmente os mais velhos, os desempregados e os que moram sozinhos) também afirmou que o cigarro preenche um vazio em sua vida cotidiana: Eles fumam porque não têm mais nada para fazer, porque é a única atividade de lazer que podem pagar (paradoxalmente, alguns fumantes acreditam que economizam dinheiro fumando); por outro lado, lembraram que costumavam fumar menos quando tinham um emprego; eles também fumam porque se sentem solitários, para compensar um rompimento emocional ou uma demissão, ou para aliviar os sintomas de abstinência depois de parar de usar ‘drogas pesadas’. Em outras palavras, muitos fumantes entrevistados consideravam que fumar era ‘tudo o que lhes restava.” Esta e outras traduções do texto partiram do Deepl.

⁴ Vale lembrar que “Nas décadas de 1930 e 1940, o Brasil viveu a era de ouro dos cassinos. No auge, funcionavam mais de 70 casas de apostas no país — do Rio, capital da República, à minúscula São Lourenço, no sul de Minas. Nos salões, homens de terno e mulheres de longo apostavam dinheiro nas roletas e nas cartas de baralho. O fervilhante negócio dos cassinos ruiu repentinamente. Em 30 de abril de 1946, três meses depois de assumir a Presidência da República, o general Eurico Gaspar Dutra pegou o país de surpresa e, com um decreto-lei, ordenou o fim dos jogos de azar”. Fonte: Agência Senado.

⁵ Bevan, Thomas J. On Gambling. The Commonplace, 2020.

⁶ Housel, Morgan. A Psicologia Financeira, 2020. HarperCollins (2021). Capítulo 3: “Nada é o suficiente”.

Jimmy Glass

Extraído da edição 43 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Jimmy Glass

Entre as infinitas maluquices proporcionadas pelo esporte, especificamente no futebol, o gol de Jimmy Glass, em maio de 1999, figura entre as mais marcantes. Glass não era um grande atleta, tampouco viria a sê-lo. Aliás, também não ocupava o posto de titular, ídolo ou qualquer outra honra. Seu gol não garantiu título algum e seu clube não era nada expressivo. Muito pelo contrário: o arqueiro defendia as cores do Carlisle United, que lutava contra o rebaixamento da quarta divisão inglesa.

A queda para a quinta divisão significaria uma redução às ligas semiprofissionais. O Carlisle, desesperado na última rodada da competição, precisava derrotar o Plymouth Argyle para se manter no círculo profissional dos torneios ingleses, a Football League, onde já fardava havia 71 anos. Glass fazia apenas sua terceira aparição pelo Carlisle, isso porque um goleiro havia sido negociado e o outro havia se lesionado. A mágica de Jimmy Glass se deu a meros 10 segundos do fim, o único scenario de desespero que permite a goleiros a insanidade de almejar o gol adversário.

Em uma cobrança de escanteio, Glass aproveitou rebote do guarda-redes adversário para empurrar a bola na caixa por meio de uma finalização rasante. Narradores, torcedores e quaisquer espectadores foram à loucura, e os pouco mais de 7 mil torcedores que aquilo testemunhavam no Brunton Park logo invadiram o gramado (foto), em atitude inquestionavelmente espontânea. Jimmy Glass, desprovido de qualquer grandeza em seu contexto, precisou de 10 segundos para protagonizar um dos episódios mais marcantes da história do futebol.

Na temporada seguinte, o Carlisle quase caiu novamente. Por sua vez, o improvável herói Jimmy Glass, que sequer permaneceu no clube, rodou entre várias equipes inexpressivas até se aposentar em 2001, com apenas 27 anos. Glass se tornou vendedor, e depois taxista. Também chegou a se viciar em apostas, mas, segundo ele, toda ansiedade negativa se foi graças a um casamento feliz, o qual lhe concedeu dois filhos. O ex-goleiro lançou uma autobiografia, cujo título, One hit wonder, não poderia ser mais apropriado.Nenhuma sequência de elementos ordinários, no entanto, colocaria e colocará em xeque aquele mísero fragmento de tempo em que Jimmy Glass se tornou eterno.

As chuteiras do fatídico jogo figuram no National Football Museum, em Manchester.

Highbury

Extraído da edição 42 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Em 1992, o Arsenal, clube londrino de futebol, reformava o Highbury, seu estádio. O North Bank, setor norte do lar do clube, deixava de ser um standing terrace – onde torcedores ficam em pé, apoiados em algumas barras de metal – pra dar lugar a confortáveis cadeiras dispostas em dois andares. Enquanto a obra acontecia, a seção foi desativada e foi montado um painel pintado que simulava a torcida, transformando a área de trás de um dos gols num paredão, como mostra a foto a seguir.

Além do efeito visual curioso em um estádio de futebol, o conteúdo do painel se mostrou bastante controverso: primeiro, foi criticado por não ter negros o suficiente (o Arsenal era o time com a maior torcida entre negros na Inglaterra). A pintura foi então alterada para corrigir o erro. Pouco depois foi levantada a questão de que havia crianças aparentemente sozinhas, ou perto de adultos que não pareciam ser seus pais. Assim, todas as crianças foram colocadas perto de adultos e pintadas da mesma cor do adulto mais próximo. Mas notaram que nenhuma criança estava perto de mulheres, e que mulheres estavam sub-representadas no geral.

Mil mulheres foram adicionadas, incluindo moças portando sarisburkas e vestimentas tradicionais africanas. Quatro freiras foram inseridas, sendo que uma delas foi atingida no rosto por um chute de Lee Dixon no primeiro jogo. Cinquenta sikhs também foram adicionados, com suas tradicionais espadas cerimoniais, que foram mais tarde retiradas por recomendação da polícia.

Mais tarde, houve rumores de que a pintura tinha sido alterada novamente, para adicionar mais homossexuais. Embora isso não tenha sido feito, chegaram reclamações de que gays haviam sido colocados perto de mulheres e crianças. O clube, junto a organizações de direitos homossexuais, soltou uma nota dizendo que nenhuma alteração tinha sido feita, e que gays não têm aparência diferente das outras pessoas, e não são uma ameaça a mulheres, crianças ou partidas de futebol.

Steve Bould, ícone do Arsenal durante os anos 1990, conta um pouco de sua experiência com o painel em uma entrevista: “o mural era esquisito: todas aqueles rostos pintados, em silêncio, olhando pra você. No primeiro jogo com ele, estávamos ganhando do Norwich de 2 a 0 e perdemos de 3 a 2 no fim. Isso resume bem como era o sentimento de jogar em frente àquele painel”. Um trecho de uma partida com o paredão pintado pode ser visto aqui.

O mural veio abaixo no ano seguinte, com a conclusão das obras. Não deixou saudades.

Lista: grandes apelidos do futebol

Extraído da edição 39 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

He-Man (Rafael Moura)
Ibracadabra
McLaren
Doutor Sócrates
Adriano Imperador
La Bestia (Júlio Baptista)
Diabo Loiro (Paulo Nunes)
Dirceu Flecha Loira
Ronaldo Fenômeno
Euller Filho do Vento
Loco Abreu
Harry Pottker
Edílson Capetinha
Major Galopante (Puskas)
La Brujita (Verón)
Washington Coração Valente
Túlio Maravilha
Tigre da Vila (Saulo)
Edmundo Animal
La Pulga (Lionel Messi)
Hernane Brocador
Douglas Barriga de Cadela
Ruy Cabeção
Zidanilo
Quinto Beatle (George Best)
Vágner Love
Fabuloso (Luís Fabiano)
El Tanque (Santiago Silva)
Aloísio Boi Bandido
Aloísio Chulapa
Valdir Bigode
Émerson Sheik
Marcelinho Pé-de-Anjo
Robinho Rei da Pedalada
Hernanes Profeta
Magnata (Magno Alves)
Diamante Negro (Leônidas da Silva)
Donizete Pantera
Novo Zidane (qualquer meia habilidoso francês e/ou argelino)

[por Rômulo Candal, com adições nossas. Os exemplos ruins são nossos.]

Castor de Andrade

Extraído da edição 36 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente. O RelevO pode ser assinado aqui.

Quem pensa que o Brasil se resume a futebol, carnaval e corrupção, deveria conhecer a história de Castor de Andrade, um homem que dedicou sua vida, lutou e venceu nesses três campos.

Castor de Andrade foi o bicheiro mais conhecido do Brasil. Costuma-se apontá-lo como o MAIOR e MAIS PODEROSO bicheiro do país, mas a falta de um prêmio oficial da categoria ou mesmo de uma revista especializada me faz preferir o critério de popularidade. Nasceu em 1926 no Rio de Janeiro, já filho e neto de contraventores ligados ao jogo do bicho. Tudo teria começado com a sua avó materna Eurídice que, após ter ficado viúva, teve a ideia de começar o seu próprio jogo do bicho na sua residência – uma casinha de sapê localizada na Rua Fonseca, no bairro do Bangu.

Seu pai pertencia a uma família que, a princípio, não tinha ligação alguma com os jogos de azar. Por influência da família da mãe, contudo, acabou entrando no negócio da contravenção. Seu Zizinho fez fortuna com o jogo do bicho, proporcionando uma infância regrada ao menino Castor, que mais tarde não apenas herdaria o negócio todo, como também multiplicaria por muito o faturamento.

Castor de Andrade foi um bicheiro amado e respeitado porque usou o dinheiro do bicho para dar alegria ao povo nas duas coisas que mais lhe interessam: futebol e carnaval. É também uma grande ingenuidade achar que Castor de Andrade usou o dinheiro do bicho para de fato dar alegria ao povo nas duas coisas que mais lhe interessam, quando na verdade carnaval e futebol são caminhos bastante conhecidos (e eficientes) para se lavar dinheiro. Mas ele deu.

No futebol, perseverou à frente do Bangu. Um clube tão modesto que, quando incrivelmente chegou à final do Campeonato Brasileiro de 1985, não despertou raiva dos rivais cariocas, mas simpatia. A final foi no Estádio do Maracanã, com mais de 100 mil espectadores – a maioria torcedores de outras equipes cariocas – apoiando o Bangu. A equipe acabou derrotada nos pênaltis para o Coritiba, um time que jamais havia ganhado um Brasileiro, nunca venceu de novo e provavelmente nunca mais vai ganhar.

Castor de Andrade foi presidente de honra do Bangu e maior financiador do time exatamente nessa época. Foi muito querido pela torcida, que não se importava nem um pouco com algumas histórias estranhas que aconteceram na Era Castor, como a de um torcedor misterioso que faleceu e deixou uma herança de aproximadamente 500 bilhões de cruzeiros para o clube carioca. O adepto era professor de matemática, solteiro e a sua suposta fortuna era desconhecida mesmo pelos mais chegados. Ele sequer era sócio do Bangu.

No Carnaval carioca, teve ainda mais reconhecimento. Foi pentacampeão patrocinando a escola Unidos de Padre Miguel (sempre-10-na-bateria-saudoso-mestre-andré-sempre-soube-o-que-queria) entre os anos 1970 e 1980.

Castor de Andrade acabou falecendo vítima de um infarto fulminante em 1997, quando descumpria, como de costume, a ordem de prisão domiciliar. Ele havia sido preso em 1994, utilizando bigode falso e cabelos pintados, enquanto visitava o Salão do Automóvel  em São Paulo. “Foi aquela vaidade de ver o Jaguar, o Rolls-Royce, a Lotus”, teria lamentado.

Após a morte de Castor de Andrade, o império do jogo do bicho aos poucos ruiu: o bicheiro exercia muita influência sobre policiais e políticos da época, além de “apagar” outros bicheiros com muita discrição. Sua morte deu início a uma disputa intensa entre os seus herdeiros. Mais de 50 mortes aconteceram desde então, na briga pelo controle do império do jogo do bicho e das máquinas caça-níquel espalhadas pelo Rio de Janeiro.

Grandes momentos de Castor de Andrade

  • Durante o desfile de 1990, quando abordado por um repórter da Globo curioso pela ausência do bicheiro  na avenida em anos anteriores, respondeu na lata, sem a menor cerimônia: “há dois anos que eu não frequento a Passarela do Samba por motivos óbvios. Eu estive em cana”.
  • No Carnaval seguinte, durante a comemoração do bicampeonato da Mocidade, respondeu a uma repórter da TV Manchete que, enquanto os outros celebravam, ele estava “preparando  a grana pra eles gastarem” no ano seguinte. “Procuro fazer da melhor forma possível porque a minha comunidade merece todo esse sacrifício”.
  • Em 1986, comandou um treino do Bangu enquanto o treinador Moisés viajava ao Equador para assistir o Barcelona de Guayaquil, que seria o primeiro adversário na inédita participação do clube na Taça Libertadores da América daquele ano.
  • Conforme contou a Jô Soares, um assaltante o ameaçou com um revólver e conseguiu entrar em sua casa. Entraram mais dois: o terceiro do grupo, porém, reconheceu Castor. Todos correram de lá.

[por Matheus Chequim]