Torcedor amaldiçoado

Extraído da edição 41 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Chicago, Estados Unidos. Noite de 14 de outubro de 2003. No tradicionalíssimo Wrigley Field, o segundo estádio mais antigo da liga americana de beisebol, uma bola rebatida pelo dominicano Luis Castillo, dos Florida Marlins, voava rumo ao canto esquerdo do campo. No chão, o domenico-americano Moisés Alou, dos Chicago Cubs, se posicionou para pegá-la no ar.

A matemática era simples: se Alou agarrasse a bolinha sem que ela caísse, Castillo estaria eliminado da rodada; o time da casa estaria muito próximo de encerrar o jogo – que vencia tranquilamente por 3 a 0 – e de acabar com a série melhor-de-sete-jogos conta os Marlins – a qual venciam por 3 a 2. Se ganhassem aquela partida, os Cubs finalmente avançariam às World Series, a grande final do certame em que não chegavam desde 1945, e teriam uma chance de ganhar o campeonato (o que acontecera pela última vez quase um século antes, em 1908).

A bola ainda estava no ar, e se aproximava de uma das arquibancadas lotadas. Moisés Alou pulou para agarrá-la, com a certeza de um título que se aproxima. Porém, algo ocorreu: três torcedores da primeira fila também tentaram pegá-la, algo que todo torcedor tenta fazer. Um deles chegou a espalmá-la. Com o toque, a bolinha de couro branco e costuras vermelhas escapou de sua trajetória rumo à luva de Alou e foi caprichosamente ao chão da arquibancada. Alou esbravejou contra o torcedor; o juiz julgou que a bola poderia, sim, ser agarrada pelo jogador dos Cubs e deu a jogada como favorável ao time adversário. (Vídeo)

Dali pra frente foi uma catástrofe. O incidente deve ter mexido com o emocional dos Cubs que, nas últimas jogadas, sofreram uma virada espetacular e perderam a partida por um surpreendente 8 a 3. As TVs espalhadas pelo estádio e por todo o país não paravam de reprisar o lance patético em que um homem de boné azul, blusa verde, óculos e fone de ouvido, em meio a outros torcedores, falha em agarrar a bola e a tira do alcance do jogador.

Para a multidão nas arquibancadas, de uma hora para a outra o campeonato parecia perdido e aquela derrota tinha um responsável bem definido: Steve Bartman, nome que o povo se encarregou de descobrir. A hostilidade começou ali mesmo, e o sujeito teve de ser escoltado para fora do estádio. (O incrível apagão técnico dos jogadores que permitiram a virada passou praticamente despercebido por torcida, comentaristas e câmeras). Na noite seguinte, os mesmos times voltaram ao mesmo campo para o jogo de desempate, os Cubs perderam e foram eliminados, e quem era o responsável? Steve Bartman, claro.

Descobriram o endereço da casa de Bartman e ela foi depredada. Bartman virou alvo de toda a sorte de piadas, esquetes humorísticas e xingamentos raivosamente apaixonados. Para fugir dos holofotes, Bartman nunca mais voltou ao estádio e recusou absolutamente todos os pedidos de entrevistas – inclusive para um tocante documentário da ESPN sobre o caso. Também foi sondado para patrocínios de vários tipos, chegando a dizer não para uma proposta de seis dígitos para um comercial do Super Bowl.

A bola do incidente foi leiloada por mais de 110 mil dólares. O comprador foi o dono de um restaurante que, após explodir a bola publicamente, ferveu o que restou e usou o vapor na produção de um molho (!). Até hoje, a cadeira em que Bartman estava sentado é conhecida como “The Steve Bartman Seat”. A família teve de se mudar e trocar o número do telefone para escapar das ligações em tom ameaçador.

Com o passar dos anos, muitos saíram em defesa de Bartman – entre estes, as crianças que jogavam no time infantil treinado por ele. O próprio Moisés Alou chegou a afirmar em uma entrevista que não conseguiria agarrar a bola, mas desmentiu a afirmação posteriormente. Seja como for, no dia 22/10, os Cubs derrotaram os Los Angeles Dodgers e finalmente se classificaram para a grande final do campeonato americano de beisebol. E, no dia 8/11, o time de Chicago venceu os Cleveland Indians no último jogo da série melhor-de-sete e conquistou o título. Steve Bartman não estava no estádio para ver essas façanhas.

[por Felipe Gollnick]

O Banho Turco

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Banho Turco, do pintor francês Jean-Auguste-Dominique Ingres, é um perfeito exemplo da corrente Orientalista, popular no século 19 na Europa após a invasão do Egito por Napoleão. Era muito comum nessa época o interesse de artistas pela estética do oriente-médio, até então uma região exótica e pouco conhecida pela alta classe europeia. Essas representações não deixam de ser romantizações paternalistas, tratando o oriente como um mundo subdesenvolvido e estático, mas nos ateremos aqui ao seu valor artístico.

Pintada quando Ingres já tinha seus 82 anos de idade, em 1862, a tela mostra um harém segundo a descrição de Lady Mary Montagu de uma viagem ao império otomano: “acredito que ali havia duzentas mulheres. Mulheres lindas e nuas em várias poses. Algumas conversando, outras tomando café ou tomando sorvete, e muitas espreguiçando-se despreocupadamente, enquanto suas escravas (geralmente lindas garotas de 18 anos) arrumavam seus cabelos em formas fantásticas“.

A produção da Enclave contou apenas 23 moças na figura, mas o efeito que se tem é de muito mais corpos. Provavelmente pelas voluptuosas curvas das musas, que se confundem e se repetem  no espaço, inclusive no formato do quadro (que originalmente era retangular, mas foi cortado pelo artista após sua execução).

A obra é também repleta de autorreferências, já que Ingres frequentemente pintava cenas desse tipo. A Grande Odalisca e A Banhista de Valpinçon são dois exemplos de pinturas citadas no processo criativo do Banho Turco.

 

 

 

 

 

 

A figura em primeiro plano no Banho Turco é praticamente uma releitura da Banhista de Valpinçon (esq). A Grande Odalisca (dir) é a obra mais infuente de Ingres e o inspirou a seguir a estética oriental

 

 

 

 

 

 

 

Elefantaria

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Você provavelmente já ouviu o termo “vitória pírrica”, aquela conquista excessivamente custosa, cujos resultados se tornam pouco compensatórios. Isso porque Pirro, rei da Macedônia e grande pedra no sapato de Roma – não confundir com Pirlo – ganhou notoriedade pelo estado acabado de seu exército após vencer a Batalha de Ásculo, na Guerra Pírrica. Vamos, no entanto, tratar de apenas uma característica de Pirro e seus comandados: a elefantaria, que significa exatamente o que parece.

(Essa ilustração não representa nenhum exército de Pirro, mas de Aníbal)

Se hoje existem tanques de guerra, drones e textos de Facebook, os elefantes já foram utilizados como excelentes artifícios bélicos. Alguns séculos antes de Cristo, tem-se registro do manuseio militar dos portadores de tromba mais famosos desse planeta. Razões não são difíceis de apontar. Como explicou sucintamente o historiador Adrian Goldsworthy: “eles são grandes, cinza, fazem barulhos estranhos e fedem: eles assustam pessoas!”. Apesar de grandalhões, os elefantes costumam ser rápidos, podendo atingir aproximadamente 40 km/h. No caso dos conflitos, eram protegidos por armaduras e acolhiam mais de um soldado montado.

Se persas e cartagineses fizeram uso desses mamíferos – nessa pintura de Charles Le Brun, Alexandre retorna com um elefante do derrotado Dario III –, a Batalha de Heracleia, pontapé inicial das Guerras Púnicas, consolidou-se como um dos momentos mais marcantes da elefantaria. Isso porque Pirro, defendendo a Magna Grécia, comandou a vitória de 35 mil homens e 20 elefantes contra 45 mil da República Romana, embora esses números não sejam muito exatos. Os romanos, que nunca haviam visto aqueles animais gigantes com trombas, sofreram um estrago.

A adoção da pólvora desestimulou o uso dos elefantes, dado que, afinal, matá-los se tornou uma tarefa muito mais fácil. Contextos militares mais recentes contam com esses mamíferos em transporte de carga ou cruzamento de terrenos específicos. Ah, sim: a aproximação do homem com o animal em questão também gerou o esmagamento por elefantes. Isso, porém, fica para outro dia.

Lista: vencedor do Prêmio Jabuti ou filme pornô?

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1. Sonhos Tropicais
2. Imaginações Pecaminosas
3. Ana em Veneza
4. Laços de Família
5. O Casarão
6. A Festa
7. Um Outro Olhar
8. O Jardim Selvagem
9. O Sexo Começa às Sete
10. As Velhas
11. Canalha!
12. Menina a Caminho
13. A Noite Escura e mais Eu
14. Reprodução
15. Ah, é?
16. Endiabrados
17. Luisa
18. O Fruto do Vosso Ventre
19. A Idade da Paixão
20. O Enterro da Cafetina
21. A Saga do Cavalo Indomado
22. O Braço Direito
23. A Mão Esquerda
24. Amor?
25. O Buraco na Parede

 

Jabuti: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 21, 22, 23, 24, 25. Pois é.

Baú: Theodore Sturgeon

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Usando os mesmos padrões que classificam 90% da ficção científica como lixo, bobagem ou cagada, pode ser dito que 90% de cinema, literatura, bens de consumo etc é lixo. Em outras palavras, a afirmação (ou fato) de que 90% da ficção científica é lixo não é, no fim das contas, informativa, porque a ficção científica obedece as mesmas tendências de qualidade que outras manifestações artísticas.

Theodore Sturgeon, 1958, no que ficou conhecida como a Lei de Sturgeon: 90% de tudo é um lixo.