Dos manuais e guias

Editorial extraído da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


“O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e jargões sem nenhum sentido. Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…” William Zinser em Como escrever bem.

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céu

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letas.

e.e.cummings em tradução de Haroldo de Campos.

Jarros de polvo!

Efêmero um sonho.

Luar de verão.

Bashô em tradução de Fabiano Sei.

“Entusiasmo. Prazer. Raramente ouvimos essas palavras! Raramente vemos pessoas vivendo e, no nosso caso, criando com base nelas! Ainda assim, se me perguntarem sobre os itens mais importantes no figurino de um escritor, as coisas que moldam o seu material e o impelem em direção ao caminho que ele deseja percorrer, eu apenas o aconselharia a olhar para o seu entusiasmo, para o seu prazer”, Ray Bradbury em Zen e a Arte da Escrita.

Uma boa leitura a todos.

Zeh Gustavo: Crise: o que faremos depois da escrotidão?

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


A culpa não foi, tanto, minha: as cartas de janeiro é que deram a deixa. Valeu, Catarina Lara Resende (será ela parente do Otto, amigo do Nelsão, a quem este atribui a frase “O mineiro só é solidário no câncer”?) e suas Doses de escrotidão! Teve ainda o relato do apogeu e queda do Clube de Literatura Café no Cocô, por Cândido Magnus, um nome acima de qualquer suspeita. Houve as saliências de Natan Schäfer, citando José Paulo Paes: é sempre por essas que escrotos como nós geramos algo como “[…] a carne possuiu a carne” ou “nossa cabana tem furos no telhado”, em que se acusa a Lua de ser uma tremenda voyeuse. Então pediram, ah se pediram!

*

O Conselho Editorial deixou passar mais esta: a terapia não está, nunca estará em dia — falta-me, além de fé na viabilidade de uma adimplência psicológica (!), o quinhentão mensal para minha autoelevação espiritual diante do mundo da classe média analisada. Mas, ao contrário da Matilde Campilho (aquieta, coração!), eu choro fácil. Isso equilibra um pouco as coisas?

*

Já me apresentei, seção passada, mas faltou dizer que eu sou um cara meio escroto (e precisava?), daqueles apaixonados pelos boleros lúdicos e torpes de Aldir Blanc, pela cafajestice lírica dos filmes do Hugo Carvana, pela rouquidão gostosa da Zezé Motta e pelos palavrões da Dercy Gonçalves. Arte-xarope eu tento sequer nem comentar, quanto mais doar-lhe um roçar qualquer de meus sete sentidos.

À questão: não bastasse o sequestro de ao menos certos simulacros de escrotidão pela direita mais imbecil — a fascistada que devia estar em cana! —, noto haver ainda uma outra crise, fruto de um surto de (pseudo)moralidade nos discursos, sobretudo os virtuais. E onde falta escrotidão também há de faltar amor & arte: não há literatura sem flores de escatologia e cretinice, ou seja, escrotidão tirada a método e a quente; tampouco amor sem uma sacanagem de leve, essencial à construção de afetos, digamos, mais carnosos. A assepsia da vida, tudo controladinho como num aeroporto, é o maior dos precipícios.

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— Fiu! Já sei! Fazendo caras de intelectual fingindo que tem vida interior intensa, né, ô babaca?!

—Poupa meu saco, Passarinho, poupa meu saco! (…)

—Já sei! Fazendo caras de intelectual da geração perdida, fingindo que é agressivo e vingador, né, ô Hemingway de merda?

Carvana e Antonio Pedro riem de soslaio em certo momento dessa passagem antológica de Bar Esperança: o último que fecha, com Denise Bandeira nuíssima, Marília Pêra impecável de descolada, Pereio de Pereio e uma penca de gente-personagem em rota fácil de ser cancelada no mundo pós-escrotidão. Como a boa sem-vergonhice, acha-se grátis o clássico no YouTube.

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Bolívar vai à academia. Olho assustado, adio o quanto der a missão, mormente após trocarem o velho malhar por treinar, o que nos remete à antiga Melô do Romário: “Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer?!”

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Erlândia taca o porrete em almas amesquinhadas pela busca do encontro flácido: somos, cada qual, um microacidente “[…] que é milagre / e desastre / na mesma medida”.

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Escrutinadores da Akadimia pululam na redessoci e amam um Jorge Aragão feito com caipirinha de 51, com um toque de análises sociológicas do novo BBB. Às vezes, misturam Belo a discurso massa-empoderadx e Bacardi Maçã. Denúncia: é no dia seguinte disso que boa parte dos artigos e papers são produzidos.

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Lembremos do que nos dizem os verdadeiros pulhas: crise é oportunidade!

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Baby, pode soar a cantada barata, mas é importante para o futuro da nossa relação: você já ouviu falar de caralhinhos voadores?

Dos búlgaros ao Brasil Poeira

Editorial extraído da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Abrimos oficialmente a temporada de rimar amor com dor, de perguntas como “com ou sem caracteres?” e das leituras de novos materiais para as próximas edições do nosso impresso, quase 14 anos circum-navegando de forma ininterrupta. Neste período (que engloba 176 edições), publicamos mais de 2 mil autores e autoras, 90% destes pela primeira vez em um veículo impresso. Alguns que por aqui passaram, inclusive, ultrapassaram a barreira da nossa inexpressividade e hoje são colunistas de jornalões e agitadores sazonais do Twitter-X, o que, muitas vezes, significa a mesma coisa (ao menos com remuneração bem melhor que o RelevO, que não volta cashback).

Não fazíamos um chamado público desde março de 2020, primeiros dias da pandemia. Recebemos, à época, aproximadamente 3 mil colaborações, o que resultou em um caos logístico e editorial. O que mudou de lá pra cá? Além de organizarmos melhor nosso fluxo de avaliações —acredite: estamos em dia com as leituras de janeiro de 2024 para trás —, também estamos muito mais esclarecidos com o que buscamos em nossas páginas. Basicamente, três fatores se desdobram em outras camadas:

  1. Textos bem escritos, ou seja, que respeitam as normas básicas da nossa língua ou as subvertem conscientemente, criando efeitos estéticos ou sinestésicos interessantes [geram beleza].
  2. Textos criativos, inesperados, imprevisíveis, que fogem das soluções mais comuns do nosso tempo. Textos que explicam menos e não duvidam da capacidade de compreensão do leitor.
  3. Textos simplesmente divertidos e criativos.

Naturalmente, somos surpreendidos com textos que não se encaixam nesses eixos. Conforme a nossa linha editorial, “não temos nenhuma restrição quanto ao tema, embora, a bem da verdade, estejamos um pouco cansados de literatura com a linha ‘escritor triste fumando em um bar’, ‘escritor triste escrevendo sobre escrever’, ‘poema sobre o valor da poesia’ e ‘meu amor não correspondido acaba de sair pela porta’. Isso não significa que materiais dessa natureza serão automaticamente piores e/ou recusados”.

Junto do chamado para publicação, também fizemos a devolutiva de mais de 700 textos recusados. Trata-se de um processo desgastante em níveis diversos: responder negativas (quem gosta de trazer más notícias?); tomar decisões injustas (e se desmotivarmos um talento genuíno?); e, naturalmente, ler – talvez o melhor verbo seja “enfrentar” – centenas de textos realmente indefensáveis. Também sabemos que um autor não selecionado tende a guardar algum rancor do veículo. Não acontece com todos, mas acontece. Resumindo: perdemos potenciais assinantes (capital financeiro), perdemos seguidores e entusiastas (capital simbólico).

Sempre reforçamos ao autor que fique à vontade para submeter outros materiais quando quiser. Esclarecer isso não impede que recebamos algumas tréplicas na linha “Tudo bem, o texto x é um sucesso de público, talvez o problema não seja comigo…” ou “Sou jornalista há mais de 20 anos, tendo ganhado alguns prêmios de literatura com crônicas, contos e poesias. Escrevo diariamente crônicas esportivas para um portal parceiro da rede x, gostaria de saber mais detalhes do por que minhas obras não seriam publicadas, já que contém potencial literário”. É do jogo, é do jogo.

Escolhas editoriais, mesmo que guiadas por um farol bem estabelecido, nunca deixarão de ser subjetivas, ratificando a nossa posição de meros leitores de uma certa e vasta produção que chega até nós, de traduções de escritoras eslavas a textos que falam das ”Estradas de chão, violas, bandeiras / Terra de Tom, Tonico e Tião”.

Uma boa leitura a todos.

Zeh Gustavo: Cuidado: há um sambista na porta lateral!

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Jards, o Macalé, já cantarolou: há um morcego, há um abismo na porta principal. Pega o fio: aos 15 anos nasci, sob o céu alaranjado da Gothan City literária, já desguiando para a música, para a roda de samba. E assim a margeei — por exemplo, publicando livros sem torná-los de fato públicos, essas especialidades do ramo! —, com a dignidade de um penetra convicto ao se dirigir sorrateiro à cozinha da festa de bacana atrás de um gole de conhaque. Ora me apresento, entortando Macala: há um sambista na porta lateral da literatura! E dela para a p. 5 deste RelevO — mandato curto, passa já!

Mó responsa: quem há de superar a verve bem urdida e humorada que faz da prosa da Amanda Vital, ombudswoman que sucedo, poema-crônica deste tempo tão certinho das ideias como o Simão Bacamarte do Machadão? Prometo tentar não ser mala, atributo honorável para todo escriba, mas vamolá: quantos textos literários citam um samba, um sambista sequer? De orelhada, recordo o João Antônio com seu Guardador dedicado a Cartola, livremente inspirado no episódio em que Stanislaw Ponte Preta encontra o vate de Mangueira a lavar carros na lindona Ipanema das bo$$as.

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Ao inaugurar este ombudsdito, na música me apoio para me acercar de palavras que dizem das de outrem, ante o diverso corpus textual de cada edição. E assim vumos diretos pra delegacia (bença, João da Baiana!) tratar da de dezembro e da parte que me cabe, neste literafúndio (ui!): a ilustra de Gilberto Marques nos fita, olhos cerrados, a se perfilar entre a arte cega que seria a expressão máxima do desenho posta a dialogar com a rasura da memória, como sustentou Derrida. Bolívar Escobar dá rasante sobre a história do pensamento pegando de mote… uns memes clássicos! E eu achei bonito, viu? Também jogo no time da não metafísica.

O relato de Gumbrecht, em tradução de Bellin, sobre seu almoço com Foucault evoca a (des)graça dos encontros que morrem no quase da expectativa com que se forjaram. O que se teria sucedido de nossas vidinhas se eles vingassem, os danados? Não sei você, leitor(a) — eu fujo das desinências neutras, sobram-lhes bons intentos, falta-lhes musicalidade e a mim, ainda, a crença de que tornam melhor o mundo do deus Algoritmo e do sushi como área de interesse no Tinder —, mas vi tristeza, ainda, nas sugestões niilisterárias de Lucio Carvalho (juro caçava um delirium tremens se lesse um livro ilustrado por selfies!); e no Waltel milionário do ritmo de Felippe Aníbal. Ou seria amargura, termo em desuso? Aliás, amor e paixão, sei lá também, viu, Giovana Erthal, vale entrar na fila? Lacrar, na rede, cagando regra de relacionamento tem dado mais like, mormente se o relacionamento for do eu para com ele mesmo, o que a literatura médica anterior à pós-contemporaneidade sempre considerou como esquizofrenia. Vale também ouvir e cantar pagonejos em seitas comandadas por DJs. Ah, misturo tudo mesmo e, como reza o anúncio-manifesto da cZara: Foda-se o frete, camarada! Aqui é pirataria, embora eu ainda compre e (pouco) abandone livro pela meiuca, Enclave! O espaço vai curto: teve ainda poema (bem) ornado por Maria Joanna; Mylena Queiroz em tom ensaístico a discorrer dos recadeiros da terra Nego Bispo e Conselheiro; e Mistral fechando no duro do poético uma edição que flertou bastante com a aridez.

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Música — sentido-algo a que o velho Schopa se apegou a fim de nomear o mistério maior das coisas. Meu amor é bifurcado como o título do último Jards: poesia & música — se bem amalgamadinhas, hum… Sigamos a errar o (com)passo, próxima edição, Carnaval a vir?

2024: ficção de que começa alguma coisa

Editorial extraído da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Um periódico impresso e de literatura: não precisamos nos alongar muito sobre o pressuposto de esta ser uma forma duvidosa de lidar com a presença e a contemporaneidade. Um jeito arredio que esconde, quem sabe, uma forma de preservar as memórias e de fugir da cultura do registro-pelo-registro. Pode não ser nada disso, e estamos apenas a empilhar textos ou justificar uma continuidade tal qual um colecionador de coçadores de costas, DVDs ou cadeiras em miniatura.

A síntese é: temos uma relação sincronizada com o tempo. Entre os dias 20 e 24 de cada mês, selecionamos os textos da próxima edição. Todo dia 25, nos mantemos nos preparativos técnicos, aquilo que chamamos de fechamento editorial. Dia 26… Temos que estar com a gráfica em dia. Entre 27 e 29, o Jornal tem de ir para a impressão. No primeiro dia útil do mês, Correios. Em 2023, apenas duas edições não respeitaram essa dinâmica: março e novembro (a última, por conta do feriado). As edições não são enviadas depois do dia 4 há mais de três anos.

Para que a nossa linha fina de atividades funcione, não podemos passar um dia útil sem arrecadar com assinantes e anunciantes. Mais do que um relógio, precisamos ser uma pequena caixa registradora literária. Para seguir a esteira que corremos regularmente, especializamo-nos em aprimorar etapas e nos tornamos obcecados por procedimentos. Em termos psicológicos, talvez sejamos um Jornal em mania. E 2023 foi um desafio tremendo-tremendo para a nossa forma de articular o caos natural do mundo.

Tivemos prejuízo em sete dos 12 meses do ano. Em números mais diretos, o RelevO caiu de 1.020 assinantes em dezembro de 2022 para 920 em janeiro de 2024. Especulamos diversas justificativas ao longo do ano passado e acreditamos que não seja propriamente uma punição editorial. Temos produtos gratuitos, como a Enclave e a Latitudes, com shares muito bons, ao passo que os retornos de quem nos escreve ou segue nos assinando nos mobiliza para seguir fazendo o Jornal com os conteúdos de que gostamos.

Muitos dos assinantes que não renovaram conosco seguem consumindo nossas newsletters e até compartilhando esses materiais, o que nos leva a uma reflexão constante sobre o nosso modelo de negócio. Se fazemos conteúdos que interessam ao nosso público digital da base do Substack (aproximadamente 7 mil), mas não conseguimos assinaturas para o impresso — que paga nossas contas e os produtos editoriais que produzimos —, o que faremos se perdermos mais 100 assinantes em 2024?

Lógico que reconhecemos o RelevO como um periódico cabeça-dura: não arrecadamos dinheiro público; não vendemos espaço editorial; recusamos três propostas recentes do mercado de apostas on-line; temos um senso de humor estranho; não casamos assinatura com publicação de autor (aqui no gênero certo mesmo, pois 100% dos casos são homens)… Ainda assim, seguimos e conseguimos isso graças a uma base sólida de assinantes e anunciantes. Essa base segue nos apoiando, investindo, distribuindo e fazendo o Jornal atingir sua natureza essencial: chegar em leitores de literatura.

Em 2024, estaremos mais presentes em feiras e festivais. Ampliaremos a cobertura da Latitudes, que também trará notícias deste circuito de feiras e festivais. Produziremos mais conteúdo especial para o site. Abriremos a nossa lojinha, com produtos como camisetas, canecas e bolsas personalizadas. Tudo isso precisa muito do assinante do impresso, o nosso carro-chefe logístico, responsável por garantir a continuidade de nossas atividades. Estamos otimistas.

Uma boa leitura a todos.

Amanda Vital: Ombudswoman 12: é hora de dar tchau :(

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Car_s leitor_s, uma hora tinha que acabar, né? Quer dizer, ficar um ano aqui abancada no mesmo espaço, a bunda começa a doer, a perna prende a circulação, as costas começam a travar, essas coisas de velho.

Chega ao fim minha temporada enquanto ombudswoman do RelevO (e fiquei até um pouco mais do que o plano inicial, pela alegria minha — e espero que vossa também). Que os textos aqui publicados nesse período tenham divertido um pouco mais a rotina de vocês, querido leitor, querida leitora. Que me perdoem pelos textos ácidos a mais ou bonzinhos a mais (ou a menos, em ambos). Que me perdoem pelos textos mais fraquinhos, que sei que fiz. Que tenham sido úteis as pequenas anotações, os comentários, as resenhas, as opiniões. Obrigada pelos retornos, pelas mensagens enviadas inbox, pelas críticas & elogios & reclamações publicadas no correio dos leitores.

Não sei escrever despedidas, não. Hoje, por fim, não vai ter textão.

Eu só agradeço muito mesmo a oportunidade.

Ao Nuno Rau [ombudsman anterior], ao editor Daniel Zanella, à equipe toda do RelevO e sobretudo a vocês.

Obrigada pela estadia leve e muito querida.

Da redação: A partir da edição de janeiro, o espaço de ombudsman será preenchido pelo escritor, compositor, cantor e ativista cultural Zeh Gustavo. Também é mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2020) e licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2000).

Inesperadamente, leitores

Editorial extraído da edição de dezembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Novembro foi um mês movimentado — e nem compramos um Playstation na Black Friday. Comparecemos à Flip com uma edição especial do RelevO, em parceria com a Casa Queer. Fomos — editor e editor-assistente — na noite da quarta-feira (22), incomodados por Fluminense e São Paulo na rádio. Entre a visão comprometida pela neblina e jatos de água proporcionados por caminhões, chegamos em Paraty na quinta de manhã, após nove horas praticamente ininterruptas de deslo(u)camento, um tanto anestesiados pela breve passagem por um Graal Route Café NYC Market, na Rodovia Presidente Dutra.

Logo ao entrar no Rio de Janeiro, amaldiçoamos Paraty com a energia soturna do RelevO, fazendo a luz da cidade (inteira) acabar na nossa primeira noite. Tentamos, em um ato de ligeiro desespero, ir para outra cidade em busca de suprimentos e de um pouco de energia elétrica (difícil ler jornal em uma noite sem luz…), porém apenas estendemos nosso contato com a chuva. Na sexta-feira, circulamos, distribuímos exemplares (mais de 5 mil) e experimentamos o café com whey gratuito na Casa Folha. E cachaça. Voltamos para casa projetando uma circulação mais pujante para uma edição 2024 na FLIP.

Para o futuro próximo, precisamos/queremos participar mais das feiras e festivais de literatura. Além da distribuição direcionada a bibliotecas, pontos culturais e espaços de promoção da leitura – hoje enviamos para cerca de 200 pontos de forma gratuita e financiada pelos nossos assinantes –, entendemos que o público-alvo de tais eventos pode alçar o RelevO a um novo patamar de envolvimento com seus leitores. [Quem é o nosso leitor ideal? Aquele que entra em um texto sem pré-julgamentos, potencialmente curioso, sobretudo, gosta de ler e se divertir.] Também acreditamos que a distribuição direcionada pode ser de alta valia para os nossos anunciantes, que demonstraram engajamento financeiro a ponto de pensarmos em novas edições temáticas, para desolação dos designers e diagramadores do periódico.

Feiras e eventos, em geral, são bastante benéficos ao RelevO (e a qualquer pequeno comerciante que descobre seu nicho). Afinal, a probabilidade é muito maior de encontrarmos interessados na assinatura em qualquer aglomeração de leitores, escritores e editores do que batendo de porta em porta (física ou digital). Para tanto, naturalmente, precisamos de orçamento, de ações regulares de captação de recursos e do posterior custeio da logística. Ao menos, temos uma certeza: o RelevO sabe ser regular (regular!) e certamente podemos interessar àqueles que queiram seus projetos, livros, textos, editoras circulando no público que está atrás de algo para dizer “fui”, entre uma estranha bebida láctea gratuita e uma queda de energia. Também não desconsideramos o Jornal como substituto (ineficaz) do guarda-chuva.

Uma boa leitura a todos.

Amanda Vital: Ombudswoman 11: “The Chocolate Agenda” — o que a grande mídia não quer que você saiba!

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.

“Tabacaria”, Álvaro de Campos (sim, este é do Álvaro, maltinha, Álvaro que tem o mesmo focinho do Pessoa, mas nãaaao atribuam ao Pessoa, é Ál-va-ro, tá-se bem?)

Car_s leitor_s, a coluna desse mês vai ser totalmente voltada para denunciar o propagandismo da curadoria do RelevO da edição passada para a venda de seu novo produto, o Chocolate RelevO, lançado no mês passado. Tenho provas o suficiente para mostrar que todos — sim, absolutamente todos — os textos foram selecionados a dedo para incentivar a venda casada, que, aliás, é crime no Brasil. Fazendo um trabalho de trincheiras, busquei o que a grande mídia não mostra, o fio de cabelo em ovo, o conspirac-, quer dizer, os “olhos de ver”, acordados e muito bem acordados. Vamos a isso.

Começo por “Questão de vestibular”, literatura-múltipla-escolha de Marco Aurélio de Souza, pulando a seção de carta dos leitores, que é claro que não deixou de publicar uma quantidade absurda de comentários relacionados à venda do chocolate. O que múltipla escolha nos lembra? Enem, é claro. Vestibular, para ser mais precisa, e para ornar com o título atribuído ao texto. O que levamos para a prova de vestibular? Caneta preta, sim. RG, total. Uma garrafinha d’água? Convém. Mais mais do que isso: levamos chocolate. Há uma psicologia do consumidor (e do consumo — do chocolate, claro) atirada para os leitores logo à primeira vista, preparando o ambiente para o que mais vem por aí. Isso é jogada de mestre, vamos concordar, né? E começamos jovens, vestibulandos, acabadinhos de sair das fraldas. No começo do vício.

Depois entra “O amor”, de Maurício Porto. Ora, novamente a curadoria entra na mente de quem lê. O amor também pode ser f*dido. Com isso, recorremos a todas as benditas desgraças, para nos desgraçarmos ainda mais; entre elas, o álcool. E a menção a whiskies, que vão bem com chocolate, faz com que o leitor fique predisposto a buscar um acompanhamento rápido para um bom conto. Uma caixa de bombons com uma boa garrafa de destilado? Não há melhor. Na fossa, então…

A crônica da Maria Eugênia Moreira segue a mesma coisa: a autora traz à tona a questão dos supermercados da rede Oxxo, estilo Dia, que é onde costumamos fazer compras pequenas; dentre elas? Sim, o chocolate. A nossa mente vai quase de maneira automática no corredor dos doces e batatinhas, sentimos a mão alcançando, entre aquelas barras quebradas de chocolate barato e duvidoso, alguma que esteja minimamente inteira. O cenário trash da crônica descreve e ambienta super bem essa procura. E o estômago ronca, estranhamente ronca.

“Novíssimos paraísos artificiais” é a reportagem especial do RelevO do mês passado, que, é claro, como todo bom vendedor, veste-se da causa ambientalista apenas para fingir que o produto é sério e preocupado com os rumos que o planeta está tomando, deixando a publicidade bem nas entrelinhas. O “Novíssimos paraísos artificiais” é o blue money da imagem boazinha e limpa, anti-monstros-capitalistas, de quem acaba de lançar um chocolate ao mercado e não quer ser confundido com charlatães. Mas sendo.

E sobrou até para a própria Enclave, mãe do céu, uma coluna tão séria, tão perfeitamente bem escrita sempre… Precisava mesmo mencionar alguma parte do trabalho de Fischer na busca de João Gilberto, algum recorte que seja, voltado apenas para aguçar o apetite? E foi logo de um diálogo com Garrincha, garçom do restaurante preferido. Ora, o que se come depois de um bom prato? João Gilberto não pedia sobremesa, mas você pode pedir!

Agora, qual não é a minha surpresa quando viro a página e, tcharam!: além d’O Grito, mais um texto sobre supermercados… Pois é. Dessa vez maior e mais esmiuçado, com deliberações (bem interessantes) sobre a organização dos corredores e do carrinho de compras, chegando ao fim do jornal e fazendo aquela última tentativa de despertar o apetite e levar as mãos à carteira para comprar besteiras. Percebem a sutileza? É uma linearidade do mal essa. Do senhorzinho gordinho de suspensórios e bigodudo que te quer vender o seguro de um carro que você não tem!

Até a crônica tão leve de Rodrigo Madeira tem sua porção de culpa no cartório. Primeiro porque é um texto doce, docinho. Segundo, porque de tão leve, mas tão leve, cria pequenas perninhas de palitos de pirulito e vai caminhando pela cidade qual flâneur. E o leitor também cria suas perninhas e fica achando que está não só leve, mas doce, docinho. Acho que não preciso falar mais nada, né?

Mas sabem que com poesia a coisa fica um pouco mais complicada, que esses poetas são qualquer coisa de enigmáticos, hieroglíficos, ai, são tão pseudo! Mas consigo ver, no poema de Liana Timm, dois elementos: o sexo (que sim, pode exigir um chocolatinho em cima do travesseiro) e o pós-sexo (que sim, pode exigir um chocolatinho embaixo do travesseiro).

O mesmo com a tradução de Bernardo Antônio Beledeli Perin de “The woman who could not live with her faulty heart”, de Margaret Atwood. Ora, bate na minha cara com esse trecho: “Mas a maioria deles diz quero, quero, quero”. Vê se não cheira a propaganda. Tem cheiro de agenda. Tem ar de propaganda do Baton dos anos 80. Tem tom de letrinha miúda.

Por fim, logo o texto antes da página publicitária em si, a página final, que fecha todo esse grande complô, é um poema de Guímel Bilac. Não vou dizer da menção às cervejas, porque não combina, não. É da gana do leitor terminar querendo mais. E é claro que a venda casada se concretiza aí: o poema nos é apresentado como “que intrigante, quero ler mais dessa pessoa”, e pimba! Toma-lhe página publicitária do chocolate. Meu amigo. Se isso não é venda casada 101, eu não sei mais o que é.

E coitada da Ana C., que ficou na contracapa. “Costa com costa” com a propaganda e não tem nada a ver com isso.

Uma curiosidade, já agora no fim, que fui verificar: a palavra “chocolate” foi repetida 17 vezes no RelevO da edição passada. 17 ocorrências. Provavelmente, só nesse texto, também há 17 ocorrências. Mas isso não vem ao caso, ou vem?

Mas olha que essa coisa toda e eu não levava nada a mal que um certo editor mui nobremente me mandasse uma barrinha do chocolate novo. Na verdade, esse texto todo é só para pedir que me mande uma.

*

No mais, car_s leitor_s: comam chocolates, pequen_s, comam chocolates. Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates! Mas se não quiser, não precisa.

Fora do centro, fora do clube

Editorial extraído da edição de novembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Jacarezinho (PR) — O RelevO nunca foi um periódico curitibano. Nem araucariense, relembrando os anos todos do publisher nesta intrigante cidade da Região Metropolitana de Curitiba, pouco reconhecida por seus aparelhos culturais e mais lembrada por ter uma sede da Petrobras e por seus prefeitos, digamos, singulares. Não somos um jornal brasileiro, que defende a importância da literatura do País. Em suma, não existimos para exaltar uma cidade, um povo, um grupo, uma associação. Talvez o Totti.

Como você pode imaginar, não abraçar um clube tem suas vantagens, como independência editorial, falta de elogios públicos a autores medíocres, ausência em eventos aborrecedores apenas pela política de boa frequência entre pares. Por outro lado, também são evidentes as desvantagens. Nos eventos de representação do que é o meio literário local, como festivais e feiras, por exemplo, o RelevO não existe — não é chamado sequer para ser plateia. Não temos amigos no meio.

Tais constatações nos trazem certa serenidade ou alívio. Verificamos o nosso trabalho melhor fora da aldeia do que no nosso centro, pegando o referencial de o centro ser onde estamos, não necessariamente o que nos gera pertencimento. Em eventos fora de Curitiba, o RelevO se materializa mais como aquilo que realmente pretende ser: um periódico múltiplo, com um pezinho simbólico no anarquismo, descompromissado com os feirantes, ofensivo porém carinhoso. Fora de nosso habitat, somos quem almejamos ser.

Não é novidade intelectual que as avaliações entre pares são dadas à corrupção, e isso vale para honrarias diversas. Ganhar o prêmio de Filho do Ano por parte da própria mãe não é mais que obrigação. Ser lido e estudado em uma obscura universidade da Finlândia, por outro lado, é muito mais interessante porque podemos notar ali, quem sabe, a não existência de amarras dos jogos entre pares. Por que esses japoneses de Glasgow estão lendo a literatura negra brasileira do Cariri? Isso sim é elogio.

Evidentemente, não somos o Filho do Ano, tampouco fazemos boas viagens internacionais. Ninguém estuda o Jornal — provavelmente. Nosso mood é embarcar em ônibus às 23h55 de sexta-feira para chegar num Encontro de Editores às 7h de um sábado de fechamento de edição. E como isso impacta você, leitor ou escritor?

Por não fazermos parte de nenhuma seita, conluio de herdeiros ou vestiário masculino com sobrenomes imponentes, publicamos aquilo de que realmente gostamos. Não conhecemos pessoalmente 90% dos autores e autoras publicadas em nossas páginas e, via de regra, não temos esse interesse (das nossas orientações para publicação: “Não há necessidade de enviar minibiografias [ou biografias inteiras]. Queremos saber o mínimo possível sobre o autor e/ou suas titulações.”). Se você está em Jacarezinho (PR) ou São Paulo (SP) escrevendo uma crônica banal, o que importa para nós é como uma palavra está conectada à outra. Não nos interessa a alcunha do escritor local, e sim o indivíduo que escreve em seu local.

O RelevO tem, acredite, um DNA de oposição aos grupos. Nossa equipe – praticamente inalterada desde 2018 – não passa de seis pessoas. Gostamos de ser assim, da paz da solidão, de conhecer pessoas sem necessidades de contrapartidas. Portanto, escreva para nós, assine nosso periódico… antes que façamos uma edição especial Maravilhas de Quatro Barras (mas lá é bonito mesmo).

Uma boa leitura a todos.

Amanda Vital: Ombudswoman 10: otimismo

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


De: julia_escritoriodeadvogadocomsobrenomeitaliano@hotmail.com

Para: claudia_editoradenomemuitocool@gmail.com

Assunto: Um favorzinho de amiga! rs

Oi, Claudinhaaaaa! Tudo bem, meu amor?

Aqui é a Júlia, lembra de mim? A galera me chamava de “Julinha Melancia”, estudei com você no Ensino Médio! Eu gostava demais de você, sempre admirei muito sua inteligência e dedicação! Fiquei sabendo que você é editora de livros agora, muito chique, viu? Imagina só, a menina que nunca ia nos churras no Terceirão para ficar em casa estudando, floresceu e virou editora! Eu fiquei surpresa que você não virou diplomata, achei que ia ver minha amiga Claudinha em uma embaixada hoje em dia! Mas a vida tem dessas coisas, né? Fico feliz que você tenha se descoberto na sua área! Nada é por acaso!

Bom, agora vamos às minhas novidades: eu fui para o Direito mesmo, descobri que a advocacia é minha paixão! Trabalho no escritório do meu pai, você chegou a conhecer ele, né? Eu levava muitas meninas lá da sala pra casa depois da aula, certezaaaa que você tava nesse meio também!!! rsrsrs, segui os passos da família, tenho um legado para manter por ser filha única, né? Mas claro, sempre com muito suor e muuuito trabalho! Nunca foi fácil, sempre foi Deus, a gente sabe como é árdua a caminhada, né?

Claudinha, adivinha só… me descobri poetisa! Acredita que um amigo meu do escritório leu os textos de motivação que eu publico no meu Insta e me falou que eu dava jeito para a escrita também? Imagina, logo eu que odiava literatura e redação! rsrs Aí ele me encorajou a mandar algumas poesias para publicar e eu lembrei da minha amiga tão querida que trabalha na área! Tenho que comprar alguns livros da sua editora, eu li alguns livros, mas são mais best-seller mesmo, confesso que não sou grande leitora, você lembra, né? Mas agora que ele plantou essa sementinha na minha cabeça, eu preciso regar, né? Se não não floresce, você que é empreendedora acima de editora, sabe como é!

Linda, então eu estou te mandando o meu livro lindo, meu orgulho! Batizei o meu filhote de Flores da Julinha, achei o nome muito delicado! Minhas poesias são mais positivas, para dar um tom de otimismo entre os livros que eu vi que você tem publicado, que são um pouquinho mais pro sombrio e pro triste, né? Fiquei até um pouco preocupada e quis juntar o útil ao agradável, pensei que eu poderia trazer uma gotinha de felicidade e otimismo para minha querida amiga Claudinha! Pra trabalhar com um sorriso no rosto! Você vai gostar muito do meu livro!

Ah, aí entra a parte do favorzinho: eu tô totalmente lisaaaa no momento! rs Será que você pode cogitar a publicação gratuita? Sei que muitas editoras fazem isso, então por favoooor! Quebra essa pra gente? Vou ficar te aguardando!

Um beijo grandeee, minha flor, podíamos combinar alguma coisinha, né? Eu gosto muito de ir pro Villa Mix! Podíamos combinar uma baladinha um dia desses, imagina eu ver a minha amigona Claudinha de vestido e salto pela primeira vez! Hahaha, babadoooo!

Anexos:

original-floresdajulinha.docx

foto-eu-linda-na-praia.jpg

orelha-do-meu-unico-amigo-minimamente-intelectual.docx

imagem-horrenda-e-minúscula-toda-pixelizada-para-colocar-na-capa.jpg

Enviado do meu iPhone

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De: claudia_editoradenomemuitocool@gmail.com

Para: julia_escritoriodeadvogadocomsobrenomeitaliano@hotmail.com

Assunto: RE: Um favorzinho de amiga! Rs

Oi, Júlia, tudo bem?

Que surpresa em ter você escrevendo para mim, na verdade… Acho que a última recordação que eu tenho é de você sabotando o meu caderno. Mas bom saber que está tudo bem.

Peço imensas desculpas, mas depois de uma leitura cuidadosa e atenta, não vai ser possível publicar o seu original. Seu livro tem uma proposta diferente do que a gente costuma publicar e pode não funcionar com o nosso catálogo, com a nossa linha editorial e com o nosso círculo de leitores mais fieis.

Mas estou à disposição para sugerir outras editoras — ou até mesmo uma gráfica, para você fazer alguma edição do autor, se for da sua vontade.

Tudo de bom para você e para o seu livro.

Atenciosamente,

Cláudia

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De: julia_escritoriodeadvogadocomsobrenomeitaliano@hotmail.com

Para: claudia_editoradenomemuitocool@gmail.com

Assunto: RE: RE: Um favorzinho de amiga! rs

Nossa, Claudinha!!! Inacreditável a grosseria da sua resposta! Te escrevi uma mensagem toda atenciosa e você me veio com essa? Você se tornou uma pessoa muito amarga e tá puxando sua editora pro buraco junto com você, viu??? Grossa, mesmo!!!

Ah, querida!!! rs Sinto muito dizer, mas você perdeu uma excelente oportunidade de publicar uma poetisa promissora! Quando eu for internacionalmente conhecida (e vou ser, porque sou uma pessoa muito focada, e guardo rancor, viu? rsrs), você vai se arrepender de ter recusado meu livro por motivos pessoais que só existem na sua cabeça!!! Eu e as meninas éramos pessoas sempre super abertas para amizades, você é que se excluía quando a gente fazia uma piadinha ou outra totalmente inofensiva! Era divertido, você é que não ria com a gente!

Agora era só o que faltava! rs Deitar a lenha nas minhas poesias! Sabe quantos seguidores eu tenho no Insta??? Eu tava te fazendo um FAVOR, te proporcionando materiais ótimos para você publicar coisas mais bonitas nessa editorazinha mequetrefe que só publica autores que ninguém nunca ouviu falar, rs! E eu achando que eu é que estava te pedindo um favor, descobri que você publica os livros de graça! E a capa, poxa, eu mandei praticamente pronta para você, a imagem estava anexa, era só apagar a marca d’água, colocar na capa e mandar imprimir!!! Não tem trabalho mais fácil do que o seu!

Eu sou uma possível cliente que ia te dar livros novos todo o ano, ENORMES inclusive, e é assim que você me trata? Ridícula! Espero que vá a falência!

Enviado do meu iPhone __________________

De: claudia_editoradenomemuitocool@gmail.com

Para: julia_escritoriodeadvogadocomsobrenomeitaliano@hotmail.com

Assunto: RE: RE: RE: Um favorzinho de amiga! Rs Júlia, por favor, não me escreva novamente. Atenciosamente, Cláudia

Sonho de uma noite de cacau

Editorial extraído da edição de outubro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Conforme antecipamos a quem nos assina no Substack, estamos fazendo um chocolate. Entre tantas piadas, absurdos e asneiras já publicadas neste espaço, essa é seríssima.

“Fazer um chocolate”, na verdade, não é a descrição justa: estamos vendendo um chocolate. Obviamente, não temos a capacidade de fazer um chocolate, ou ao menos um que teríamos coragem de comercializar. Trata-se de um produto da Utopia Tropical, aqui de Curitiba, com a nossa embalagem. Uma bela embalagem, por sinal, desenhada pelo amigo Bolívar Escobar, num belíssimo chocolate (72% cacau, medalha de prata na International Chocolate Awards de 2023).

O lançamento culminará num evento aberto ao público, também em Curitiba. Teremos música, chopp, drinks, ecobags, carimbos, Edição de Colecionador, etc. Se você ler a tempo, está plenamente convidado, com ou sem chocolate. Os detalhes estão logo abaixo, e qualquer um pode reservar sua(s) barra(s) desde já.

Aos poucos, extrapolamos a esfera do papel para cavucar outros delírios. O chocolate e o evento serão um ótimo teste para entendermos os limites da nossa comunidade e da nossa capacidade de mobilizar nossos assinantes – aqueles que, mês após mês, ano após ano, permitem a existência do Jornal.

Trata-se de um desafio, de uma fuga da zona de conforto e, por isso mesmo, também uma oportunidade. Estamos animados e com algum frio na barriga. Gostaríamos de não fracassar (diante da nossa estimativa modesta de sucesso e fracasso) e temos pessoas muito competentes nos auxiliando.

Se você quiser apoiar este ou outros delírios, considere comprar nosso chocolate – que é, sem sombra de dúvidas, muito bom e muito bonito – e/ou comparecer à nossa festa. Queremos proporcionar uma tarde agradável e uma noite promissora. Para tanto, prometemos nos esforçar. Também nos assine ou siga nos assinando. Seguimos na sina de ser jornal e de papel, acompanhando um café da manhã, um tablete de chocolate na mesa.

Amanda Vital: Ombudswoman 9: nômades digitais

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


— E a menina trabalha?

— Trabalho sim senhor, todos os dias. Estou trabalhando agora mesmo.

— Mas no que trabalha?

— Eu sou assistente editorial em uma editora brasileira.

— Então está cá temporariamente?

— Não, eu moro aqui em Portugal, mesmo. Já vai fazer uns quatro anos.

— E como é que trabalha para uma editora brasileira?

— Por trabalho remoto. Faço tudo pelo computador.

— Ah! É como os nómadas digitais?

— Não, não é como os nômades digitais.

— Como não?!

— É que esse tipo de trabalho que eu faço sempre foi pelo computador. Quer dizer… pelo menos nos tempos digitais, informáticos.

— Pois então! É nómada digital.

— Mas eu não sou.

— Trabalha em outro país e pode fazer tudo pelo computador? É nómada digital, sim.

— Mas não sou. Eu não tenho o estilo de vida do nômade digital.

— Que estilo de vida?

— Sei lá. Supergentrificar países, comprar trocentas casas e terrenos ao preço da chuva e cobrar aluguéis caríssimos, não contribuir com a economia local?

— Mas o nómada digital não precisa necessariamente fazer isso. Até tenho um amigo britânico que…

— Foi só um exemplo.

— Ainda acho que a senhora é nómada digital.

— Não sou, não. Eu nem tenho o visto para nômades digitais!

— Mas muitos não têm! Esse meu amigo não tem.

— Ele pode pedir.

— E a menina, não?

— Não, eu não posso, porque eu não sou nômade digital.

— E o que é que a desqualifica enquanto nómada digital?

— Minha renda mensal é inferior à quantidade mínima de euros que os serviços pedem.

— Mas isso é o valor estimado. Acho que eles aceitam mesmo assim.

— Mas eu não sou nômade digital, senhor.

— Ainda acho que é nómada digital.

— Eu não trabalho no que os nômades digitais costumam trabalhar.

— E no que eles trabalham?

— Não sei bem ao certo, para falar a verdade. No que esse seu amigo trabalha?

— Ele explicou-me uma vez. Não me recordo.

— Pois então. Acho que há trabalho remoto que se qualifica como nômade digital e outros que não.

— Mas ele mexe com o computador assim como você.

— Mas há muito poucos assistentes editoriais, senhor. Não somos assim tantos. E ele pode mexer no computador com, sei lá, programação. Processamento de dados. Essas coisas.

— E o seu não é esse coiso?

— Não, não é.

— A menina está aí com planilha aberta, e-mail aberto… isso é tanga. Faz o mesmo que o meu amigo.

— Olha aqui um livro aberto em PDF. Ele abre livros no computador?

— Por acaso não.

— Então. São coisas diferentes.

— E esses livros aí são virtuais? E-book?

— Não, a maioria vai só para impressão. Esse aqui não vai ter e-book.

— E imprime cá?

— Não mando imprimir, eu só verifico tudo para ir para a gráfica. Eles é que imprimem lá no Brasil.

— Então seu trabalho é só virtual. Digital. É nómada digital, vê?!

— Mas que mania! Eu não sou nômade digital. Para ser “nômade” eu precisava morar em mais de um lugar. Eu só vim do Brasil para cá.

— A menina migrou. É nómada, é.

— Mas eu nem vim a trabalho, vim estudar! Eu só quis ficar aqui depois dos estudos, só! Acho que o nômade tem essa coisa de ter contrato para trabalhar nos lugares específicos, não?

— Não. Esse meu primo não tem isso, não.

— Afinal, ele é primo ou amigo?

— É os dois. A menina é nómada e ponto. E que há de mal nisso?

— Eu não sou neoliberal para ser nômade digital. Não quero ser confundida com um neoliberal.

— Mas que eu saiba não tem nada a ver com política. Vocês, também, a meter a política em tudo… — Tem razão. Me desculpe.

— Estrangeira, ainda por cima. É nómada, é.

— Eu sei lá, eu… olha, não tenho o Instagram de um nômade digital.

— E como é o Instagram de um nómada digital?

— Ah, tipo… cheio de fotos de viagem. Comida chique. Gente saradona.

— Nada, essas pessoas estão nos cafés a trabalhar. O meu vizinho não faz isso do Instagram.

— Mas ele não era seu…? Ah, deixa estar. Olha, pode ser, mas eu tenho que estar ativa para o trabalho o dia todo. Os nómadas têm metas e essas coisas.

— Mas se terminam cedo, podem usufruir dos momentos de lazer. Já vi a menina a fazer isso.

— É claro que eu faço. Mas eu não sou nômade! Eu não sou neoliberal!

— Não é sobre política!

— Tá bem, tá bem! Fogo!!!

— Ai, que disparate!

— O senhor não para de me encher o saco com isso.

— Por que é que está tão nervosa?

— Porque eu não sou nômade digital. E nem quero ser.

— Se a menina não queria ser chamada de nómada digital, era só dizer.

— E faria alguma diferença? Tiraria isso da cabeça?

— Não. Eu estaria a mentir para si.

— Olha, senhor, eu não sou responsável pelo aumento do preço da habitação de Lisboa. Eu moro de favor, inclusive. Não tenho um MacBook nem um iPhone. Essas coisas, sei lá.

— Mas nem todo nómada… até tenho um colega que…

— Ah, não. De novo, não.

14

Editorial extraído da edição de setembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


A vida financeira do RelevO é dividida em quatro faixas. Por meio delas, estabelecemos metas de arrecadação, partindo do 1º dia do mês até a última semana – quando imprimimos o Jornal. Com este controle, conseguimos observar as quedas de arrecadação e os períodos de maior fluxo de caixa.

Ter um controle básico de entradas e saídas nos permite averiguar meses mais complicados e outros mais tranquilos, quando até podemos colocar contas em dia com antecedência ou planejar o aumento de tiragem. 2023 tem sido um ano mais complicado, apesar do cenário mais otimista previsto no início do ano.

Temos muitas especulações possíveis a respeito das dificuldades financeiras pelas quais passamos — e já falamos sobre isso diversas vezes, sob o risco reconhecido de sermos repetitivos. Contudo, queremos trazer um novo aspecto dessa faceta administrativa que tanto nos suga energia: a nossa falta de causa.

O RelevO, como alega nosso projeto editorial, não é financiado por nenhum partido, nenhum banco, nenhum coletivo literário ou grupo que resolveu ter um Jornal pra chamar de seu. Muito menos algum herdeiro entediado, infelizmente (se você é um, entre em contato conosco – não estamos brincando!).

Os motivos do nosso surgimento não são necessariamente nobres: vontade de ler; vontade de escrever (menos); vontade de encontrar diversão num mundo com tédio, mas sem herança. Será a falta de um propósito mais elevado a principal razão para causamos menos interesse quando estamos em dificuldades?

Seguindo a mesma lógica, mas pela rota contrária: será que as pessoas têm menos propensão a “ajudar” em comparação com participar de uma campanha vitoriosa? Isto é, se mascarássemos nossa contabilidade e concentrássemos nossas forças em parecer muito legais, um projeto mega impactante, será que conseguiríamos apelar para o “FOMO” de cada um? Quem quer financiar uma barca furada?

São perguntas honestas, não retóricas. Se tivéssemos as respostas, pouparíamos todos nós (como dito, não gostamos tanto assim de escrever). Sem muita paciência para estratégias, métricas, indicadores, buzz, conversão, leads, lead magnets, lides (“f*d*-se que a Britney Spears tá grávida de um cavalo”), metas, redes sociais em geral e, basicamente, qualquer coisa que permita alimentar a doença do crescimento na nossa realidade, seguimos assim. Isto é, com organização e disciplina, mas sempre meio à deriva. Os instrumentos são baratos e improvisados, mas familiares. Produzem melodia. Acompanhamos o baixista e nos viramos. Quando as luzes se apagarem e o bar fechar, não insistiremos. Ninguém vai se jogar no chão e espernear. Em 14 anos de existência, conseguimos evitar o proselitismo e a demagogia. Também conseguimos nos divertir. Parafraseando Paulo Leminski – o que, incrível e ironicamente, talvez nunca tenha acontecido nesse jornal de alma e CEP curitibanos –, isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar ao buraco. Uma boa leitura a todos.

Amanda Vital: Ombudswoman 8: pela liberdade de sermos “burrinh_s”

Coluna de ombudsman extraída da edição agosto de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Só a inocência e a ignorância são

Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?

Que é ser sem no saber? Ser, como a pedra,

Um lugar, nada mais.

“Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa.

(Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa). Lisboa: Ática, 1952

— Tudo o que eu vou fazer tá errado. Tudo o que eu faço tá errado (3x). Tudo o que eu penso tá errado. Tudo o que eu faço tá errado. Se eu faço isso, tá errado. Se eu faço aquilo, tá errado. Se eu converso com Fulano, tá errado. Se eu pego esse trem aqui, tá errado. Se eu fecho a porta, tá errado. Se eu converso com o outro, tá errado. Se eu converso com outra pessoa, tá errado. Tudo tá errado. Fala o que é que eu acertei até hoje? Nada. Nada.

— Inclusive esse momento agora, eu acho que você tá errado.

Caio e Rodolfo, BBB21

Car_s leitor_s, a literatura é uma coisa linda. É linda de verdade, agora é muito sério. Novas possibilidades se abrindo à frente dos olhos, universos em constante construção, transversalidades com outras áreas do conhecimento, os encontros e afetos, a profundidade, a cultura, a representatividade, as toadas de muitas bandeiras importantes. É mesmo bonito. Demais. Por isso mesmo, aproveitando para trazer novamente um texto sobre as pessoas que fazem esse campo — e dando nomes aos bois, às vezes; e denunciando, a todo o tempo — porque literatura já as próximas páginas vão trazer sempre, e sempre muito bem. E antes dele, faço um convite-sugestão que trago como lema pessoal e que pode servir para alguém: evitar ao máximo ser mais uma dessas tantas pessoas chatas para estragar tudo isso, que é tão bom e bonito, com (por falta — no momento — de outro nome em português) o famigerado gatekeeping. Também chamado de “se você não é X, não pode entrar”, “se você não leu Y, não pode entrar”, ou até “não pode se sentar conosco na hora da merenda”.

E o que seria o gatekeeping na literatura, afinal? E quem seriam os gatekeepers? No mundo dos jogos, por exemplo, ele vem na forma do nerd que dá resposta atravessada à mãe e não sabe fritar um ovo, por meio de falas como “se você não tem um computador com a placa gráfica da AMD mais recente — e carérrima — para jogar, você não é considerado um gamer de verdade”. “Se você não conseguiu zerar Yakuza 0 [adendo: gente, que série maravilhosa de jogos os de Yakuza, recomendo para todos os que não forem uns bananões que “blablablá joguinho é só pros xófens” enquanto ficam jogando paciência e jogo de trinca o dia todo; logo, sendo gamers tanto quanto Os Gamers ©] em modo difícil, nem venha aqui na live conversar com a gente”. No mundo da música, “se você não conhece todas as faixas de todos os álbuns dessa banda como eu te pedi para nomear, tá usando a camiseta dela por quê?” (geralmente é muito com mulher essa, né? Quanto sadismo…). E na literatura não é muito diferente, mas vem com outras demandas. Então é um tipo de comportamento muito específico, bem passivo-agressivo, bem pretensioso, de gente que ou quer te testar, ou quer se sentir superior acima da sua falta de conhecimento, das práticas que você tem ou do que você consome ou deixa de consumir, tem ou deixa de ter, é ou deixa de ser.

Há uns 15 anos, quando eu passava tardes inteiras escrevendo um ou outro textinho para criar coragem de publicar no Recanto das Letras (eventualmente rolou), achava que os escritores eram todos super gente boa. Que cumprimentavam o porteiro, agradeciam o carteiro, olhavam o pedreiro com admiração e não repulsa, não tinham preconceito, eram pessoas gentis e bem educadas. Todos. Até receber as primeiras críticas de marmanjos que tinham idade para ser meus avós e que não diziam nada a respeito do texto. Só que eu ainda tinha que “comer muito arroz com feijão para chamar esse textinho aí de crônica”, mas sem explicar o motivo; de gente me cobrando leituras, dizendo que eu não pertencia àquele lugar, que aqueles assuntos eram desinteressantes. Mas de uma maneira bem porca, arrogante, mesmo. Cobra criada de internet, não me abalava com essas coisas, não. E já achava que essa coragem seria só por causa da tela, do anonimato. Fui começando a conhecê-los pessoalmente, agora já adulta, e não mudou muita coisa, não, da desilusão que eu tive quando criança. Porque as cobranças agora se aprofundam — já que uma pessoa cresce e tem que seguir exatamente o caminho padrão que todo mundo seguiu, é claro — para leituras obrigatórias (e não só de livros literários, é dos acadêmicos também, e filosofia, sociologia, política, psicanálise, aromaterapia, tudo), que aparentemente todo mundo leu menos você; de não conhecer isso ou aquilo. E do BBB. Ai, caramba do BBB, das discussões ao redor do BBB todo ano… “Ai, eu tenho alergia, não vejo, coisa de gente burra, programa baixo, inculto, pobre e vulgar, da plebe, tenho mais o que fazer!” e vai lá passar horas no Face.

Pobre escritor que um dia resolve dizer que assistiu ao BBB da noite passada. Que não perde um episódio da novela das sete. Que chora com propaganda, ouve Biel do Furduncinho, fala “iorgute”. Não pode, não, uai. Onde é que já se viu alguém que quer ser escritor se prestar a esse serviço? Tem que assistir a filme difícil todo dia, ler 200 páginas/hora com um linguajar refinadíssimo. Ter tempo para isso e para ser dum azedume horroroso nas redes sociais. Essas pessoas adoram dizer que não perdem tempo com bobagens. E talvez não percam. Mas o que é bobagem, mesmo?

Bobagem é esse cansaço, que não teria razão de ser se as pessoas não se incomodassem tanto com coisa besta. Essa necessidade de dizer que o que é popular é burro ou de/para gente burra. Isso porque ainda não falei direito das obrigações de leitura, que é o que deu o mote ao título. Chega a um ponto em que a gente se sente tão sem graça de estar por fora das referências e citações da pessoa que a gente finge. “Conhece o Fulanóvski?”. “Ah, li sim, claro”. Depois do primeiro “mas ele é cineasta”, passei a dizer só que “conheço vagamente”. Já me calhou de ter fingido que conhecia tal coisa e a pessoa dizer que tinha acabado de inventar aquele nome. Pedi mil desculpas, mas que a cobrança e o climão pelo desconhecimento já davam tanto cabo de mim que passei a mentir sobre tudo o que é conversa intelectual. Depois disso, meio que vou dosando, só falando que li as coisas de que já ouvi falar, ao menos. E não precisaria mentir tanto se as pessoas ficassem de boa com o fato de você não conhecer todas as coisas. “Já leu o Fulanóvski?”. “Não, não conheço…”. “Como assim não conhece? Não deu na ementa do seu curso? Nossa, mas é leitura obrigatória!”. Com um ar assim de quem viu fantasma, sabe? Que constrangedor, gente. Parem com isso, que coisa desagradável… É só falar “ah, tudo bem” e dar um resumo bacana do que se trata aquilo. Apresentar, deixar a pessoa curiosa para ler. Simples, né? É tão gostoso apresentar coisas novas para as pessoas. Deveria ser uma experiência legal, de partilha, não de hierarquia. Ah, e já que adoram recomendar leituras, leiam o ambiente, também; porque se não despertou interesse, para que ficar dissertando sobre algo que não tá assim tão interessante para alguém?

E se as coisas de que mais pessoas gostam é sinônimo de burrice, que sejamos pessoas meio burrinhas. Sabe? Só um bocadinho. Ler na surdina sobre aquela briga de duas subcelebridades de que você nunca ouviu falar. Ligar na Globo na hora do reality (pode colocar baixinho pro marido professor acadêmico engomadinho não vir te encher o raio do saco). Fazer testes do Buzzfeed para saber sua idade baseado no que você gosta de comer no verão. E no meio de tudo isso, ler jornais, livros, ver filmes legais e de Alta Cultura ©, também. Que é libertador sorver um pouquinho de cada coisa.

Querid_s leitor_s, assistam a reality shows duvidosos depois de terminar de ler aquele calhamaço daquela obra completa. Vão aprender a dançar a música da sanfoninha da Anitta depois de voltar daquele evento maroto. Mas é o costume: se não quiser, também não precisa.

As vestes do paraíso

Editorial extraído da edição de agosto de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Na condição de reféns e adoradores dos ciclos de 30 dias em que vivemos, chegamos em agosto, delimitando, assim, a última edição do ano 13. Na condição de limpadores de calhas que somos, de tentar desentupi-las enquanto o tempo está firme, estamos na lida há quase uma década e meia. De fato, os nossos anos editoriais se encerram no mês 7 por conta da fundação do Jornal, em 3 de setembro de 2010, uma data um tanto convencional, pois não sabemos dizer com tanta precisão assim quando publicamos a primeira edição.

Como falamos muito de passado e de dificuldades do presente, o que esperar de nós para o futuro, além de seguir publicando e enfrentando ciclos? Pode parecer banal, mas, dentro da lógica dos hábitos que circundam um periódico de circulação mensal, surgem sempre novas ideias ou simplesmente novos jeitos de fazer (para evitarmos a monotonia). Esta edição que você tem em mãos é um exemplo visual disso e ilustra bem nossos propósitos.

Desde a primeira edição, o RelevO aposta em publicar artistas pouco óbvios e que possam ser adaptados à nossa plataforma, isto é, o papel-jornal – que tem suas especificidades e, vamos lá, suas manias. Gostamos muito de traços mais minimalistas, por exemplo, não porque seja a corrente que nos conecta com o Sublime…, e sim por motivos de impressão, que tende a escurecer os traços originais. Também não somos um jornal em p&b somente por acharmos bonito: o custo é consideravelmente menor.

Pela mesma via, fugimos da fotografia, ou melhor, usamos com parcimônia pelo potencial de desfoque, de apagamento e de perda de intensidade da imagem na mudança do digital para o analógico. Foram raras as edições em que ficamos realmente contentes com a migração de plataforma. Por outro lado, também recebemos pouco material fotográfico interessante, que atenda às nossas fugas da obviedade imagética. Em 2023, recebemos fotos de cachoeiras, um ensaio de pets, retratos de missa e alguns nudes que não eram nudes convencionais, pois classificados como intervenção sensorial-artística pelo performer.

Nesta edição, resolvemos voltar ao tempo que nos enovela e capturar alguns artistas de um período sem filtros tão potentes a partir de comandos direcionados. Perguntamos, procuramos, observamos, achamos imagens boas em alta resolução. Foi uma resposta à IA (não foi) auxiliada pela própria IA, que nos guiou. O resultado são pinturas que se conectam aos textos por intervalos de mais de 400 anos e conferiram ineditamente um peso singular ao nosso projeto. Elas têm como eixo o flamengo (não o do Rio). Talvez façamos mais vezes, mas sem regularidade definida. Se você for pintor, gravurista, quadrinista, entre outras modalidades possíveis de expressão pela imagem, nos encaminhe seu material, mesmo.

Por fim, quase de passagem, estamos, mês a mês, voltando à distribuição pré-pandemia do RelevO —para se ver o efeito do período em nossa logística. Em agosto, estamos novamente retornando para Santa Catarina, com a abertura (e reabertura) de 15 livrarias e pontos culturais, que distribuirão gratuitamente o nosso periódico. Quem banca isso? Você, assinante, que, com seu aporte acima da assinatura básica (R$ 70), permite que realoquemos recursos para outros espaços. A partir de uma parceria local, também começamos a distribuir exemplares para toda a rede de escolas municipais de Curitiba, com mais de 180 unidades. Em virtude disso tudo, subimos nossa tiragem para 4 mil exemplares, assimilando um prejuízo um pouco acima do nosso habitual.

Sonhamos, entre o nosso cobertor mensal de entradas e saídas e a nossa busca desvairada por tocar nas vestes do paraíso, com cinco direções:

  1. Mandar o RelevO para todas as bibliotecas públicas e comunitárias do Brasil.
  2. Enviar o Jornal para ao menos 15 pontos culturais de cada estado. Hoje, conseguimos fazer isso em apenas quatro.
  3. Participar mais ativamente do circuito de feiras para ampliar a distribuição direta do periódico.
  4. Ter apenas 1 (UM!) financiador que nos perguntasse “com este valor aqui vocês realmente conseguirão ser o jornal de literatura com maior distribuição do Brasil?”. Sim, acredite. E este valor não chega nem ao triplo do que gastamos hoje.
  5. Seguir publicando o que gostamos.

Uma boa leitura a todos.