Rafael Maieiro: Panelinha furada

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Entrevista com Zeh Gustavo, o ex desta coluna

Meu irmãozin, seguinte: o RelevO é um pasquim muito necessário, né? O doido do editor faz o corre de editar um impresso independente, sobre literatura, em plena barbárie. Diga aí…
ZEH GUSTAVO (ZH) — Deixa de ser puxa-saco, cara! Não percebe que é tudo narcisismo do editor? Que se a terapia estivesse em dia, este jornal já tinha ido pro saco, ou pra internet? A gente embarca porque tá na mesma merda dessa inadequação de sermos uns desnaturados que nem se esforçam para malhar o intelecto no que realmente interessa, ou seja, publicar em revista padrão A1 na Sucupira, quiçá fazer aquele pós-doc sanduba e torcer pra depois não virar Uber.

Pois é… Tem aquele rapaz da paçoquinha que diz coisas bonitas sobre livros numa canção. Taca até um pela janela, lembra? Cult. O foda é receber um calhamaço no meio do cucuruco, do nada. Me diga: livros com asas ou um livro na cabeça desvoando de um edifício?
ZH — Muitas referências aí juntas, deixa eu processar (a-do-ro! estes terminhos sacanas da moda!). Não lido com amendoins em geral. Livro com asas, sempre. Livro-pombo. Que coma do lixo. Já os edifícios, eles também desabam, como diz a sambista Patativa (do Maranhão). Ela bem viu isso acontecer, e muito. Canto sobre, inclusive – mas você, como bom amigo, só vai ouvir uma vez meu disco e olhe lá!

Esta coluna é (ou seria) a Ouvidoria do jornal, o espaço do tal do ombudsman. Atualmente, eu. Tu já pegou esta tarefa. Mas acho que só dois leitores entenderam isso, conheço um, o tal do Jurupinga. O que é esse troço de ombudsman?
ZH — Momento emocionado (ó o narcisismo aí, gente!): pra mim, foi um sonho realizado. Mas é um fóssil, mesmo no RelevO. Ou quase isso. Eu tive somente uma coluna com boa repercussão dos leitores – porque, em sua maioria, são também autores, e nela abordei a temática da naturalização da figura do autor-pagador. Voltando ao fóssil: a comunicação real, ela quase acabou, neste mundico hiperconectado-hipossensível. Fica quase uma Ouvidoria sem reclamantes. Uma pena.

A vida é dura
perdura
mas dura
verde
podre
madura

Ainda, sim, sem cura
ela bate asas às lagartas
reinventa o ciclo vital das moscas
diariamente?
namora o sorriso do poste de luz
quase pisca sem parar no subúrbio dos corações

Um passeio pelo abismo da palavra sem fazer dele uma morada cinco estrelas
será um chamado para a canção?

Responda em versos, rs
ZH — Eu? Tô fora! Ando praticando o detox. E com aquele olhar vazio, nenhum sinal de emoção da música do Paulinho da Viola [Não quero você assim], então a coisa da poesia, aí ela emperra. Justo quando a vida emperrou, de fato. Deve ser da velha e antiquada dor de amor. Que hoje chamam luto. Luto pra lá, luto pra cá… Deve ser efeito do tal ciclo vital das moscas de que você falou.

Este poema é nosso ou do RelevO, já que ele não paga as nossas contas?
ZH — É teu! E na conta do editor. Nem te indiquei!

Arruma um BO com os leitores do RelevO por mim? Nossa amizade vale isso?
ZH — Só de tu me entrevistar pra deixar de falar dos textos da edição passada já não dá um beozinho não?!

Vamos comprar uma canoa furada?
Uai, não estamos, já, todos, aqui ao menos, nela?! E, paradoxalmente: sequer, mais, conseguimos afundar. Vamos boiando. E tentando, em geral inutilmente, desviar da pedraria posta no trajeto, enquanto vemos o mundo que nos forjou como tais – para o bem, para o mal – ir secando devagar.

Rafael Maieiro: Lajotas quebradas no subúrbio do jornal

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Alguns comentários sobre a edição de junho?

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

CRUZ E SOUZA (RelevO, junho de 2025, p. 24)

O trecho me lembrou:

Por instantes, imagino como seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos meus lábios saísse arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a Terra de um extremo ao outro. E os aplausos dos de cabelos brancos, das meigas criancinhas.

MURILO RUBIÃO (O ex-mágico da Taberna da Minhota, não publicado na edição de junho do RelevO)

*

Rafael Sica, o ilustrador da edição de junho de 2025, traçou sua distopia. Ou seria uma espécie de Baixa Distopia? Por exemplo: na página 18, as cercas estão arrombadas. Na página 19, uma criança mija nos destroços de um tanque.

*

Isto me lembra:

A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio a fome
e dizendo sim
— em meio à violência e à solidão dizendo
sim —
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nossa irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pele que dá e que cega
pelo que virá enfim
não digo que a vida é bela
tampouco me nego a ela:
— digo sim

FERREIRA GULLAR (Digo sim, não publicado na edição de junho do RelevO)

*

Aliás, Bolívar Escobar, obrigado pela lixeirinha com o ícone da coluna anterior (edição de junho). O espaço é exatamente isto: um repositório das críticas dos leitores. Já que o correio não está funcionando, que tal uma lixeira? Escrevam. Amassem. E… De três pontos, Magic Leitora?

*

sentes a fome, Virginia?
os ossos finos da minha mão
sobre a fonte que te eterniza

(…)

são perecíveis todas as coisas exceto os olhares

ISABELA ORLANDI (RelevO, junho de 2025, p. 22)

Mal fica sozinho no banco, o monte de folhas impressas se transforma outra vez em jornal, até que uma velha o encontra, o lê e o deixa transformado num monte de folhas impressas. Depois, leva-o para casa e no caminho aproveita-o para embrulhar um molho de acelga, que é para o que servem os jornais depois dessas excitantes metamorfoses.

JULIO CORTÁZAR (O jornal e suas metamorfoses, não publicado na edição de junho do RelevO)

*

Continuo comprando porque é barato e de vez em quando preciso de uns jornais para embalar uns troços.

RelevO, junho de 2025, p. 13

*

Lajota amarela:

— Leitor, quer dizer alguma coisa sobre o jornal? Bolinhas de papel na seguinte lixeira: contato@jornalrelevo.com

*

Impressos podem ser úteis em tempos de guerra.

*

O que seria Relevo?

RelevO, junho de 2025, p. 13

Rafael Maieiro: Era para ser um grito, mas é apenas uma nota

Coluna de ombudsman extraída da edição de junho de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Este espaço só faz sentido se for feito em interação com o leitor. Até o momento, no meu mandato como ombudsman, não consegui iniciar um diálogo com o leitor do RelevO. Acredito que isso se deva a dois motivos essenciais, que listo a seguir:

  1. A falta de tradição do cargo de ombudsman no Brasil.

“Ombudsman é uma palavra sueca que significa representante do cidadão. Designa, nos países escandinavos, o ouvidor-geral, função pública criada para canalizar problemas e reclamações da população. Na imprensa, o termo é utilizado para denominar o representante dos leitores dentro de um jornal.” (O que é o cargo de ombudsman? Folha de S. Paulo, 2014)

2. A falta de clareza sobre qual canal deve ser utilizado para essa interação (leitor/ouvidor).

Por isso, nobilíssimo leitor, vamos conversar sobre os pontos negativos e positivos do Jornal?


Envie e-mails para:

contato@jornalrelevo.com
Assunto: Ouvidoria


E mande ver! Vaias e xingamentos são bem-vindos.

Até lá!
E n…

Rafael Maieiro: Kamehameha de papel

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO (orelhas de abano?) que você tem em mãos já não é apenas um impresso, é uma plataforma transmídia que encontra seu auge no formato de bolinha de papel.

Esse formato, poderia dizer, essa persona do ser social rs), nos acompanha desde o simples jogo escolar, bem antes da 5ª série, e até agora, como protagonista de atentados terroristas.

Faz a janelinha! Bem me lembro, jovens leitores, quando ela acertou a careca de um candidato à Presidência, o levou ao hospital, com cobertura de toda a mídia. Olhando de hoje, posso afirmar que foi a polêmica jamais vista do VAR. Daquela vez, a simulação foi revelada. Não entendeu? Transmídia? Dá um Google. Ou pede um QR Code.

Por isso, senhoras e senhores, não se enganem: o RelevO, com suas armas de destruição em amassa, é uma célula literário-humorística (CeLiHumor) que põe em risco a segurança nacional. Golpistas de plantão, neonazis e afins: abram o olho sobre as intenções deste Jornal! Esqueçam o Lula e o Xandão!

*

Já que não taxam as grandes fortunas, vamos tachar os grandes escritores:

— Eu queria ser palhaço.
— Você? Não seja ridículo. Vida de palhaço não tem graça. Você acha fácil fazer cem pessoas caírem na gargalhada? Continue dando capim aos elefantes e carnes ao tigres.
[…]
Um dia, o palhaço, seu amigo, chegou e disse, bem baixinho:
— Vamos fugir daqui.
— Mas não é perigoso?
— Afinal, garoto, você quer ou não aprender a arte da guerra?
Só então o garoto reconheceu no palhaço o velho da ponte. E ficou muito confuso.
— Quando você acha que a gente deve tentar fugir? – perguntou o velho.
— Bem, de noite, quando todo mundo estiver dormindo e tudo estiver escuro.
— Você não aprende mesmo, hein? De noite é a hora em que os guardas estão com os ouvidos como os de um tigre. Qualquer movimento, qualquer ruído, estamos perdidos. Vamos fugir amanhã de dia, na hora que ninguém imagina que alguém iria fugir. É a nossa única chance.
— E se não der certo?
— Então os tigres vão ter cozido no almoço.
(LEMINSKI: Guerra dentro da gente, Editora Scipione, 1990, p. 19-20)

*

Outros comentários sobre a edição passada (abril) ou quase:

[bolinha de papel standard] • p. 23

Sim, o RelevO tem QR Code. Evitem esse recurso: ele nos rouba a alma.

[bolinha prateada de papel de cigarro] • p. 8

“santa maré, mãe das rochas / e lantejoulas caídas de estrelas”. Este verso, aquele poema de Piera Schnaider valeu por quase tudo que eu já li no RelevO.

[pequena bolinha de papel na agulha de um zarabatana-bic] • p. 3 [cartas]

Centrar fogo na orelha direita dos coleguinhas do Rascunho!

[recorde mundial de embaixadinhas com bolinha de papel] • todas as páginas

Tá repetitivo, eu sei. Mas a integração entre artistas visuais (na edição em questão, Oli Maia) e projeto gráfico (Bolívar Escobar) está cada vez melhor. Uau de uau mesmo.

[bolinha bet] • página secreta

Um dos contos me irritou bastante. Odd 171. Adivinhem!

[a bolinha de papel de Zenão] • p. 5

Os inúmeros arremessos deste colunista nunca chegam ao alvo, a testa do leitor. Mais um engarrafamento no Rio de Janeiro.

Não assassinado,
Defunto autor

Rafael Maieiro: Spirogyra é spreadable e/ou ao contrário — E uns xis minúsculos no coração do jornal

Coluna de ombudsman extraída da edição de abril de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Gravando! Não, corta. Pause. Não. Rola pra cima, digo, siga, à esquerda, com sua íris as linhas deste texto. RelevO anunciou sua rendição (?) à nova mídia social digital.

Toma-lhe, sem gelo, por favor!

“O RelevO é analógico, e o analógico está com tudo. Sobrevivemos à era dos blogs e agora, ironicamente, somos impulsionados pelo TikTok ou o que quer que nossos sobrinhos usam, porque tentar acompanhar é por si só a grande derrota. A questão é… por que parar no papel?”, está dito nos Anúncios do futuro para soluções do passado.

O bem-humorado texto quer dizer: Estamos com tudo nas redes. O impresso fica, mas vamos pra nuvem. Um dos papos mais interessantes sobre o assunto é com o tal do Henry Jenkins:

A propagabilidade [spreadable foi traduzido por propagável, por isso propagabilidade] está expandindo de forma ativa a diversidade cultural em função de uma gama maior de criadores de mídia ter acesso a públicos em potencial e de um número maior de pessoas ter acesso a trabalhos que, do contrário, poderiam estar disponíveis apenas nas principais áreas urbanas [Henry Jenkins com Joshua Green e Sam Ford. Cultura da conexão. São Paulo: Aleph, 2014. p. 289].

Mas não sei, não. Em 2025, me lembra algo que espera outro algo que já se passou há 20, 30 anos atrás. Ah, Sonhos de McLuhan no Verão do Fim da História! Na verdade, este ouvidor que fala demais está cada vez mais convencido de que o dito espaço virtual é um feudo dos naxis. Nesse (pouco) sentido, acho que o formato do jornal também deve involuir e ser publicado em rolo (volumen). Leitor, desenrola! Talvez faça sucesso editorial. Cada treco estranho por aí… Veja o tal do… Ah, deixa pra lá.

xis 9

Falo nada, escrevo do Rio de Janeiro.

xis 1

RelevO dribla e deixa no chão todos que encaram as letrinhas de alguns textos do jornal. Uma injustiça. Principalmente, na edição de março, com o trabalho de Amanda Fievet Marques.

xis menos R$ 594

Com 95% da meta atingida e ainda no prejuízo. Uma maravilha. Por isso, amo escrever neste jornal. Aprenda, progressismo Itaú. Imaginem se o editor fosse herdeirão…

xis desenhado

Amanda Guilherme deu um show em preto e branco. Alô, scouting do Botafogo!

xis no Godot? [cartas]

xis sem salada

Com Fernanda Caleffi Barbetta aprendemos: os cardápios são um gênero literário.

A informação instantânea, fornecida pelos meios de massa, deve ser completada pela informação calcada na análise, mais lenta mas presumidamente mais profunda. De qualquer maneira, todos esses meios, na sociedade capitalista, comercializam essa mercadoria especial que é a informação. São meios que vendem informação: quem controla a informação, controla o poder. [General Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. XV].

Rafael Maieiro: Epístola Pueril Sem Número 34 – Zeh Gustavo: “Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas” (M. A.)

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


“(…) Não vai adiantar nada eles encostarem suas cabeças no chão e pedirem Volte para cá, querida! Vou simplesmente olhar para cima e dizer Então quem sou eu? Primeiro me digam; aí, se eu gostar de ser essa pessoa, eu subo; senão, fico aqui embaixo até ser alguma outra pessoa… Mas, ai, ai” exclamou Alice numa súbita explosão de lágrimas, “queria muito que encostassem a cabeça no chão! Estou tão cansada de ficar sozinha aqui!’” (C., L. Alice. Zahar: 2009)

*

Porra, Zeh!

Está difícil. Qual o maior problema de um ouvidor: não ouvir ou não ser ouvido? Me encontro agora, em frente ao espelho, tateando estas linhas paralelas no celular. Não vou me estender por 34 minutos tentando criar, num velho passe de mágica, re-ReveladO por um youtuber-coach há 34 minutos atrás. Não, Zeh. Não vou, não quero. (Cantarole, deístico leitor).

Voltemos! Podia usar o nobiliárquico título de ombudsman para envenenar, mesmo com uma roupagem modernete, os leitores com uma cansativa leitura critiquíssima do RelevO. Mas aí, né… Que contratassem outro! Já faço o favor de escrever em linhas paralelas e outros formalismos: eu não uso blusa da Farm.

Não, Zeh. Não, não quero. Um jornal literário? Então, vamos lá, tentei fazer da tal da Ouvidoria um espaço da ficção. Narrar, não os fatos em si, mas a vida como ela é na sua lida — ficcionar, leitorzim, é muitas vezes mais realista do que a tentativa malfeita de descrever, detalhadamente, bobagens.

Tá, Zeh, vou. Tô te ouvindo aqui na minha cabeça. Mas por onde, pobre diabo? Merda! O espetáculo acontece a cortina, plateia apática. Fora do teatro alguém diz que não assiste a espetáculos sem banda. No fundão do teatro, quase anônima, uma moça bate uma palma como uma Deusa da Ironia e adia por alguns segundos o Apocalipse. Mas e a vaia? Cadê a vaia, o xingamento, alguma reação do Universo que não seja um xis na plataforma nazista?

Deixamos eles, Zeh?

Aguardo a sua resposta.

Beijo,

O Outro

Ainda: por enquanto, pulem esta coluna. O RelevO, este maço (martelo) de papel, pássaro voando pela rua sombria dos tempos de merda, faz algum sentido. Quem sabe ele não empastela os seus olhos para além das paralelas.

*

Mês que vem voltamos? Aguardem! Provavelmente, não teremos novidades.

*

Aguardando a resposta do Zeh:

Rafael Maieiro: Sem ou com orelhão: Pule para o último parágrafo e descubra para que serve esta seção do RelevO

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender.
O sentido da frase por vezes é difícil de atingir.

Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa

Uma orelha gigantesca. Você é um coelho cego andando com pressa no meio da Rua Riachuelo, na Lapa — se apoia (ou rodopia) na bengala e usa as orelhas em riste como um braço de chapeleira para manter a cartola no seu devido lugar —, desvia confuso de carros, motos e bicicletas ainda mais atordoadas. Buzinaço, caos, calor. E plaw! Olha lá você adentrando na dita-cuja, malandragem! Na orelha? Na cartola? Tanto faz. Bifurcação: orelha ou cartola? Sai do outro lado, dentro da sua própria…

p de…? São nove letras, amado e idolatrado leitor. Adivinha? Deixa de chatice!

…orelha e está sem ela. Não, calma, ela (elas?) está (estão!) aí. Então, esquece o Dedé, deixa de ser lelé, vem comigo, Zeh, e se liga no papo da presente ouvidoria. Faz algum sentido.

*

— Sabe de uma coisa, meu irmãozinho, não leio um jornal impresso faz uns dez ou vinte anos — disse Diego Barboza, poeta e editor, convidado para comentar o RelevO de janeiro. — Na verdade, dou aqui meu testemunho, sou um leitor assíduo do Universal — conclui o raciocínio sem fazer nenhum tipo de ironia.
Foi logo dizendo antes de me cumprimentar ou qualquer coisa do tipo.

— Fale mais! — finjo não me surpreender e levanto a pelota.

Gosto muito de jornal impresso, continuava Diego, e tem sempre uns meninos da Igreja distribuindo o jornalzinho deles lá na entrada do metrô Maria da Graça. Aí vou, pum, meto o jornal embaixo do braço e sigo meu rumo pro trabalho. Ele puxa a cadeira, pede dois copos, uma cerveja e completa dizendo que é melhor mudar de assunto. O jornal é bonzinho, insistia, bem escrito. Eles lá com a fé deles sabem colocar palavra na frente de palavra, são jeitosos. Um dia desses vou pegar o RelevO e trocar com os meninos, aí veremos o cabrito que vai ser parido. O poeta, já sentado, acende um cigarro e abre o jornal. Fala do gosto de ler no papel e que nesses tempos parecem empedrar a aura de uma tábula. Só estamos no celular, né? Jornal, hoje em dia, precisa de porte? Aliás, é mais fácil você ver um fuzil do que um ser lendo uma jornaleta. Que doideira! E, olha, diz o nosso comentarista do mês, naturalmente, cagar lendo um jornal, na moral, não tem preço! De repente, ele pega um exemplar do Jornal que tinha deixado em cima da mesa, abre o jornal simulando um anjo terreno batendo as asas. Se levanta. Começa a discursar.

Estamos no Ximenes da Riachuelo, restaurante localizado na Lapa:

— Caros leitores, eventualmente presentes neste belo e bem frequentado restaurante, eis o jornal RelevO. Não, não é uma esquete. Estou aqui, de fato, apresentando um jornal de literatura, um impresso. Coisa boa, ficção fina, melhor que o seu maior concorrente no Brasil, o Universal. Conto, poesia, foto, artes plásticas, sem modorra de banqueiro playba, longe, bem longe da arte de cabelo bagunçado e à sombra do poder. Nessa edição, temos uma coletânea de poemas de Kay Sage. Primor! Bilíngue. Olha aqui: “cola de peixe / olhos em casas de vidro / atirando pedras.” Aqui também, na página 13, um desabafo do Sérgio Mallandro. Perdeu essa, Mad. E tem correio do amor um pouquinho pior que de festa junina. E nem me falem de aplicativo hoje, tá? Rodem este jornal por aí e vejam se eu estou mentindo!

Passou para a moça da mesa ao lado, que sorriu. Diego senta na mesa, Sou um ótimo jornaleiro, né?, ele não vai muito com o jeitão do Saramago. Mas, Maieiro, um jornal daquele, sem tirinha, é sacanagem. Tem que ter tirinha, irmãozinho!

Diego Barboza, segundo quase uma dezena de críticos do Rio, o que é uma multidão se tratando de poesia, é o poeta da geração.

*

Jussara Lessa está certa, as letrinhas do jornal dificultam muito a leitura. Principalmente, dos textos em prosa. Na opinião deste ouvidor, o único defeito da diagramação do RelevO.

*

Daniel Zanella, nobilíssimo editor, vou ser demitido?

Essa coluna serve como crítica aberta e sincera ao conteúdo e à forma do RelevO. O tal do ombudsman é um ouvidor, um representante dos leitores, o responsável pela crítica ao jornal dentro do jornal e sem interferência dos donos do jornal. O alvo sempre é a edição anterior. Assumi a tarefa de ser o ombudsman do jornal por um ano, comecei em janeiro. A escolha é fazer um mandato literário: de apresentar o jornal e narrar as impressões de novos leitores. Os escolhidos, em tese, serão escritores, editores ou qualquer coisa (viva, ou quase). Prometi o número de um orelhão – telefone público de rua, dá um Google aí, jovem guarda revolucionária –, mas ainda não consegui um em plenas condições de uso na Cidade Maravilhosa. Por enquanto, me xinguem, com o devido carinho, pelo e-mail contato@jornalrelevo.com. Sugiro ao editor do jornal que incentive a arte de Catarina: envie cola, tinta e canetas. Sem dúvida, Catarina vai compor uma bela colagem. Ah, por favor, mandem os jornais atrasados para o William Saab!

Rio, janeiro, dezenove do um

Sol, muito sol

Rafael Maieiro: PALAVRÕES & DEMONSTRATIVOS: sobre outros assuntos e uma ouvidoria que não ouve conselhos

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Saúde: Ladeira do João Homem, 65. Ali, nas encruzas da praça, é só descer a rua por alguns metros e estamos no Bar do Geraldinho. Cadeiras e caixas de cerveja coloridas na calçada (C5 – boom, manuais!). Ali está o Zeh Gustavo, o ex desta coluna, no seu habitat, brincando no copo de cachaça e abrindo um sorriso no rosto. Me aboleto na mesa, o encontro marcado é para falar sobre o RelevO de dezembro.

[Eis o método do mandato desta ouvidoria do jornal: conversar com leitores de alguns estados deste Brasil – em cafés, bares, livrarias ou, quem sabe, no ponto de ônibus. A ideia-chave do espaço, ora ocupado por mim, é narrar os encontros sem nenhum compromisso com os fatos, contudo assinando um pacto com a particularidade do real na poesia e/ou na ficção. Para abrir o caminho, escolhi o ex, o tal do Zeh, para a estreia].

Zeh vira a Salinas, pede a minha cerveja gelada. Quase gargalha sei lá o porquê. Eu digo:

– Viu as ilustrações da Natalia Azevedo? A publicação é em PB, né? Olhe, são muitos olhos – faço um movimento com os dedos insinuando o trocadilho ridículo –, mas ainda não estou maluco: vi a oitava cor do arco-íris.

Zeh me despreza, o que não é incomum, e já fala que me fudeu na última coluna dele, justificando-se como ato de amor. E puxa um Aldir Blanc:

– Na Rua da Tijolo, bloco 5, aquela de esquina…

[Zeh, meu camaradinha, além de personagem e ex, você também é o revisor desta coluna. Qualquer erro aqui é culpa sua, por sinal é um ótimo lema do RelevO, porém não vá me encher o texto de referências bibliográficas e seus TOCs ABNT. Como disse Carolina Bataier, “Todo o resto, sim”].

Fiquei ouvindo o ex acabar a cantoria, ainda afinada, um copo afina a voz, meti logo um porra e perguntei o que ele achou sobre a edição de dezembro.

– Os olhos, os barcos são quase uma bandeira. Sim, muita cor. Não somos dodóis da moleira, ainda, meu chapa. Natalia Azevedo…

Enquanto Zeh fazia seu solilóquio, ele ainda não estava bêbado, mas estava no modo falastrão, um gatinho fazia número pela rua, uma rua de pedras, uma rua de pedestre, no alto do Morro da Conceição. O gato me olhou – será que usar gatos em textos num impresso também chama atenção? –, fez um movimento que, à primeira vista, tomei por uma saudação carinhosa. Mas, quando o bicho repetiu a ação, percebi: ele estava me mandando à merda, me mostrando o famoso dedo. Olho para o ex, ele abre o jornal e me aponta uns versos de Bolívar Escobar. Leio. Faço um sinal de concordância misturando movimentos com os lábios e com a cabeça.

– Bom, né? Também gostei da nova seção, Discursos de ódio. Ali tem caldo, hein, o Antonio Paradisi deu uma boa de uma tapa. Finn plantou a semente do ódio de classe…

Bato palmas. Zeh volta a me ignorar, ele tá meio estranho hoje. Ergo o jornal tapando o meu campo de visão para além do jornal. O ex faz o mesmo. A cena tem algo de Magritte, ou, mais precisamente, uma versão impressa do ensimesmamento virtual. Janelas de papel e tinta; janelas de silício e petróleo. Quando partimos a fatia do tempo e baixamos as nossas armas, não estamos transtornados:

– Porra, Zeh, tô vendo aqui no Editorial. Eles estão saindo do preju. Acho que contrataram o ombudsman errado. Agora eles vão pro buraco! Literariamente falando, posso dizer, sou pior que uma pandemia.

Gargalhamos.

Aliás, leitores, ombudsman, em sueco, é ouvidor. Já que se trata de um impresso, tecnologia superada até para embrulhar peixes, a minha ouvidoria vai oferecer o número de um orelhão (telefone público, jovens, depois eu explico) para contato a partir do mês de fevereiro.

Aí, palavreiros rústicos ou eruditos, vocês poderão me xingar à vontade: isto, isso, aquilo.