Charles Manson & Dennis Wilson

Extraído da edição 44 da Enclave, a newsletter do Jornal RelevO. A Enclave, cujo arquivo inteiro está aqui, pode ser assinada gratuitamente.

Wilson e Manson: boas vibrações.

Um antigo ditado assírio, datado de quando a Babilônia virou modinha, defende que o ateísmo recebe três grandes testes ao longo da vida: o leito de morte, a queda livre de um avião e o contato com Pet Sounds. Nas palavras do próprio Assurbanípal, “mano…… Beach Boys é lôco demais”. Mas não é do Pet Sounds, especificamente, que trataremos. Ah, não. O tópico que abre a Enclave de hoje traz uma dessas conexões inesperadas que a vida trata de abrir. Talvez uma nota 7 na escala Julian Assange-Pamela Anderson.

Acontece que Charles Mansonaquele Charles Manson, morou um certo tempo na casa de Dennis Wilson, baterista, compositor e único surfista de fato dos Beach Boys. Curiosamente, Wilson também era um Wilson, e, portanto, irmão de Brian e Carl, integrantes da banda californiana. O ano era 1968: conta-se que o músico encontrou duas moças peregrinando pela estrada e as levou à sua casa. No dia seguinte, lá estavam elas de novo, desta vez com mais uma dezena de pessoas, todas seguidoras de Manson – que ali também constava, literalmente beijando seus pés. A versão menos romântica narra que Manson descobriu a residência do baterista ao procurar maconha.

Quando um culto inteiro para no seu jardim, resta chamá-lo pra dentro e abrigá-lo. Ou tomar outra cem decisões melhores do que essa, mas, de todo modo, foi o que ocorreu. Como é de se imaginar, a residência de Charles Manson & Seguidores deve ter sido uma bela merda para Wilson. Ao todo, a hospedagem de quase duas dezenas de gente custou ao músico mais de 100 mil dólares, 21 mil deles torrados em um carro sem seguro, destruído pelos inquilinos. Muito dinheiro também foi gasto com penicilina para amenizar o constante problema da Família Manson com… gonorreia. Qual era o benefício em receber uma corja tão expressiva? Para Wilson, 17 mulheres constantemente nuas e dispostas a obedecer comandos.

Com essa união, Charles Manson visava a um desenvolvimento de sua carreira musical, utilizando-se do estúdio do irmão Brian. Wilson chegou a afirmar que o guru dispunha de ótimas ideias. Manson compôs ‘Cease to exist’, música que acabaria regravada pelos Beach Boys e lançada como ‘Never learn not to love‘, no lado B de ‘Bluebirds over the mountain’. Nenhum crédito foi concedido a Manson, que agiu de forma serena, ameaçando assassinar Wilson ao lhe presentear com uma bala. “Cada vez que você olhar para ela, quero que lembre de como seus filhos estão seguros”.

Dennis Wilson resolveu a saia justa de forma simples: bastou enfiar a porrada até dizer chega. Para se livrar da Família Manson, no entanto, o baterista simplesmente abandonou a casa onde o grupo já havia se instalado.

GeoGuessr

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Imagine que você, no maior estilo Bear Grylls, foi jogado de um helicóptero e caiu de paraquedas num lugar em qualquer parte do mundo. Seu desafio não é sobreviver, ao contrário do cara do Discovery Channel, mas sim descobrir onde você está. Se essa proposta soou tentadora, você precisa conferir o GeoGuessr. Trata-se de um site no qual você é desafiado após ser levado a algum lugar do mundo pelo Google Street View.

Você pode andar o quanto quiser pelas ruas até conseguir pistas suficientes para adivinhar exatamente onde está e cravar o local no mapa. Quanto mais perto chegar da localização, mais pontos ganha. Os mais competitivos também podem intimar os amigos – se eles existirem – em desafios temáticos, com pontos turísticos famosos, capitais europeias, igrejas do mundo, cidades brasileiras, norte-americanas, enfim, qualquer coisa. Uma recomendação Enclave para pretensos conhecedores do planeta, viajantes sem dinheiro ou apenas procrastinadores com carteira assinada.

Disintegration Loops

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Arte da capa de Disintegration Loops.

William Basinski é um compositor nova-iorquino que desde os anos 1980 experimenta com gravações fitas e loops para criar suas obras. Seu trabalho mais reconhecido são os Disintegration Loops, lançados em 2002 pelo seu selo próprio, 2062.

A história ficou tão famosa que o  próprio Basinski já não deve ter mais a paciência de contá-la. No verão de 2001, reza a lenda que ele encontrou em seu apartamento caixas repletas de fitas com trechos de músicas gravadas vinte anos antes. As músicas provinham de rádios easy listening. O artista resolveu transferi-las para o formato digital, mas logo percebeu que pequenos pedaços se desprendiam cada vez que a fita passava pelo equipamento de conversão, fazendo com que a faixa tocada se desintegrasse lentamente – até ficar completamente distorcida e eventualmente decair num silêncio absoluto.

Essa é a base do Disintegration Loops, que conta com quatro volumes, cada um com duas ou três faixas intituladas ‘dlp1.1’, ‘dlp2.1’, ‘dlp1.2’, etc. Cada faixa é um loop de alguns segundos mergulhado profundamente em efeitos sonoros etéreos (argh……..) que se repete e se desintegra lentamente.

Algum tempo depois de produzir a obra, William a escutava em seu terraço no Brooklyn quando aconteceram os ataques de 11 de setembro. Enquanto caía a tarde e fumaça cobria a não tão distante Manhattan, ele montou uma câmera num tripé e gravou horas de imagens de uma cidade em choque que lentamente voltava ao escuro da noite. O paralelo com os seus Loops não era difícil de perceber. No dia seguinte, Basinski assistiu às filmagens ao som de ‘dlp1.1‘, primeira faixa do disco, e decidiu que eram parte da mesma obra. A capa de Disintegration Loops foi retirada de um frame do vídeo e, na edição comemorativa de 10 anos, outras imagens e gravações daquele dia foram incluídas no encarte e CD.

Desde então, os  Disintegration Loops se tornaram uma espécie de elegia ao que se passou naquele dia. Num evento no museu Metropolitan de New York em homenagem aos dez anos do 11 de setembro foi apresentada uma versão orquestrada de ‘dlp1.1’. Assim como nas fitas, os instrumentos de cordas e percussão repetem a mesma frase exaustivamente e se decompõem aos poucos. Ao fim, o que resta é o silêncio, que só é interrompido depois de alguns minutos, por fortes aplausos de uma plateia profundamente tocada. Aqui você pode conferir um trecho, o único vídeo que a equipe Enclave conseguiu encontrar da ocasião.

‘Dlp1.1’ orquestrada, tocada em concerto no Metropolitan Museum.

Embora seja essencialmente música ambiente, não é exatamente do tipo que se pode deixar tocando ao fundo enquanto você lê ou prepara o almoço. É difícil não entrar numa atmosfera de luto quando o som que sai do alto-falante morre um pouco cada vez que é tocado. Eis o som de melancolia e efemeridade.

 

Sobre o fraque

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Na próxima vez que chamarem O Editor para qualquer evento diurno – um chá de bebê, uma volta no parque ou a comemoração de habeas corpus da Tia Lúcia –, carregue a certeza de que O Editor usará um fraque. Se você não sabe, ou não se lembra daquilo em que consiste um fraque, seu plebeu medíocre, permita-me reforçar sua memória:

Tratado de Versalhes, 1919: 3/4 dos integrantes utilizaram fraque. Você, que não assina Tratado algum, usa zero fraque. Coincidência???

Brincadeiras à parte – Tia Lúcia certamente apodrecerá na cadeia –, um fraque é a composição que a etiqueta formal exigia até o pôr-do-sol. Não à toa, este traje é conhecido como morning dress, embora a palavra em português provenha do frock, que pode ser entendido como a peça isolada deste terno (qual o tailcoat), ou como uma espécie de sobretudo aristocrático (justaucorps) que hoje mais remete a um cosplay de Dr. Who.

O fraque, enfim, requer de seu usuário um colete da cor do terno. Sob a gravata, aceita camisas de gola removível, as quais hão de ser lembradas na próxima vez em que esta newsletter oferecer páginas de estilo. Também orna perfeitamente com bengala, cartola e boutonnière. Não sabe o que é uma boutonnière? Ha-Ha-Ha, como é penoso dialogar com mendicantes. Aliás, que não passe batido: você de fato leu a palavra “orna” na Enclave, seu carrapato desvalido.

Em suma, não há maior caricatura de riqueza do que um fraque, e é justamente por isso que, a partir do momento em que a gelatina circular da moda o redescobrir, você se lembrará do nosso manifesto pelo retorno imediato do traje em questão. P.S: Dos quatro representantes na fotografia cima, adivinha qual acabou apelidado de “chorão” e ainda abriu caminho para Mussolini? Pois é. Usem fraque, oras.

Lista: fotos do Hindenburg

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Hindenburg foi um zepelim construído no início dos anos 1930 pela Alemanha nazista para ser uma aeronave comercial, visando ao transporte transatlântico de passageiros e, de quebra, à propaganda política. Ficou famoso tanto pela sua imponência e alta classe das suas instalações quanto pelo desastre espetacular que marcou o fim da era dos dirigíveis. Eis alguns belos registros dessa imensa aeronave cheia de nitrogênio:

LZ 129 Hindenburg
Hindenburg em seu primeiro voo, 1936
LZ 129 Hindenburg
Detalhe da cabine
LZ 129 Hindenburg
O Hindenburg é até hoje a maior aeronave a ter voado. Acima, a comparação com um Boeing 747
LZ 129 Hindenburg
Hindenburg sobre o Rio de Janeiro
LZ 129 Hindenburg
Salão de jantar

LZ 129 Hindenburg

LZ 129 Hindenburg
Writing room (não deixe essas cafeterias descolex descobrirem isso)
LZ 129 Hindenburg
Cabine de passageiros
LZ 129 Hindenburg
Cabine de controle
LZ 129 Hindenburg
Salão de fumantes, o lugar mais popular entre os passageiros do dirigível
LZ 129 Hindenburg
Panfletos com informações aos passageiros: a distância entre América e Europa correspondia a dois dias e meio de viagem

 

Baú: Arthur Conan Doyle

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Lestrade e eu ficamos em silêncio durante alguns momentos; depois, impulsivamente, batemos palmas, como ao final de um espetáculo. O sangue subiu ao rosto de Holmes, e ele inclinou-se, como o ator dramático que recebe a homenagem da assistência. Era nesses momentos que ele deixava de ser uma máquina pensante e traía seu amor pela admiração e pelo aplauso. A mesma criatura orgulhosa e reservada, que desdenhava da notoriedade popular, ficava emocionada ao receber o elogio espontâneo de um amigo.

Arthur Conan DoyleOs seis bustos de Napoleão1904.