Osny Tavares: Achados na tradução

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Faz alguns anos que o RelevO encontrou um nicho interessante na tradução de obras e autores inéditos. A cada mês, o jornal traz uma boa coletânea de poemas, contos e outras peças, geralmente acompanhadas do original e de uma apresentação. Assim, acrescenta uma utilidade própria do veículo periódico: receber e divulgar uma literatura que, embora chancelada em outros DDIs, ainda não encontrou gancho para a publicação em livro pelo mercado editorial convencional. 

A edição de junho, por exemplo, publicou poemas do polonês Aleksander Wat, traduzidos por Piotr Kilanowski e apresentados por Fernanda Dante. A escolha chama a atenção para um interessante fenômeno de localização. É desnecessário situar a região de Curitiba em geral — e a cidade de Araucária, em particular — como centro de irradiação da cultura polonesa no Brasil, além de QG do Jornal.

Antes mesmo do célebre poeta bigodudo, a comunidade de imigrantes e descendentes da Polônia têm mantido e dissipado a cultura do país de origem. Basta citar o sucesso da poesia de Wisława Szymborska por aqui. Publicada pela primeira vez em 2011, com tradução da professora Regina Przybycien, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a vencedora do Nobel de Literatura em 1996 consolidou seu nome entre os leitores de versos daqui.

Universalizar é localizar. Que, cada vez mais, o RelevO tenha a felicidade de identificar e irradiar esse tipo de fenômeno. E que, a partir da Colônia Thomaz Coelho, Nossa Senhora de Czestochowa possa estender suas bênçãos sobre a saúde financeira e intelectual do jornal. 

Omdusman

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2020 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Trecho da última coluna de ombudsman do The New York Times, assinada pela jornalista Margareth Sullivan, em 16 de abril de 2016. O novo ombudsman do RelevO, que sucederá a escritora e psicanalista Morgana Rech, será anunciado em meados de julho. Seu mandato se iniciará na edição de agosto. Ao lado da Folha de S.Paulo e de O Povo, de Fortaleza, o RelevO é um dos três periódicos brasileiros a contar com o cargo, fundamental para a relação de crítica e de mediação com o leitorado da publicação.

 

Então, aqui estão algumas recomendações, que refletem minhas esperanças para esta grande empresa de notícias [NYT] e são baseadas no que ouvi dos leitores:

Mantenha controle editorial. Como as parcerias, especialmente com o Facebook, o gigante das mídias sociais, tornam-se quase impossíveis de resistir, o Times não deveria permitir que abordagens orientadas pelos negócios determinem o que os leitores podem ver. Ao lidar com o Facebook e com outras plataformas e parceiros em potencial, cujos negócios giram em torno de algoritmos, é fundamental que o jornal garanta que as notícias que os leitores veem sejam conduzidas pelo julgamento de editores preocupados com jornalismo, não com fórmulas voltadas para os negócios, as quais talvez apenas reforcem preconceitos. Essa é uma das grandes questões para o futuro imediato – e deve ser enfrentada.

Lembre-se de que a velocidade mata. Como o Times tenta obter o maior número possível de leitores digitais, é preciso ter em mente que a precisão e a justiça são fundamentais. Isso parece óbvio, mas no momento competitivo da publicação, nem sempre é fácil lembrar. Vá mais devagar, por uma questão de credibilidade.

Mantenha o clickbait à distância. Na pressão pelo tráfego digital, o Times agora publica artigos em que nunca teria tocado antes para manter-se parte de uma conversa que ocorre nas mídias sociais e é lida em smartphones. Isso não torna esses artigos inerentemente ruins, mas o truque é manter os próprios valores.

– Mantenha a responsabilidade e o jornalismo de vigilância em primeiro plano. O Times de Dean Baquet é aquele que enfatiza o trabalho de investigação. Essa deve ser sempre uma prioridade, e nada deve enfraquecê-la.

Não subestime a importância do editor e da checagem. Como o Times tenta controlar os custos e reduzir sua força de trabalho, esse trabalho não deveria sofrer. Pode parecer invisível, mas importa enormemente.

Lembre-se da missão de defender os oprimidos da sociedade. O Times pode ser elitista em alguns aspectos — apartamento de US$ 10 milhões, alguém? Cubra os ricos, sim, mas equilibre-os com profunda e permanente atenção aos que nada têm.

Proteja a credibilidade com os leitores acima de tudo. Aprofunde o relacionamento com eles e encontre novas maneiras de ouvir e abordar as preocupações dos leitores. (E, por favor, corrija as desigualdades no sistema de comentários — em breve.)

Cipriano Barata: O ombudsman é, antes de tudo, um chato

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2019 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Esta é a 51ª e derradeira coluna dominical que escrevo como ombudsman da Folha. Assumi em 5 de abril de 2007, e o meu mandato se encerrou anteontem. Embora o estatuto autorize a renovação por mais dois períodos, não houve acordo com a direção do jornal para a continuidade. A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação na internet das críticas diárias do ombudsman. A reivindicação me foi apresentada há meses. Não concordei. Diante do impasse, deixo o posto. Oitavo jornalista a ocupar a função, torno-me o segundo a não prosseguir por mais um ano. Todos foram convidados a ficar. Sou o primeiro a ter como exigência, para renovar, o retrocesso na transparência do seu trabalho.”

Mário Magalhães, em 6 de abril de 2008.

 

Nunca tive uma vírgula das minhas colunas alteradas por quem quer que seja. Afinal de contas, eu não estava fazendo mais do que cumprir à risca o trabalho para o qual havia sido contratado. Em essência, todos nós sabíamos que ter um ombudsman sério e renitente agrega credibilidade ao jornal. E é justamente disso, credibilidade, que os jornais vivem.

Lira Neto, ex-ombudsman de O Povo, em A herança de Sísifo: Da arte de carregar pedras como ombudsman na imprensa, 2000.

 

O ombudsman é, antes de tudo, um chato

Ufa, ainda bem que o ombudsman Cezar Tridapalli sai! Cheguei a ensaiar uma resposta pra ele uma vez, mas não conclui. Espero que pessoalmente ele não seja chato como era como ombudsman! O título provisório era “ombudsman do ombudsman”, mas meu gato ficou doente e nunca mais retomei: “O sertanejo é antes de tudo um forte”, vaticinou Euclides da Cunha, enquanto Fernando Pessoa não quis ir tão longe e, mergulhado em seus eus, cravou que “o poeta é um fingidor, que finge tão bem, que finge ser dor a dor que deveras sente”.

Há algo que me atrai nesse tipo de frase vaticinante, paralisante (lacrante, dirão os da geração MMA/Tuíter), que encerra a questão e aponta logo a cova para onde deve ser mandado o glorioso morto. Parece simples — afinal, soltar uma frase assim é fácil —, mas para ela ganhar esse poder todo, capaz de encerrar uma discussão — ou iniciá-la —, de ser repetida todos os anos por professores de literatura ávidos pela hora do almoço que não chega, para ganhar esse peso todo é preciso algo mais. Faço ideia nenhuma do que seja. Já me aventurei várias vezes por essa senda, sempre sem sucesso. Tento aqui novamente: “O ombudsman é acima de tudo um chato.” Está aí, redonda e definitiva — ao menos em pretensão. Ao que acrescento: no caso de RelevO, o ombudsman, além de chato, é prolixo. Não entenda o leitor, a leitora, e o próprio ombudsman, aqui qualquer ranço pessoal com Cezar Tridapalli, mas fique à vontade para ver um pingo de inveja, despeito.

Pois, desde que descobri essa função — na época em que Folha de São Paulo tinha resquícios de Jornalismo e não era pura publicidade travestida de jornalismo de segunda —, achei que tinha a minha cara, e muito me esforcei para estar à altura do cargo no momento oportuno. Segui um par de anos assim, até que meus amigos mais próximos me avisaram (foi numa discussão sobre o Japão e sua cultura, quatro horas da manhã): “dalmoro, você está muito chato, ô, caralho!”.

Estando pronto para o cargo, mas sem nenhum convite para exercê-lo, comecei a cogitar que deveria abrir mão do duvidoso e garantir as amizades certeiras. Isso virou convicção (não a made in Curitiba, até porque abomino Power Point desde o Windows 3.11) quando o poeta Cassio Correa me apresentou seu projeto de “Ombudsman do mundo”. Achei a ideia fantástica, tudo o que sempre sonhei (como canta Pullovers), e vi que havia mesmo ficado para trás. Fui ser guache na vida — resignadamente banal, sem peso de óleo ou leveza de aquarela, sem me chamar Carlos, nem rimar como João.

Enfim, o ombudsman de RelevO. Recém comecei a acompanhar o jornal, de modo que não sei o quanto concordo com tri-ombudsman — me centro mesmo na forma. Hei de convir, antes de mais nada, que faz seu papel, e ataca o jornal sem concessões — diferentemente dos últimos da Folha que acompanhei, mais de meia década atrás, que exerciam a função de “ombudsman de defesa”, apontando as falhas dos leitores. Mas talvez devesse ceder um pouco e desenhar uma crítica um pouco menos em seus juízos de valor. Sim, há vários pontos que eu não “concordo”, por não coadunar com meu senso estético, às vezes em suas filigranas. Mas meu senso estético, se consegue se basear em certo repertório erudito e premissas racionalizáveis, não deixa de ser questão de gosto.

 

Da redação:

A partir de agosto, habemus novo ombudsman. É Robson Vilalba, artista gráfico, vencedor, em 2014, do Prêmio Vladimir Herzog pela série Pátria Armada Brasil. O material sobre o golpe militar de 1964 gerou a graphic novel Notas de um Tempo Silenciado, lançado pela BesouroBox em 2015.

Acreditamos que o cargo de ombudsman é de suma importância para o jornalismo literário que propomos. Buscamos transparência, humor, compromisso com o texto e tocar um periódico destituído de amarras senão aquelas que prometemos a cada assinante, de entregar mensalmente um jornal divertido e um tanto inconsequente.

Gisele Barão: Editar é uma forma de saber literário

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO mostra que literatura é um assunto que nunca acaba. São inúmeras as possibilidades de produção e de estilo dentro do jornal, e a edição de junho apenas reforça isso. Escrever nunca é fácil; é um trabalho penoso para o qual dedicamos cada vez menos tempo. O ser humano que consegue escrever com certa regularidade já merece o nosso apreço. Enfiar a escrita no meio de todas as coisas que precisamos fazer para nos manter neste mundo é uma guerra. E tudo isso sob o mantra “ninguém se importa” ecoando a cada batida nas teclas. Pode ser desmotivante, mas pode ser um combustível também. 

A edição de junho do RelevO fica especialmente boa a partir do texto de André Cáceres e Bruna Meneguetti, “Parada 4 – Avenida Alcântara Machado”. Isso não quer dizer que o que vem antes não agrada. A carta de uma leitora, por exemplo, me prendeu muito mais do que alguns conteúdos seguintes. Temos também uma entrevista na medida certa sobre HQ e o miolo do jornal, sempre cativante. Mas, da página 17 em diante, os textos parecem convergir.

Em “Parada 4 – Avenida Alcântara Machado”, o tema me fisgou. Para mim, viagens de ônibus, assim como as salas de aula, são grandes laboratórios da humanidade. No restante do tempo estamos encenando. Contudo, nosso comportamento como aluno e como passageiro de um ônibus nos revela. O olhar de um professor sobre nós, ou do cobrador do ônibus — personagem central no texto em questão — raramente se equivocam. É bom falar um pouco sobre coisas reais.

Depois, “A língua, o asterisco e a natureza da sardinha”, de Arzírio Cardoso, vem com uma simplicidade… que eu imagino ser difícil de fazer. Uma das magias da literatura é a gente desconhecer por completo as condições em que o escritor produziu aquilo tudo. E, de qualquer forma, saiu. Está ali no papel, e nos parece simples. Nos encanta sem sabermos direito de onde vem. Isso é demais. 

Viro a página e Elstor Hanzen me comove novamente com a sacada sobre as relações possíveis entre o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche e do compositor brasileiro Belchior. De novo, a experiência de coisas reais. É uma perspectiva inédita? Não. Ainda assim vale. Vale publicar no RelevO. Ler, discordar, depois concordar, encerrar sem saber se gostou ou não. Não importa, tudo é experiência. E aí encerramos com Diana Joucovski. Um texto forte num local bem escolhido do jornal. Editar também é uma forma de saber literário, não é? Tem metafísica nessa história de escrever, de publicar jornal de literatura. Mas tem muito da vida, o que, para Belchior, é muito pior. É disso que a gente gosta.

Gutemberg Medeiros: Besteiras ainda assolam o país

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2017 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Besteiras continuam jorrando todos os dias na grande imprensa, é impossível ignorá-los. Apenas dois recentes envolvendo o atual ocupante da cadeira da presidência da República assim o comprova. Na agenda oficial, a supracitada autoridade constava uma visita à “República Socialista Federativa Soviética da Rússia”, nome do antigo do principal componente da ex-URSS finda em 1991. Em discurso de 26 de junho, o mesmo chefe do Poder Executivo afirmou que despertou o vívido interesse de “empresários soviéticos” investirem no Brasil. Na mesma viagem, declarou que iria almoçar com o “rei da Suécia”, quando estava na Noruega sob o reinado de Harald V.

Provavelmente este senhor não saiba, mas está inserido em rica e extensa tradição que viceja no Brasil e um de seus maiores historiadores da realidade emergente foi Stanislaw Ponte Preta – pseudônimo do jornalista e escritor Sérgio Porto – em seu impagável “Festival de Besteiras que assolam o País”. Originalmente coluna do jornal Última Hora, rendeu três ótimos volumes publicados nos anos de 1960 e recentemente enfeixados em apenas um pela Companhia das Letras. Fonte inesgotável para os mais diversos perfis de leitores – de leitores a escritores até aos que desejam tentar entender onde vivemos. 

*

Falando em besteira, uma das mais interessantes foi proclamada por Mário de Andrade em determinada resenha ao afirmar que “Conto será sempre aquilo que seu autor batizou de conto”. Ironia desregrada ao referir-se a determinada coletânea publicada em França paga pela Academia Brasileira de Letras onde havia de tudo, até pedaço de romance. Pois ao folhear o RelevO de maio e junho foi com prazer que me deparei com alguns dos vencedores do Concurso de Conto de Curitiba e constatar que esse gênero não apenas continua vivo, mas com bons representantes surgindo neste cenário. O tema da competição não poderia ser mais próximo ao gênero, “Um olhar sobre a Cidade”, pois o que são fundamentais os andarilhos da urbe nas tradições próximas de conto e crônica. Como atesta Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Rubem Braga, Drummond, João Antônio e tantos outros. Tanto os jovens autores quanto os tradicionais comprovam que bater perna na rua pode gerar boa literatura.

*

O novo é uma construção eventualmente inacessível ao olhar de seus contemporâneos. O novo também é derivado se suportes recém-surgidos, como a literatura emergente do meio digital em redes sociais. Pois experimentação do tipo também constou do exemplar de junho de RelevO. Importante veiculá-la, não há dúvida, mas ainda não vejo consistência estética pelo que foi publicado. Provavelmente, miopia minha como a de Anatoli Lunatcharski, o ministro da Educação e Cultura de Lênin, ao nada ver de importante nas vanguardas russas. Apesar disso, ele deu todo o apoio material para que fossem veiculadas e garantiu um dos mais preciosos tesouros que ainda nos alimenta. 

*

RelevO de maio trouxe em sua quarta capa trechos de ensaios de Otto Maria Carpeaux derivados do trabalho de pesquisa de Eduardo Zomkowski e em publicação no seu site Projeto Carpeaux. O pesquisador informa que já peneirou mais de 50 textos inéditos em 20 periódicos. Retomar a produção desse austríaco radicado no Brasil é fundamental, pois ele teve vasta atividade não apenas na imprensa, mas também no mercado editorial. Para citar um exemplo: a coletânea em nove volumes de contos russos pela Editora Luz, no início dos anos 60, todos organizados e com lúcidas introduções de Carpeaux – que conhecia as obras de lê-las em russo. 

*

Para quem estiver em São Paulo em 28 de julho, na Biblioteca Mário de Andrade às 19 horas farei a palestra “Tolstói e o novo homem russo do século XX” sobre a prosa “A morte de Ivan Ilitch”. Além de analisar esta obra fundamental, vou expor como o autor russo está presente ainda hoje na literatura brasileira – especialmente em Lima Barreto e Hilda Hilst. O evento está inserido no inédito ciclo “Literatura, teatro, antiteatralidade e performance” a reunir dez montagens de companhias paulistas e seis conferências de pesquisadores ligados aos autores e peças programadas, sob a refinada curadoria do jornalista e doutorando da ECA/USP Álvaro Machado. As palestras e encenações ocorrem até novembro.

Silvio Demétrio: O fiel

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2016 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um dos mitos mais interessantes da imprensa é o jornal “Libération”, o “Libé”, como carinhosamente e conhecido por seus leitores. É que em 1973 o jornal teve como um de seus fundadores a figura de Jean-Paul Sartre (ele foi seu editor durante algum tempo). A reverberação do maio de 68 ainda era muito forte e a publicação nasceu com uma alma profundamente marcada por um desejo libertário. Em sua primeira fase, não abria espaço para publicidade. Sua receita baseava-se na venda em bancas e no público assinante, equação cujo resultado qualitativo era uma independência radical em relação a condição editorial dos outros jornais. E assim o foi por quase uma década. No começo da década de 1980, o modelo arcou-se a concessões e passou a abrigar anúncios publicitários. No entanto, o mito já tinha nascido. A ideia de um jornal como uma entidade autônoma e independente. Hoje o “Libé” e um jornal convencional do ponto de vista empresarial – desde 2005 conta em seu quadro de acionistas com os 37% de Edouard de Rothschild. Sim, o Libération alimenta-se hoje de seu mito fundador.

Outro mito é a retumbante joia editorial da contracultura, a “Rolling Stone” (a americana). Nascida na florida San Francisco dos cabelos longos da década de 1960, hoje a publicação não e nem mais sombra do que foi em seus áureos dias de fúria contracultural. O que antes era independência e organicidade com as transformações culturais de seu tempo transformou-se numa tradicional publicação gerida por um espirito empresarial que a transformou numa franchising. Sim, a convencional publicação brasileira que ostenta hoje a logo da franchising anima-se de toda essa complacência normalzinha – só lembrando a heroica luta de Luiz Carlos Maciel, nos anos 1970, publicando uma versão nossa e verdadeira da “Rolling Stone”, que realmente tinha alma de pedra rolante. Maciel, o também jardineiro da Flor do Mal que Torquato Neto tanto amava.

Entupir ou não entupir, eis a contradição. Entupir de anúncios. Engasgar as páginas com a necessidade de grana. Esta parece ser a grande questão. Até onde se pode ir sem comprometer aquilo que torna uma publicação viva. Difícil balança cujo fiel oscila entre o público leitor e o público anunciante. Não se vive sem ambos, e ambos deveriam entender que não se pode excluir tanto um como o outro. O fiel dessa balança oscila entre a ameaça de derrocada de todo romantismo que peca pela falta de continuidade, assim como a sobrevivência esvaziada de crítica porque só atende aos interesses de quem está pagando pelo espaço publicitário. Jornalismo é o supremo paradoxo entre o público e o privado. Não é diferente quando o assunto é literatura e cultura em geral.

Valha-me são Pierre Bourdieu para evocar a noção de campo. O jornalismo é um campo. E, como tal, é palco de disputas simbólicas. Qualquer resultado nesse sentido será sempre provisório. Inconstante. Instável. E isso é bom. Saudável. Editar é uma arte do equilíbrio, essa tara por atravessar precipícios a passos sustentados por barbantes. E quase voar. É necessário saber voar para além da gravidade das demandas dos dois lados da balança. E construir a confiança de que o público leitor e os anunciantes vão estar ali, sustentando um sistema sempre instável como a vida de um trapezista. E só assim que se pode ser justo tanto com quem paga pelo conteúdo quanto com quem paga pelo espaço. É certo que esse último paga mais, isto porque, para além do espaço comprado, está pagando pela atenção do público. Esta só existe quando o jornal consegue estabelecer uma justa medida de ambos os interesses.

Ao que parece, o RelevO é uma publicação com alma. Senhores(as) anunciantes, não nos esvaziem daquilo que anima o desejo do público leitor que vocês também querem conquistar. Da mesma forma, senhores(ras) leitores(as), continuem a nos prestar seu apoio com o carinho com que viram cada uma dessas páginas. Elas foram criadas uma a uma antes de serem reproduzidas por uma maquinaria infernal dessas que nos transformam todos em robôs superprodutivos. Aos assinantes, sempre a nossa saudação mais cara, porque estamos o mais próximo o possível. E com os assinantes que se constrói a imagem desse equilíbrio: um leitor que acima de tudo também paga, mas que não esgota seu significado nesse ato. E um leitor orgânico porque indiretamente participa mais de perto de todo o processo de produção. Um assinante e quem dá um voto de confiança. Identifica-se. Só lembrando aqui a vinculação do “Libération” com um certo imaginário de maio de 68, tornando-se, durante muito tempo, sua leitura quase que uma credencial crítica. Ostentar um exemplar do jornal em espaço público era ingressar numa ordem simbólica libertaria. De certa maneira e guardadas as diferenças, a alma do bravo RelevO é assim também.

Escolhi o assunto porque essa e a grande luta anônima que se trava no silêncio dos intervalos que separam as edições. Tempos incertos. Tempos de crise. Jornalismo vive de crise e incertezas. O resto é marketing. Jornalismo é risco. Tem que pagar para ver. Por mais que se tente, não se consegue fechar planilhas nesse universo. Se elas se fecham absolutas, sem nenhuma imprecisão, é porque o jornalismo já contraiu a peste. O RelevO é o que e porque manteve-se no imponderável equilíbrio sobre essa linha ao longo do seu tempo de existência até aqui. E vai continuar assim até onde for possível: pautando-se pelo interesse tanto de seus leitores quanto de seus anunciantes sob o fiel de uma balança que se constrói com a arte de entrelaçar palavras. As artes do texto. São elas que unem todos os nossos interesses num só desejo. Vamos todos celebrar. A linguagem é uma grande festa!

RelevO 5 anos: The best of ombudsman

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Critérios de seleção: nenhum

 

Osny Tavares: março de 2014

É um tempo interessante para ser jovem. Tudo parece aberto à refundação e cada pequeno setor da vida abriga um comitê repleto de delegados a discutir até as cláusulas pétreas da vida. O que era automático, uma imposição da cultura sobre a qual não se refletia, torna-se um ato político. De mastigar um bife a torcer pela seleção brasileira na Copa, o indivíduo é desafiado pelos significados sociais de seus atos. O que é ótimo, pois parece um caminho necessário à lucidez.

Penso que a literatura, e principalmente do tipo que fazemos aqui, tenha um papel importante em estabelecer um conhecimento mútuo entre os atores. Por dois motivos: primeiro, o imediatismo do periódico mensal dedicado ao texto curto permite uma reflexão quente, mas já com certo arrefecimento de ânimos. Por vezes, a contagem de dez segundos é insuficiente para recuperar a ponderação. Em um mês, entretanto, é possível contar até 2,6 milhões.

Não defendo, claro, que o jornal se torne refém de uma pauta de acontecimentos imediatos e se preocupe em caricaturar o real em pseudoliteratura. Mas é inegável que os fenômenos que presenciamos atualmente representarão parte significativa de nossa identidade de época.


Lourenço Pinto: julho de 2014

Não há literatura sem leitores, assim como não há idolatria a David Luiz sem sérios problemas gerais de interpretação. Os textos, enfim, também melhoraram muito, sustentados por uma base maior de colaboradores, interessados e curiosos. O que começou como mezzo belo projeto, mezzo belíssimo pretexto para o editor enviar e receber poesia de belas mulheres, já se transformou em mezzo belo projeto, mezzo belíssimo pretexto para o editor enviar e receber poesia de belas mulheres, porém com maior qualidade no texto e, suponho, das mulheres (carece de fonte).


Whisner Fraga: dezembro de 2014

A questão que se levanta e que deve ter assustado todos os resenhistas de jornais literários é: até que ponto o crítico pode escrever o que bem entende de uma obra? Até que ponto o escritor pode se melindrar com uma resenha negativa? Bom, responder estas perguntas, quando ficam no âmbito pessoal, é fácil. Cada um faz o que quer quando o assunto se restringe a questões de frivolidade. O complicado fica para quando o autor decide levar a questão à justiça.

O escritor pode processar um resenhista que escreveu uma crítica depreciativa, mesmo que feita com argumentos razoáveis, dentro de parâmetros e pressupostos praticamente científicos? A resposta é sim. Existe advogado é para isso mesmo. E o juiz, como se portaria diante de uma demanda desse naipe? Como não tenho conhecimento de caso semelhante que tenha sido julgado em qualquer instância, não posso defender nenhum tipo de questionamento, a não ser que me causa muito estranhamento que um ficcionista ou poeta se posicione desta maneira.

Como, todavia, se trata de um caso fictício e como o jornal RelevO jamais passou por situação semelhante, venho publicamente me desculpar por esse texto completamente desconexo e inútil e pedir a todos os leitores e contribuintes deste conceituado periódico, que não deixem a literatura nunca chegar a este nível e que rechacem com veemência qualquer tentativa de ridicularizar uma arte que já deu ao mundo presentes como “Grande Sertão: veredas” e “Dom Casmurro”.


Carla Dias: junho de 2015

Compartilhar discos, filmes e livros com os amigos, não somente por meio de indicação ou empréstimo, mas também os presenteando com esses itens, faz parte da minha realidade desde que comecei a trabalhar.

Sim, faz tempo.

Independente do meio ou da linguagem, compartilhar gosto pode ser ação catedrática. Durante o processo, aprendemos que o que nos agrada pode ou não agradar ao outro. Ainda assim, é um processo que nos oferece a chance de conhecermos algo novo, como doador ou receptor do conhecimento.

A cada edição do RelevO, conheço alguém novo capaz de me fascinar, o que sempre é um prazer. Dessa forma, tenho dialogado com universos díspares e interessantes. É pessoal a tarefa de passar adiante aquilo que verdadeiramente nos toca e julgamos merecedor de um amigo conhecer. Em uma época em que falar mal é praticamente rotina, passar um gosto adiante pode trazer frescor ao espírito de muitos.