De mudanças e sobrevivências

Editorial extraído da edição de abril de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Conforme havíamos antecipado, a anuidade do RelevO finalmente subiu. Os R$ 60 que nos acompanhavam desde o fim de 2019 deram lugar a um pagamento anual de R$ 70. Os demais planos (apoiador e patrocinador) também tiveram reajustes proporcionais. Não estamos contentes, mas também não queremos ser repetitivos diante do que já descrevemos a respeito do aumento de custos para a operação do Jornal. Não podíamos seguir com os mesmos patamares de cobrança na medida em que os custos dispararam nos últimos três anos.

Neste espaço do editorial, geralmente tratamos dessa mesma operação. É a nossa oportunidade de comunicar mudanças maiores — ou simplesmente ideias fixas. Também temos o hábito de contextualizar nosso meio, com seus vícios e virtudes. Muitas vezes nos repetimos, afinal nossa existência não é tão emocionante. Somos uma espécie de relógio com algum defeito de fábrica não suficiente para a sua inviabilização funcional.

Recentemente, disponibilizamos todos os textos de nossos ombudsman no site do Jornal. Também migramos todas as nossas edições para lá, sem depender mais de domínios alheios. Elas constam em PDF, diagramadas, em suas versões finais. Porém, ao contrário do que às vezes se deduz de nosso ofício — hoje menos do que antes —, não temos interesse em migrar todo o conteúdo do RelevO, separadamente, para o nosso site. Isto é, cada texto, cada poema, cada contribuição enviada, mapeando a informação e disponibilizando-a por meio de endereços únicos.

Embora essa atitude pudesse aumentar o nosso tráfego (e, consequentemente, converter-se em assinaturas), o passo adiante na grande rede aproximaria nosso peculiar impresso de um ponto desconfortavelmente digital. Entendemos que o Jornal é um espaço de ampliação de vozes escritas do contemporâneo e de diversão para os envolvidos, o que nos leva a evitar a repetição de colaboradores. De modo paralelo, apostamos na mudança regular de ombudsman, cargo que aponta para outra direção importante: a transparência e a legitimidade do nosso senso de comunidade a partir de nossas características. Tudo isso nos afasta da individualidade e de certos mapeamentos da informação.

Sobrevivemos à era de blogs e à euforia (assumida) com as redes sociais. Esse é o nosso “antes”. Curiosamente, hoje nos questionam muito menos sobre a possibilidade de transformar o RelevO em uma “revista digital”. Também curiosamente, a experiência do Jornal como um veículo intrinsecamente impresso parece mais valorizada hoje do que há dez, oito, seis anos. Ao longo desses anos, sabendo exatamente quem somos, vimos muitos projetos, revistas digitais e demais páginas prioritariamente associadas à internet sumirem. Não somos um projeto que ambiciona ser o maior de seu segmento, tampouco aceitamos nossas limitações como desculpa para os nossos gaps (sobretudo logísticos e que não estão sob nosso controle na maior parte do tempo).

Por outro lado, se alguém resolvesse essa questão sem transtornos e de graça, não nos oporíamos. Enquanto houver esforço de nossa parte, porém, a ideia não entra em pauta. Podemos mudar de opinião a qualquer momento — nossa existência não é tão emocionante.

Uma boa leitura a todos.

Nuno Rau: (ou: para o que olhamos, e como olhamos?)

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um recente e nada feliz episódio envolveu o exercício da crítica e tem muito a dizer sobre quão tênue é o ponto em que estamos. O crítico Luiz Maurício Azevedo publicou uma resenha sobre o livro de um autor negro, caracterizando o trabalho como “literatura ruim”, e fundamentando tal juízo. Luiz Maurício é um intelectual negro e passou a sofrer ataques de milícias digitais, inclusive ameaças de morte: inconcebível que um crítico negro faça uma análise com rigor e, sobretudo, sem condescendência, de autor ou autora também negros. O mundo é desigual, as oportunidades, assimétricas, a meritocracia não passa de uma lenda inventada propagada pelos que têm meios, e o preconceito de várias matrizes segue ululante por aí, não raras vezes sem pudor de expor sua fisionomia podre; contudo, qualquer condescendência com a produção da arte nos empurra para o empobrecimento do debate estético imprescindível até para mudar o mundo acima descrito. Importante ressaltar também que manifestações assim, além de ferirem a autonomia da crítica, afastam muitas pessoas do exercício que é pensar sobre literatura, pelo receio do cancelamento, uma prática, no geral, daninha e antidemocrática – não será demais esclarecer que não me refiro aqui a opiniões preconceituosas e sem lastro, o que vemos por aí não raras vezes, que devem ser respondidas e problematizadas.

Tenho algumas hipóteses para o eclipse da crítica, e não cabe aqui descrevê-las, apenas dizer que uma delas é o receio do confronto em um mundo em que fatos como o reportado não são exceção, o que dá uma certa nostalgia do não vivido quando lemos Antonio Candido, Sérgio Buarque de Hollanda, o implacável Mário Faustino, que, em suas análises de livros e autores na página Poesia Experiência, do Jornal do Brasil, falava sem meias palavras e sem chapa branca sobre o bom e o ruim a seus olhos, e com fundamento.

Resolvi começar a aventura temerária que é ocupar a função de ombudsman de RelevO por esse assunto movido pelo editorial de fevereiro de 2002, que define, muito a propósito, a tarefa de editoras e editores como delicado e complexo exercício crítico. Também quixotesco, o que os editores devem considerar um elogio, já que este ombudsman nutre um nada secreto amor pelas pessoas que investem com todas as suas forças contra moinhos de vento.


Partindo desse olhar, ao ler os textos, contos e poemas selecionados para a edição, uma pergunta que sempre me ocorre marcou presença de novo: para o que olhamos quando estamos escrevendo? e como olhamos? Essas questões, aparentemente simples, constituem um dos pontos nevrálgicos da atividade de quem escreve. A quem isso importa? Não sei, ao certo. Na sociedade capitalista tudo é convertido em mercadoria, com exceção da poesia (quase sempre, porque mesmo os livros editados em pequenas editoras acabam virando objeto de escambo e fugindo à lógica mais estrita do mercado), e da ficção (uma parte, a que não consta dos catálogos das grandes editoras, pelo mesmo raciocínio). A poesia e certa prosa acabam resistindo, mas não sem pagar um pesado tributo: o da intransitividade social. Quem lê, afinal? Editoras e editores leem, por dever de ofício, em geral escolhido também por prazer, e fiquei pensando nos quase mil textos lidos, como exposto no Editorial, para extrair 50 dos quais foram selecionados os publicados: dois poemas, cinco contos, duas traduções (uma coletânea de poemas e um poema isolado).

Começando pelas traduções, foi uma alegria ler poemas de William Carlos Williams, poeta do corte e da síntese, e Joyce Mansur, com seu incêndio surrealista embebido de micro e macropolítica. Dos demais textos, preciso confessar que senti certo estranhamento pelo fato de sua quase totalidade ter como temática o campo – vasto e variado – das relações interpessoais; deles, me aproximei e afastei em proporções variadas. Tenho como premissa que, para escrever sobre um tema já muito percorrido, é preciso uma abordagem original, é preciso não cair nas armadilhas do lugar comum, ou, por outro lado, extrair do lugar comum a sua potência máxima, o que não é nada simples. Não se trata de defender uma literatura política strictu sensu, o que seria, no mínimo, ingenuidade, posto que tudo é político, inclusive o amor.

A questão aqui pode ser mais bem referida pelo título mesmo do Editorial: “Saber ser novo, saber ser atual”. Impossível não lembrar do ensaio seminal de Agamben, O que é o contemporâneo, em que, partindo do pensamento de Nietzsche e de um poema de Ossip Mandelstam, o filósofo reflete sobre a relação possível e necessária de cada um com seu presente. Pensando com Nietzsche quando afirma que “pertence verdadeiramente a seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões, e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas exatamente por isso, exatamente por através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo”, ele conclui afirmando que “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para perceber não as luzes, mas o escuro”. Por essa via, me pergunto sempre, e de novo: para onde olhamos? Os séculos que nos precederam foram campos de conflito, e esse 21 não parece diferir em nada, com seus enfrentamentos socioeconômicos trágicos, o avanço violento do neoliberalismo, o campo da cultura envolto em contradições, sendo a literatura muitas vezes imersa e paradoxalmente propalando o sistema que negaria e que, em tese, proporia diverso, como aconteceu com boa parte da produção modernista.

Um jornal de literatura como o RelevO deve levantar essas questões, em quem o lê, elas não são realmente simples e se ligam a nossos estar agora e aqui. O que vocês acham, companheir_s de viagem no RelevO?

Aproveito para agradecer o convite do editor do periódico, que constitui uma grande oportunidade de exercer um olhar sobre a produção contemporânea, e mais ainda pela autonomia que, muito eticamente, o jornal confere aos que ocupam esta função.

Nuno Rau: A crítica está morta, mas respira relativamente bem (ou: para o que olhamos, e como olhamos?)

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um recente e nada feliz episódio envolveu o exercício da crítica e tem muito a dizer sobre quão tênue é o ponto em que estamos. O crítico Luiz Maurício Azevedo publicou uma resenha sobre o livro de um autor negro, caracterizando o trabalho como “literatura ruim”, e fundamentando tal juízo. Luiz Maurício é um intelectual negro e passou a sofrer ataques de milícias digitais, inclusive ameaças de morte: inconcebível que um crítico negro faça uma análise com rigor e, sobretudo, sem condescendência, de autor ou autora também negros. O mundo é desigual, as oportunidades, assimétricas, a meritocracia não passa de uma lenda inventada propagada pelos que têm meios, e o preconceito de várias matrizes segue ululante por aí, não raras vezes sem pudor de expor sua fisionomia podre; contudo, qualquer condescendência com a produção da arte nos empurra para o empobrecimento do debate estético imprescindível até para mudar o mundo acima descrito. Importante ressaltar também que manifestações assim, além de ferirem a autonomia da crítica, afastam muitas pessoas do exercício que é pensar sobre literatura, pelo receio do cancelamento, uma prática, no geral, daninha e antidemocrática – não será demais esclarecer que não me refiro aqui a opiniões preconceituosas e sem lastro, o que vemos por aí não raras vezes, que devem ser respondidas e problematizadas.

Tenho algumas hipóteses para o eclipse da crítica, e não cabe aqui descrevê-las, apenas dizer que uma delas é o receio do confronto em um mundo em que fatos como o reportado não são exceção, o que dá uma certa nostalgia do não vivido quando lemos Antonio Candido, Sérgio Buarque de Hollanda, o implacável Mário Faustino, que, em suas análises de livros e autores na página Poesia Experiência, do Jornal do Brasil, falava sem meias palavras e sem chapa branca sobre o bom e o ruim a seus olhos, e com fundamento.

Resolvi começar a aventura temerária que é ocupar a função de ombudsman de RelevO por esse assunto movido pelo editorial de fevereiro de 2002, que define, muito a propósito, a tarefa de editoras e editores como delicado e complexo exercício crítico. Também quixotesco, o que os editores devem considerar um elogio, já que este ombudsman nutre um nada secreto amor pelas pessoas que investem com todas as suas forças contra moinhos de vento.

Partindo desse olhar, ao ler os textos, contos e poemas selecionados para a edição, uma pergunta que sempre me ocorre marcou presença de novo: para o que olhamos quando estamos escrevendo? e como olhamos? Essas questões, aparentemente simples, constituem um dos pontos nevrálgicos da atividade de quem escreve. A quem isso importa? Não sei, ao certo. Na sociedade capitalista tudo é convertido em mercadoria, com exceção da poesia (quase sempre, porque mesmo os livros editados em pequenas editoras acabam virando objeto de escambo e fugindo à lógica mais estrita do mercado), e da ficção (uma parte, a que não consta dos catálogos das grandes editoras, pelo mesmo raciocínio). A poesia e certa prosa acabam resistindo, mas não sem pagar um pesado tributo: o da instransitividade social. Quem lê, afinal? Editoras e editores leem, por dever de ofício, em geral escolhido também por prazer, e fiquei pensando nos quase mil textos lidos, como exposto no Editorial, para extrair 50 dos quais foram selecionados os publicados: dois poemas, cinco contos, duas traduções (uma coletânea de poemas e um poema isolado).

Começando pelas traduções, foi uma alegria ler poemas de William Carlos Williams, poeta do corte e da síntese, e Joyce Mansur, com seu incêndio surrealista embebido de micro e macropolítica. Dos demais textos, preciso confessar que senti certo estranhamento pelo fato de sua quase totalidade ter como temática o campo – vasto e variado – das relações interpessoais; deles, me aproximei e afastei em proporções variadas. Tenho como premissa que, para escrever sobre um tema já muito percorrido, é preciso uma abordagem original, é preciso não cair nas armadilhas do lugar comum, ou, por outro lado, extrair do lugar comum a sua potência máxima, o que não é nada simples. Não se trata de defender uma literatura política strictu sensu, o que seria, no mínimo, ingenuidade, posto que tudo é político, inclusive o amor.

A questão aqui pode ser mais bem referida pelo título mesmo do Editorial: “Saber ser novo, saber ser atual”. Impossível não lembrar do ensaio seminal de Agamben, O que é o contemporâneo?, em que, partindo do pensamento de Nietzsche e de um poema de Ossip Mandelstam, o filósofo reflete sobre a relação possível e necessária de cada um com seu presente. Pensando com Nietzsche quando afirma que “pertence verdadeiramente a seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões, e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas exatamente por isso, exatamente por através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo”, ele conclui afirmando que “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para perceber não as luzes, mas o escuro”. Por essa via, me pergunto sempre, e de novo: para onde olhamos? Os séculos que nos precederam foram campos de conflito, e esse 21 não parece diferir em nada, com seus enfrentamentos socioeconômicos trágicos, o avanço violento do neoliberalismo, o campo da cultura envolto em contradições, sendo a literatura muitas vezes imersa e paradoxalmente propalando o sistema que negaria e que, em tese, proporia diverso, como aconteceu com boa parte da produção modernista.

Um jornal de literatura como o RelevO deve levantar essas questões, em quem o lê, elas não são realmente simples e se ligam a nossos estar agora e aqui. O que vocês acham, companheir_s de viagem no RelevO?

Aproveito para agradecer o convite do editor do periódico, que constitui uma grande oportunidade de exercer um olhar sobre a produção contemporânea, e mais ainda pela autonomia que, muito eticamente, o jornal confere aos que ocupam esta função.

De custo-Brasil e codependências

Editorial extraído da edição de março de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todos os nossos editoriais, clique aqui.


Nos últimos seis meses, o custo de gráfica do RelevO aumentou três vezes. O custo de itens de papelaria aumentou 20%. A conta de luz quase dobrou em relação ao mesmo período de 2020, ainda antes da pandemia. Lembramos, dia desses, uma época em que fazíamos a distribuição do Jornal em oito cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) com R$ 100 no tanque — o litro da gasolina saía por R$ 2,50 em 2016 e já reclamávamos de uma alta recente do período. Não bastando, os Correios, em fevereiro, aumentaram a nossa modalidade de envio, a MDPB, em 30%. Um envio simples para Curitiba, que antes custava R$ 1,60, hoje não sai por menos de R$ 2,10. Em uma escala de 1150 assinantes, trata-se de um custo a mais considerável – e que impacta diretamente nossas margens de lucro.

Não especialistas que somos, aqui não nos interessa discutir o contexto geopolítico que torna o Brasil cada dia mais caro (embora determinados fatores sejam o óbvio ululante rodrigueano), nem a própria questão dos recursos envolvidos. Acontece que este é o Brasil que se apresenta e onde queremos continuar fazendo o que fazemos. Não podemos negar que a realidade está mais complicada para projetos como o nosso por fatores que também complicam a vida de outros negócios – muito mais importantes – espalhados pelo país. Sabemos que alguns fatores estruturais dos quais somos codependentes fogem ao nosso controle, e ao menos temos a opção de pular fora de tudo isso sem comprometer a renda de famílias.

O primeiro impacto de vários aumentos simultâneos de custo é a dificuldade de manter os valores de assinatura. Carregamos a anuidade de R$ 60 da assinatura básica desde o final de 2019. Para comparação, em setembro de 2019, o litro da gasolina circundava R$ 4,50, cerca de 55% menos caro que a média atual da Região Sul, mais especificamente de Araucária, sede logística do RelevO. Aliás, foi nessa época que começamos a oferecer a possibilidade de adquirir assinaturas de patrocinador (R$ 80 e R$ 105), que contribuem para o custeio do envio a bibliotecas comunitárias e pontos culturais nacionais.

Em suma, quando aperta, transferimos nossos custos para quem nos compra. Não existe nenhum segredo nisso. Não temos um megainvestidor. Não somos ricos. Não temos cargos públicos. Não aproveitamos nosso capital simbólico para nos aparelhar no Estado. Contudo, nossa comunidade de leitores, formada principalmente por sujeitos de Humanas, não tem sido capaz de assimilar a contento o aumento da vida como um todo. Historicamente, nossa média de não renovações de vínculos sempre foi de R$ 20%. Hoje, oscila de 30 a 35%, com tendência de piora em meses de férias escolares, como janeiro e julho. Pode ser que isso também tenha relação com o nosso produto em si, mas acompanhamos em planilhas rotineiras as justificativas da não continuidade. Não é impressão nossa, mero achismo. O RelevO é um projeto cultural com uma malha de números.

Pretendemos seguir com o valor congelado da anuidade básica no mínimo até o meio de 2022, mas sabemos que, em breve, precisaremos reajustá-lo. Como sempre enfatizamos por aqui, vivemos, basicamente, de assinantes e de anunciantes. Não utilizamos ou buscamos dinheiro público, tampouco vendemos anúncios travestidos de espaço editorial. Em linhas gerais, estamos conectados ao que acontece no país e sofremos o impacto de uma crise que se estende por muitos anos – e que, naturalmente, arrasta com mais facilidade os peixes menores. Sobrevivemos ao auge da pandemia, mas a escalada de aumento de custos nos preocupa muito.

Afinal, o que estamos fazendo? Primeiro, evitamos voltar ao patamar de distribuição anterior à pandemia, quando distribuíamos em mais de 450 lugares do Brasil todo sem custo para os espaços que nos abriam as portas. Estamos com ações mais direcionadas, como a ampliação da distribuição em nosso raio de ação, e mantendo o foco na captação de novas assinaturas a partir de nossos canais digitais. Não é muito, mas é o que sempre acreditamos desde o início do Jornal, lá em agosto de 2010: ações direcionadas, contínuas e mensuráveis. Esperamos continuar.

Uma boa leitura a todos.

Osny Tavares

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


É engraçado esse troço de pensar em direitos do leitor. Não como o Daniel Pennac, mas como uma certa matéria de direito. Que direito, de fato, tem o leitor? O consumidor tem direito que o livro comprado tenha todas as páginas encadernadas em ordem, mas o leitor tem direito a uma coerência?

Quais direitos deveriam ter, então, quem lê o RelevO?

Ler é eufemismo de bisbilhotar.

O leitor tem, sempre, o direito de ler.

E os verdadeiros românticos mandam cartas.

* * *

      Esta é a última coluna deste meu segundo período como ombudsman do RelevO. Obrigado pela leitura. Nos encontramos depois.

Saber ser novo, saber ser atual

Editorial extraído da edição de fevereiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Todo começo de ano, buscamos aprimorar, modificar ou nos esquivar de determinados comportamentos típicos da nossa estrutura. Refém de ciclos como sempre fomos — isso de ser mensal nos conecta ao tempo do calendário —, vamos, ao longo do ano, empurrando alguns problemas. Por exemplo, a dificuldade de manter em dia a leitura dos originais que nos são enviados, bem como a aversão (ou simples inaptidão) notória que temos das redes sociais.

Com relação ao nosso primeiro déficit histórico, começamos o ano lendo quase mil textos, retirando no mínimo 50 que podemos ler, reler, olhar para o lado e dizer: “aí sim, aí sim”. Ainda temos aproximadamente 500 leituras pendentes. Em 2021, tivemos um aumento de 30% nas submissões de textos, o que consideramos um excelente fator de interesse — e um dado angustiante. Mais textos lidos (e aprovados) indicam a possibilidade de prover edições mais coesas, tanto editorial como graficamente.

Entretanto, há duas questões crônicas nas não leituras. A primeira refere-se ao tamanho do nosso Conselho Editorial, atualmente composto apenas por editor, editor-assistente e um terceiro editor-leitor do meio literário, fora da nossa redação, consultado em casos de dúvidas mais complexas sobre o material submetido para análise. Somos dois (mais um, eventualmente) diante da vida e de uma pasta chamada “[0] Avaliar”, crescendo diariamente como a sede ao longo de fevereiro. Podíamos ser mais? Sim. Sem remunerar? De forma alguma.

O segundo aspecto é que recebemos muitos, muitos, muitos textos absolutamente ruins, equivocados, crus, fora das nossas normas básicas; textos que fariam corar estudantes do 4º Ano do Ensino Fundamental. São textos de política partidária mais afeitos ao cotidiano dos portais; textos sobre a primeira gestão do presidente de uma associação médica de Curitiba; textos escritos literalmente para o jornal da faculdade; textos que os autores queriam enviar para o outro jornal de literatura que também começa com a letra R; textos em que a bio (a qual sempre enfatizamos não ser necessária) parece ser mais importante que o texto.

Você deve saber por intuição ou por execução: ler diversos textos ruins, na sequência, um atrás do outro, é como caminhar descalço no asfalto; os cinco segundos intermináveis do cotonete do exame PCR no seu nariz; a sensação de acordar sem sentir o braço; o prelúdio turvo da sentença “quer ouvir algo desagradável agora ou conversamos depois?”.

Temos orgulho e medo da pasta “[0] Avaliar” e nunca negamos que somos um jornal de base. Muitos escritores e escritoras começaram suas trajetórias publicando em nossas páginas. Muitos sequer tinham passado pela experiência de ser remunerados por ligar uma palavra à outra, embora seja plenamente possível fazê-lo nos maiores jornais de literatura do Brasil sem receber um centavo. Enfim, sabemos que somos cancela de pesagem.

De modo algum negamos a satisfação de, em meio às trombadas desleais e aos jogos de corpo com vantagem para a defesa, encontrar aquele texto matador, redondo, que para em pé; o texto divertido, envolvente, estranho, porém “belo como o encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação”, tal qual alegava o Conde de Lautréamont perante o que consideramos a ideia máxima de afetividade. São os textos bons que nos fazem esquecer que somos editores, que emulam a nossa velha vontade de simplesmente ler algo prazeroso (com todos os subjetivismos implícitos) e de dizer “olha isso aqui, olha isso aqui”.

Acerca da nossa aversão às redes sociais, damos alguns passos na direção de aproveitar mais os benefícios e as facilidades das novas ferramentas, mesmo que sintamos certo desconforto em ser insider daquilo que nem queremos conferir tão de perto. Paralelamente, temos algumas ressalvas em relação ao VAR. De todo modo – e mais importante que isso, ao menos para nós –, subimos todas as edições da história do RelevO em nosso próprio site. Também estamos subindo todos os textos dos diferentes ombudsman.

Antes de tudo, somos um jornal impresso, envolvido na materialidade do ciclo mensal, com custos físicos, datas-limite. Não somos um projeto paralelo ou um hobby. Temos muitas informações sobre o nosso meio e nosso público e planejamos a nossa continuidade de acordo com as intempéries que se apresentam. Em meio a isso tudo, tentamos ser novos sem ser efêmeros, tentamos ser atuais sem abrir mão da nossa forma de ser e estar no mundo. O problema do VAR continua sendo os operadores.

Boa leitura a todos.

Osny Tavares: Matéria de poesia

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Como é começo de ano, e ainda estamos meio bêbados, uso a mais-quemanjada referência a Manoel de Barros para destacar um ponto da edição passada (dez/21), que trouxe uma boa coletânea de poemas, entre produções originais e traduções. Quando uma poesia toca o leitor, há de ser um momento especial do fenômeno linguístico. Para além de sua matéria artística, uma outra — a plataforma em que circula — é componente fundamental da mensagem. E sobre ela é possível perguntar, sem acusar-se de poeta, de que matéria é feita.

A poesia é uma arte performática; ela transita por um espaço; o papel é seu palco. Ela só tem sentido publicada; o fazer poético é pegar a tinta e registrar no papel a forma linguística do sentimento; pulsão transcendental, do intangível ao tangível.

O jornalão de anteontem costumava ser janela para os poetas. Davam, além da visibilidade, uma chancela temporal. Diziam do poema: isso é novo!

Os periódicos literários servem para atualizar a literatura. Atualizar em segundo sentido metafísico: realizar, passar da potência ao ato. 

Precisam mostrar a poesia ao leitor e dizer: é chegado o tempo para isso.

11 anos e um segredo

Editorial extraído da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Nos últimos dias de 2021, o RelevO solucionou uma dor de cabeça distante, daquelas que insistem em latejar no canto direito da testa e sequer têm relação com a ressaca ou com o dia seguinte de ser estapeado na cama perante o devido consentimento. Pois bem, concluímos o processo de migração de todo o acervo de edições. Em outras palavras, todos os nossos PDFs agora estão disponíveis no site do Jornal, sem depender de qualquer elemento externo. Qualquer um pode verificar agora mesmo em <jornalrelevo.com/edicao/arquivo>. São mais de 150 edições, desde as ordinárias até aquelas que fizemos e realmente não lembramos como ou por quê.

Trata-se de um passo estrutural importante, pois valorizamos nosso próprio trabalho e facilitamos o acesso ao material. Também organizamos informação – o que é inerentemente prazeroso – e a centralizamos em um espaço nosso. Aos poucos, subiremos todas as colunas de ombudsman e os editoriais. Eventualmente, as centrais. Tudo devidamente catalogado (data, autor, edição) e pronto para receber visita, com seus links individuais, visando a uma espécie de panorama digital de nossa produção impressa em pouco mais de uma década. Não podemos dizer que ficaremos com saudades do Issuu, embora ele tenha sido útil enquanto o direcionamento durou.

Para 2022, queremos continuar imprimindo. É a meta primordial – todo ano, sem exceção. No nosso meio, perder de vista a própria existência é o primeiro passo para deixar de existir. Estamos sempre no limite, mas com cautela e segurança; somos o limpador de janela sobre o banquinho de madeira no arranha-céu, com a pele invariavelmente em jogo. Dez anos atrás, queríamos concluir nosso segundo ano; agora, bem mais estruturados (isto é, cascudos), queremos chegar ao 12º – e por aí vai. Não somos o time que classifica para a Sul-Americana e acha que pode pagar salário de Flamengo. Cada novo investimento é uma planilha esmiuçada em detalhes.

Subindo na pirâmide de Maslow institucional, precisamos de metas mais claras para o RelevO como pessoa jurídica. Até que ponto a formalização do Jornal é vantajosa? Existem benefícios suficientes para compensar o tempo e o dinheiro gastos com burocracia? Definir em que ponto nossa brincadeira pode chegar no futuro será determinante para agirmos hoje. Queremos ter um talk show? Um selo de música eletrônica? Promover uma festa com ofurô gigante preenchido por vinho australiano e com dois tigres jovens e mansos para serem montados pelas pessoas mais audaciosas? Sonhamos em ser maiores que a piauí ou nos contentamos em manter distribuição no Piauí?

Enquanto isso, tentamos expandir nosso bolo. Mais leitores, mais assinantes, mais acessos, mais anunciantes: em consonância, esses quatro elementos reforçam um ao outro, formando um círculo virtuoso que, além de permitir nossa referida existência, nos faz perder o medo de olhar para baixo à medida que o banquinho de madeira sobe o edifício envidraçado.

Boa leitura – e um grande ano a todos nós.

Osny Tavares: Voz, posse e mandato

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO, em seu aparente compromisso com a autodesimportância, esconde de seus leitores o esforço de produção para cada edição. Parte desse corre foi relatado no editorial da edição anterior (novembro), longamente dedicado a uma reflexão logística.

Naquele texto, um elogio-desabafo, lembrou-nos que é jornal. Como tal, repete rotinas, consolida processos, assimila práticas. Em suma, cria trabalho pra si. E talvez por isso mesmo não fale disso.

A triagem de uma grande quantidade de colaborações é um exercício de disciplinado interesse pelos outros. É preciso lê-los e arranjá-los num todo coeso a cada mês. E assim repetidamente, nadando numa piscina de pautas frias.

Os colaboradores deveriam retribuir o interesse se fazendo um pouco mais claros.

Qual é o gancho?, como dizíamos na redação.

Pensando o jornal em uma articulação com o mundo, por que este texto deve ser publicado agora? Há uma justificativa na qual eu, o autor, não esteja incluído? 

O que eu estou fazendo com o espaço que me foi cedido?

Quem cria, busca um ideal. Qual é o meu?

Osny Tavares: Uma discussão sobre tamanho

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Virar berliner é sinal evidente de decadência para um jornal brasileiro. Deve ser, inclusive, para os tabloides. Comento porque o RelevO está chegando a uma idade em que discussões sobre tamanho físico começam a ganhar relevância.

Caso este jornal se aventurasse a uma nova medida, primeiro, pareceria profissional, o que poderia afastá-lo de sua vocação primeira, que é estimular a escrita. Depois, interessado em inserir-se – como voz e como tema – em um debate social mais hegemônico, o que sempre faz mal à literatura. O contrato de leitor é sempre o de poucos contra muitos.  É o prazer de uma correspondência que escapou a alguns postos de controle.

O autor-colaborador deste periódico tem responsabilidade sobre quem cita. Ele atrai para o círculo de correspondência uma atenção externa, originalmente não-interessada. E para o leitor interessado, agencia a curiosidade.

Entre os veículos alternativos, o RelevO distingue-se por ter uma segunda geração de leitores. São jovens dos primeiros anos de formação intelectual, que ainda tateiam em busca de referências, e cujos cânones ainda estão por ser estabelecidos.

Quem ousa manifestar-se na grande comunidade dos autores deve garantir-se capaz de identificar interlocutores de valor. Escrever é falar com escritores. Comunicar, sobre a cultura, aquilo que lhe é mais verdadeiro. Essa é uma confissão do sábio: orientar, apontar por quais caminhos ele próprio viu.

O artista, também o literário, precisa renunciar a qualquer sistema de valores para além do estético. Todo registro escrito é um desejo de permanência.

Nossa era exige uma certa moral hipertextual. Uma resposta à questão: para quem você está abrindo um link?

Osny Tavares: Em defesa do gênero neutro

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Todos os meses, antes de sentar para escrever esse texto, tento cavoucar as páginas em busca de algo ainda não devidamente observado. Essa é a jornada do ombudsman de jornal literário: ser um acupunturista das pretensões alheias. Desta vez, me detive com curiosidade na página 2, aba Publique. O quadrinho cinzento diz que este jornal recebe textos de todos os gêneros, ilustrações, narrativas visuais e fotográficas.

É um convite à pluralidade de gêneros, mas poderia ser compreendido — de forma aprofundada — como a superação destes.

O mercado editorial está em crise (novidade!). Esta, porém, parece um pouco mais ampla, pois se estende também à plataforma. Muito se lamentou o fechamento dos cinemas na pandemia, pouco o das bibliotecas. A discussão sobre a perenidade do livro é longa e complexa, e não me cabe. Mas lembro dela para refletir sobre o norte estético que compositores de letras podem buscar.

Poderíamos, sim, especular sobre a vitalidade do romance, ou de um determinado tipo de prosa estrutura em descrições, diálogos, cenas. Este ainda é, de fato, o gênero nobre e altivo da literatura, recheador de estantes da classe média medianamente ilustrada, ou apenas o último cadáver da modernidade que, tal como os de Antares, hesitam em desocupar a praça? Por que ainda se tenta escrevê-los? Por que ainda se busca demonstrar possuir fôlego e técnica para tal?

Os textos enviados ao RelevO se enquadram com alguma facilidade em algum gênero consolidado. São, primeiramente, uma homenagem a estes. Eu diria até que a prosa longa é a visão majoritária, quase comum. É natural que se comece em terreno conhecido, porque, convenhamos, esse papo de transgressão sempre soa bem pedante. Porém, penso que um autor deva buscar ser novo, antes de ser velho.

Fugir dos gêneros consolidados e, por consequência, criar um novo é para raríssimos, evidentemente. Mas usar a linguagem literária de forma ampla e híbrida para comunicar com densidade é possível para um público letrado mais amplo, minimamente inspirado e pouco impressionável com fardões de academias.