Carla Dias: Espalhando palavras e poesia

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Em uma época permeada por urgências, atenção faz significativa diferença. As redes sociais são vedetes dessas urgências. Tudo é rápido e contínuo para abastecer o espectador, desculpem-me, o internauta com todas as informações possíveis. Dá trabalho desviar das informações que não fazem mais do que nos levar a gastar tempo. Mas quem não gosta de preguiçar o pensamento, vez ou outra?

Recebemos uma mensagem de um leitor justamente sobre a falta de presença nas redes sociais. Porém, é preciso compreender que alimentar as redes sociais, a fim de atender à voracidade contemporânea, é trabalho que exige tempo que muitos de nós preferimos dedicar à criação, seja do poema, do conto, da crônica, da ilustração.

Veja bem, eu acho bem coerente o posicionamento do leitor; é a realidade que vivemos. Porém, acredito que o RelevO é, primeiramente, um jornal literário, mensal, que você pode adquirir impresso ao se tornar assinante ou se tiver a sorte de frequentar um dos pontos de distribuição gratuita, além da opção da leitura online. Além do mais, foi lançada a newsletter semanal Enclave, que tenho certeza, deixará o leitor mais feliz com a presença do periódico nas redes sociais.

Sendo assim, se você é apreciador do produto, não se intimide: assuma seu apreço, assine a versão impressa, compartilhe o jornal e a newsletter nas redes sociais. Colabore para que mais pessoas tenham acesso a esse trabalho que é feito com o maior prazer pela equipe do jornal. Ajude-nos a fazer como o leitor que nos escreveu sugeriu: espalhe-o.

A edição de abril chegou com as ótimas ilustrações de Anderson Resende, criaturas que se embrenham pelas palavras alheias e pontuaram com questionamento o olhar do leitor. Adorei a capa.

Gosto muito de Daniel Mazza. “Os ossos” apenas endossa esse minha benquerença. Para mim, o autor reduz a todos aos ossos, aos quais creditamos o final de quem somos, mas mostrando que são eles que carregam nossa história. É antropológico e emocional: “A eloquência dos ossos, silenciosa/ Traz muito mais verdades do que provérbios/E salmos. Sábia é a voz dos ossos mudos”.

Após ler o texto “Her e As Ficções Homogêneas – ensaio em narrativa capitalista, gênero e cinema”, de Rubens Akira Kuana, tive de repensar não somente a minha impressão sobre o filme, mas aspectos da minha própria existência. Coerente, Kuana aborda a distância que alimentamos de nós mesmos a troco do que nem sempre sabemos nos será útil.

Em “Menos, por favor”, Marianna Moraes Faria cita muitas formas de sermos preconceituosos ao fazermos de conta que não: “Olha só esse cara, a mulher dele tem quase a idade da minha tia, parecem mãe e filho. Olha lá, que merda, vão casar. Ele só quer o dinheiro dela, lógico”. Trata-se da lógica dos intolerantes, que também se apresenta no “Agora que sou escritor”, de Mateus Ribeirete: “Quanto às dedicatórias, dos contos dos outros 15 participantes, escrevi “não li”. Sobre o conto de um Mateus Senna, escrevi “não li e não gostei”.

No trecho publicado do livro “Poesia Brasileira Contemporânea – Crítica e Política”, Renato Rezende aborda a crítica de poesia brasileira, baseando-se também em questões voltadas à resistência da linguagem, que saiu da clareza da sua definição para navegar em outras formas de arte, como a canção. A poesia na música. “É preciso, portanto, enfrentar a escuridão e as contradições do nosso tempo, identificar outras chaves de leitura e novas brechas e bordas para pensar a nossa poesia.”

Obviamente, esse passeio não incita o fim da poesia, mas pede por mais atenção. São para poucos os escassos espaços dedicados a tal linguagem, e quase sempre relegados aos poetas que movimentam o mercado. Aliás, é esse mercado que carece de ser ampliado; a poesia pode até não ter lugar definido no atual cenário literário, mas definitivamente continua a dar origem a grandes poetas e a gerar significativas e inspiradoras obras.

Prosa e poesia primorosas – e capazes de atiçar questionamento – estavam estampadas nas páginas do RelevO de abril. Foram tantas de uma e de outra que me encantaram, que tive trabalho para selecionar algumas para falar a respeito. Eu gosto de ter trabalho.

Porém, devo confessar que a presença marcante da poesia – ainda que lembrada na prosa –, pela qual tenho profundo apreço, e que me acompanha desde o primeiro questionamento, fez a edição passada entrar para o hall das mais queridas. Ouso dizer, meu caro Renato Rezende, que, talvez, não sejamos nós – leitores, escritores e críticos – os responsáveis por definir onde cabe a poesia. Ela mesma se apodera dos espaços. Sendo assim, investigá-la pode ser tão interessante quanto consumi-la, a alma entregue a esse compromisso.

Não poderia deixar de mencionar a parceria entre o blog Obscenidade Digital e o RelevO, divulgada na edição passada e estreando nesta, com texto de Gabriel Protski. A cada edição, um texto da equipe do coletivo curitibano. Que essa parceria nos renda ótimas leituras.

Carla Dias: O fazer cultural e a apreciação de suas crias

Coluna de ombudsman extraída da edição de abril de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Espero que nesta edição estejam todos bem. Direitos garantidos, deveres em dia, percepção afiada e afinada com os fatos. O mundo anda meio complicado, mas vamos descomplicar o que for possível, que leveza nunca é demais e ainda colabora para que observemos a vida com mais cuidado e respeito.

Lendo o editorial da edição de março do RelevO, identifiquei-me com a posição de se fazer o que se faz bem, como este jornal, sem comprometer conteúdo. Tarefa árdua, porém gratificante.

Quem lida com o fazer cultural sabe: captação de recursos é trabalho hercúleo. E se o criador do projeto prezar pela sua originalidade, muito do que o torna singular pode se perder durante o processo de adequação à necessidade do mercado. Necessidade que nós mesmos criamos, ou seja, temos o poder de mudar o rumo dessa prosa, melhorar até mesmo o que nos parece impossível de ser melhorado.

Tem sido cada vez mais frequente que adaptações feitas para que projetos culturais se encaixem no perfil de seus patrocinadores acabem em devastadoras transformações, descaracterizando o que seria a essência do projeto. Para que aquele projeto que você ama sobreviva, é preciso amá-lo na prática. Compre os livros e os discos, vá aos shows e espetáculos teatrais, assine os jornais. Ame os projetos culturais que lhe apetecem. Somente assim é possível se manter a diversidade cultural e a originalidade do que resulta deles, seja um livro, um disco, um espetáculo teatral ou um jornal literário, entre outras tantas opções.

Antes de falar sobre a edição passada, quero dizer que há quem reivindique reportagens sobre literatura no periódico. Seria ótimo se elas fossem integradas ao jornal, mas não ao custo de termos menos páginas com obras literárias. Ler sobre literatura é importante, mas não tanto quanto ler literatura. Acho válido se forem incluídas páginas extras no RelevO para tal fim, mantendo o espaço atual para os escritores terem suas obras publicadas e os leitores aproveitarem a leitura.

Outra questão é a falta de material fotográfico. Particularmente, adoro pegar emprestadas obras de amigos fotógrafos e artistas plásticos para ilustrar os meus textos. Considerando não somente o meu gosto, mas o que de positivo isso pode trazer ao impresso, temos visto notáveis obras de artistas diversos ilustrando o jornal. Incluir material fotográfico me parece natural e, definitivamente, interessante.

Voltando à edição passada do RelevO, tenho de admitir que ela me surpreendeu muito e positivamente. Cristiano Castilho me ganhou com seu “Bogotá, dia 2”. O tom de diário de viagem, a crônica relatando a descoberta de lugares e pessoas, é sempre muito atraente, quando bem construída. “Amanhã farei um passeio de bicicleta com uma mexicana e uma ucraniana que moram na Alemanha.”

Em contrapartida à pluralidade do texto de Castilho, Aline Valek direciona suas palavras a um único lugar. Em “Minha Ex”, a autora acerta ao falar sobre Brasília – onde viveu e de onde partiu – como se a cidade fosse sua ex, dando às memórias geográficas o mesmo tom das memórias afetivas. “Uma timeline plana, uma vida de uma nota só.” A conversa que a autora trava com a cidade torna agradável a leitura sobre voltar a um lugar que se julgava conhecer, para então descobrir que não o conhecia tão bem assim. O tipo de armadilha na qual costumamos cair, frequentemente, quando se trata dos nossos relacionamentos pessoais.

“Entre as Coisas” é um apreciável texto de Juliana Cunha sobre espaços necessários entre assuntos, pessoas e coisas importantes a se fazer. O respiro, o lugar onde devemos gastar o tempo ao nosso gosto.

Daniel Zanella, agora terei de assistir ao “Koyaanisqatsi”. Seu texto me convenceu, e ainda me deixou pensando sobre “… chuva discreta, que começa a escorrer nos vidros” e a música de Philip Glass.

A poesia também teve destaque. Porém, antes da poesia em si, há aquela boa mistura de prosa e poesia. “Destinatário”, de Flora Rocha, tem cadência e essência. Remeteu-me à lindeza dessa combinação que permite a nossa imaginação preencher as lacunas da realidade. “Anoiteceu inverno. A ventania uivava e as cortinas dançavam temor. Tomou um gole e inventou de enfrentar o vento.”

Edu Hoffman poderia inspirar quadros: “desembrulho cada palavra/feito bala/na agulha”. Davi Kinski demonstra intimidade com as palavras. Seu poema é para se ler e reler, que ali há uma variedade de matizes. Definitivamente, lerei outros poemas de sua autoria, que fiquei poeticamente curiosa. “Eu me dissolvo antes do fim/Eu pulo do trampolim/Para a cidade/For Sale.”

Aprecio o fazer poético de Cel Bentin. Gosto de como ele brinca com as palavras, criando espaço para que a imaginação do leitor se embrenhe nas sutilezas de sua poesia. “Inquieto Chiaroscuro [ou Palavra-obaluaê]” eu não conhecia. Fiquei feliz em conhecer. “De bloco em punho, garçons em cartografia/ projetam pedidos além da conta das mesas.” Como não se esbaldar em imaginação depois de ler tais palavras?

Carla Dias: Críticas são necessárias, ofensas são dispensáveis

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Quando Whisner Fraga me indicou para substituí-lo no RelevO, eu ri sozinha, antes de entrar em pânico. Ele é dos meus escritores preferidos, amigo pelo qual tenho imenso carinho e respeito, a quem sempre consulto – e escuto – quando se trata dos meus próprios escritos. O RelevO é um jornal pelo qual tenho real apreço, ao qual credito legítima importância no cenário da literatura nacional atual.

A primeira coisa que perguntei foi se ele acreditava que eu daria conta. Não me levem a mal, trata-se do exercício de se questionar o desconhecido, temendo não saber como lidar com ele. E por mais autoanálise que já tenha feito para amenizar o hábito, ainda uso esse recurso com frequência.

Todos os motivos que citei para me desqualificar estavam diretamente ligados ao fato de eu não ser ele. Pois bem, eu não sou o Whisner, mas ele me garantiu que isso é bom. Então, aceitei o desafio.

O que posso dizer em meu favor é que farei o melhor para beneficiar o RelevO. Espaços como este são essenciais para que a literatura se mantenha plural e inspiradora. Para que as pessoas, escritores e leitores, encontrem-se na prosa e na poesia, e na crítica descubram uma forma de aprimorar a relação entre ambos, contando com o periódico como o condutor.

Crítica é uma forma interessante de se compreender o óbvio: nem sempre estamos certos. Autocrítica é a aceitação dessa obviedade, que nos leva a aproveitar, em nome do bem coletivo – ou mesmo daquele mais íntimo e definitivamente intransferível – a chance de aperfeiçoarmos o que julgávamos concluído, sem necessidade de qualquer retoque.

Tenho consciência de que nunca se defendeu ponto de vista tão fervorosamente como nos dias de hoje. A internet tem sido uma ferramenta poderosa durante esse processo de escancaro. Porém, confesso que aguardo pelo dia em que ofensas não tomarão o espaço das críticas, quando teremos aprendido que, ao tirarmos o respeito de cena, a vida desanda.

Lembro-me de uma mensagem que recebi de um leitor, sobre uma crônica que publiquei na internet há alguns anos. Ele começou dizendo que havia gostado da leitura, que a forma como eu escrevia lhe agradava, mas que, para o meu bem, melhor era eu encostar a barriga no fogão e servir ao meu marido. Eu pensei que fosse alguma brincadeira de mau gosto, mas a troca de mensagens me provou que não, ele era completamente avesso à literatura feita por mulheres, independente da qualidade da obra. Aquela era uma ofensa travestida de crítica. Não foi a primeira, tampouco a última vez que experimentei dela.

O ofensor é um personagem constante nas nossas vidas, e o preconceito, assim como a certeza absoluta e irretocável de ser o autor da opinião correta, conduzem a dele. Acho que ele deveria participar do 1º Campeonato RelevO de Modestos. Aprender a lidar com o elogio direcionado ao outro faz milagres.

Falando sobre a edição de fevereiro, posso dizer que o editorial se aproximou muito do que penso. Política de boa vizinhança – a diplomacia cotidiana – é necessária para que uma sociedade funcione, mas certamente prejudica quando o indivíduo deseja camuflar a aspereza original da sua verdadeira opinião. Precisamos aceitar que nem tudo o que dissermos nessa vida será palatável, principalmente quando remeter ao gosto, que nem sempre será o mesmo do vizinho.

Encantei-me pelos poemas de Alexandre Guarnieri. Depois de lê-los, não conseguia parar de pensar sobre as palavras que um corpo comporta. Desde sempre, as mãos, os olhos, a pele, e tantas outras partes do nosso corpo vêm inspirando a poesia de muitos. Porém, Guarnieri vai além, como se fosse um cirurgião curioso sobre o corpo que habita o espírito daquele que comete poesia.

Cláudia Lopes Bório expõe a insignificância de uma pessoa sendo contestada pela sua real importância. “Manorama” fala sobre uma mulher que mora à beira dos campos de arroz. Ela é responsável por cozinhar o arroz, diariamente, na hora certa, até o dia em que isso não acontece, o que resulta em sua morte. O ritmo que a autora impõe ao texto é de prosa poética, de delicadeza debruçada em melancolia.

Fiquei muito satisfeita com a publicação do “Esqueça tudo o que você sabe sobre HIV – Diário de um Jovem Soropositivo”. Nós tendemos a nos classificarmos como conhecedores dos fatos, mas andamos cada vez menos esclarecidos a respeito do que importa. Talvez seja hora de lidarmos com o outro com mais de delicadeza. Basta nos informarmos, antes de decidirmos pelo pior cenário. Evitarmos os rótulos.

Mais interessante e produtivo é dialogarmos. Nem sempre será como nos bate-papos que temos com os amigos, nos almoços que oferecemos em nossas casas, nos finais de semana. Nem sempre será afável, que verdade seja dita, melhor, quando a verdade é dita, às vezes ela amarga. Particularmente, sinto-me à vontade com o contraponto, e espero fazer minha parte de maneira positiva ao RelevO e aos seus leitores.

Sendo assim, agradeço ao Whisner Fraga pela indicação, ao Daniel Zanella pela aceitação e ao periódico como um todo pelo espaço. Quem tiver interesse em me escrever, meu contato é laila.dias@gmail.com.

Whisner Fraga: Obrigado

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Durante alguns meses vivi a ficção de ser ombudsman de um jornal literário. Senti-me na pele de um fantasma que tenta assombrar alguém, mas se vê irremediavelmente invisível, impotente. Uma assombração que tenta enviar seu recado, dia após dia, para um público desconhecido de um universo igualmente misterioso. E que, paradoxalmente, causa pânico, raiva, indignação. Com quem este espectro tentou, durante tanto tempo, um diálogo que se mostrou impraticável?

Ainda assim sentirei saudade deste monólogo. Foi um tempo em que meu umbigo me mostrou que existe tanta gente talentosa por aí que dá até medo de tentar me arriscar com algum tipo de arte. Que há, ao mesmo tempo, uns escritores tão egocêntricos e perdidos em seu miserável e inflado amor-próprio que nem merecem ser considerados como artistas. É a vida.

Perguntei ao Daniel Zanella, editor do periódico, se poderia indicar meu sucessor. Ou minha sucessora, para ser mais preciso. Sim, podia. Então escolhi uma escritora com um estilo bastante diferente do meu. Acho que o RelevO deve viver essa diversidade. A Carla Dias, a nova ombudswoman, tem um olhar sobre as coisas que é ao mesmo tempo mágico e seguro. Com isso acho que o jornal deve consolidar o papel do crítico de um periódico literário.

Despeço-me dos leitores com um abraço grato e com a convicção de ter feito algo que me deu imenso prazer. Continuarei perto do jornal como leitor assíduo de tudo o que ele publicar. Quero dizer a todos que quiseram me mandar uma mensagem, mas que não enviaram porque eu era ombudsman, que seguirei à disposição para uma conversa. Meu e-mail é whisnerfraga@yahoo.com.br.

Whisner Fraga: Entre o virtual e o impresso, a sobrevivência

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2015 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Quem publica o que quer que seja, onde quer que seja, normalmente, é porque quer ser lido. Há quem se sinta realizado com cinco ou seis leitores. Há outros que não deixam por menos de cinquenta mil. Até aí não existe problema nenhum e todos podem viver felizes para sempre com os fatos. A situação muda quando o objetivo da publicação é obter lucro. Neste caso, o leitor é essencial e é preciso um número mínimo de consumidores para que o fim seja atingido. Questão de sobrevivência. Assim, qual é a função deste jornal?

Os editores terão de se fazer esta pergunta. Não que ficar em cima do muro não seja uma opção. Vejamos: aqueles que publicam o RelevO querem somente que a verba que entre dê para cobrir as contas? Ao que as prestações de conta indicam, isso acontece. Todos aqueles que compram o jornal o leem, efetivamente? Aí é pergunta mais complexa. De qualquer maneira, o formato impresso supre todas as necessidades do leitor?

A questão do suporte já foi tratada por diversos autores, algumas vezes de forma brilhante, outras nem tanto. Acontecerá que a ficção, a crítica literária, a poesia, um dia mudarão. E a mudança está ligada, evidentemente, a todo esse problema do formato e da divulgação. O ser humano é curioso, mas também preguiçoso. Assim, a “evolução” do suporte também passará pela viabilidade tecnológica e pelo conforto.

O tema da convivência pacífica entre o que é impresso e o que é virtual ainda tem muita lenha para queimar e só tempo para nos elucidar o que ocorrerá. O que não muda, a meu ver, o caso deste jornal. Literatura é um produto que não vende? Depende. Primeiro, os editores devem se questionar: eles querem distribuir um produto? Porque isso é possível, há inúmeras obras escritas ou não que são comercializadas como produto. Não há nenhum julgamento de valor nessa minha a afirmação, estou apenas lidando com um fato.

O que não é produto vende? Sim, claro. Da mesma forma que o que é produto pode não vender também. A arte pode ser um produto? Sim, claro, dependendo do conceito de arte. No campo artístico, para ser bom tem de se vender pouco? Não necessariamente. Evidentemente que dependemos do público. Sartre pode até chegar um dia a ser mais vendido no Brasil do que Paulo Coelho, mas dificilmente será mais compreendido que o escritor tupiniquim.

Os editores do RelevO terão de decidir: querem produzir algo de vanguarda ou querem agradar a todos e vender bem? Aumentar a tiragem? Ou querem revelar, de fato, talentos do meio literário? Porque revelar talento nem sempre garante leitura imediata, mas com certeza garante um público menor, porque mais restrito, o das pessoas interessadas neste assunto. Publicar somente textos de qualidade ou fazer uma concessão ou outra?

Independente de qualquer decisão, a do suporte continua como ponto central. Neste sentido, é fundamental que o periódico procure outros meios de incentivar a literatura. Por exemplo, organizando eventos, como debates, ciclos de palestras, saraus, que tenham como tema a arte, pois para mim está claro que um dos propósitos deste jornal é divulgar a arte. Isso, por acaso, não seria também uma mudança de plataforma? Ou, no mínimo, diversificação.

Agora, sobre a menina dos olhos: um concurso literário. O Brasil é muito carente de concursos literários. Há quem defenda por aí que os leitores de escritores em nosso país são outros escritores. Se nos atentarmos para a quantidade de originais que o RelevO recebe, a necessidade de se peneirar o diamante, a solução é óbvia: o jornal precisa lançar o seu próprio concurso. Mas, combinemos: com um bom prêmio em dinheiro para os vencedores, que ninguém escreve por idealismo. Comer é preciso. Ora, por acaso isso também não representa uma alternativa de divulgação, uma alteração de mentalidade, uma alternativa de suporte?

Whisner Fraga: Uma pequena ficção

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Suponhamos que exista um livro. E que esta obra tenha sido publicada por uma editora e distribuída em livrarias e outros pontos comerciais. Que o produto seja vendido e que o autor ganhe, de alguma maneira, seus direitos autorais. Que o exemplar possa cair na mão de qualquer cidadão com poder aquisitivo polpudo o bastante para esbanjar sua renda com pequenos luxos. E que, de repente, este leitor não curta de maneira nenhuma o que leu. O que ele poderia fazer? Pedir o dinheiro de volta? Procurar o autor e lhe dizer, um tanto alterado, que perdeu tempo com a leitura? Abrir um processo contra o escritor, que fabricou uma literatura de baixa qualidade?

Suponhamos que a editora deste livro fictício tenha distribuído alguns exemplares para a imprensa. Ou que um crítico literário curioso o adquira em uma megastore de um shopping famoso. E que, como consequência de uma ou das duas ações, seja publicada uma resenha da obra. Aí, podem acontecer duas coisas: 1. O texto analítico é bom ou 2. O texto analítico é ruim. A partir daí, outras duas situações podem ocorrer: 1. O artigo fala bem do livro. 2. O artigo fala mal do livro.

Se o texto analítico é ruim, o escritor pode ficar sossegado e repreender o jornal por ter veiculado algo de péssima qualidade. Mas ele só fará isso se a resenha for ruim, evidentemente. Agora se o texto analítico é bom, aí podemos ter um problema. Se é bom e fala bem do livro, o autor pode dormir sossegado, cônscio de que seu indubitável talento foi reconhecido. Se a avaliação for depreciativa, aí jornal e articulista podem estar com um pepino à mão.

Se o escritor for zen com questões de estranheza e desabono, provavelmente abrirá um Royal Salute, se for um medalhão ou bestseller ou um OldEight se for um iniciante, e beberá um bom gole, enquanto se diverte com a opinião alheia sobre algo que ele criou e sabe, dentro de seus critérios, que tem o seu valor.

Agora, se o autor for arrogante ou mesmo não concordar com a matéria ou com a argumentação, ou quiser fazer um barulho em cima de nada, o que certamente impulsionaria a venda de uns três ou quatro exemplares de seu livro, aí podem acontecer algumas consequências, a saber:

  1. O contista ou romancista ou poeta que teve sua obra desabonada pode escrever uma réplica e exigir que o periódico a publique. Neste caso, dificilmente deixará de fazer notar sua altivez e sua dificuldade de lidar com a diversidade de opiniões.
  2. O contista ou romancista ou poeta que teve sua obra esculhambada pode escrever uma carta e publicar na seção de leitores.
  3. O contista ou romancista ou poeta que teve sua obra depreciada pode entrar em contato com seu crítico, ameaçá-lo com processos, pode publicar um post em seu perfil do facebook, pode ir até as bancas que distribuem os jornais, comprar todos e rasgá-los em casa ou eventualmente queimá-los e assim por diante. A vingança não conhece limites.
  4. Etc.

A questão que se levanta e que deve ter assustado todos os resenhistas de jornais literários é: até que ponto o crítico pode escrever o que bem entende de uma obra? Até que ponto o escritor pode se melindrar com uma resenha negativa? Bom, responder estas perguntas, quando ficam no âmbito pessoal, é fácil. Cada um faz o que quer quando o assunto se restringe a questões de frivolidade. O complicado fica para quando o autor decide levar a questão à justiça.

O escritor pode processar um resenhista que escreveu uma crítica depreciativa, mesmo que feita com argumentos razoáveis, dentro de parâmetros e pressupostos praticamente científicos? A resposta é sim. Existe advogado é para isso mesmo. E o juiz, como se portaria diante de uma demanda desse naipe? Como não tenho conhecimento de caso semelhante que tenha sido julgado em qualquer instância, não posso defender nenhum tipo de questionamento, a não ser que me causa muito estranhamento que um ficcionista ou poeta se posicione desta maneira.

Como, todavia, se trata de um caso fictício e como o RelevO jamais passou por situação semelhante, venho publicamente me desculpar por esse texto completamente desconexo e inútil e pedir a todos os leitores e contribuintes deste conceituado periódico que não deixem a literatura nunca chegar a este nível e que rechacem com veemência qualquer tentativa de ridicularizar uma arte que já deu ao mundo presentes como “Grande Sertão: veredas” e “Dom Casmurro”.

Whisner Fraga: O ombudsman, os leitores e o medo

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Quando fui convidado, há alguns meses, a assumir o posto de ombudsman de um jornal literário, achei que havia algo conceitualmente deslocado. Isso porque os suplementos alternativos (e literatura é algo bem alternativo no Brasil) têm uma capacidade impressionante de assimilar críticas e de se adaptar. Então, o trabalho de um Ombudsman seria praticamente apontar falhas para que o periódico tratasse de consertá-las. Sim, ótimo, acho que é um trabalho necessário (e útil), para todos.

Registrado isto, solicitei, esta semana, ao editor do RelevO que me mantivesse no cargo por mais três meses. Ainda há algo a ser feito. E, no decorrer dos três textos que me restam, evidenciarei algumas outras mudanças que, julgo, devam ser consideradas pelos editores. Não sei se perceberam, mas estou tentando reconfigurar, adaptar a função de Ombudsman a um jornal literário.

Vamos às mensagens recebidas. Em minha primeira contribuição, há mais de três meses, deixei meu e-mail à disposição dos leitores. Ninguém me escreveu. Enviam recados eletrônicos ao endereço do jornal e pedem anonimato, principalmente quando as críticas são mais pesadas. O motivo é simples. Existe um sistema de apadrinhamento vigente na literatura brasileira, que nem sempre é benéfico para a arte em si, mas é bastante oportuno para os escritores. Este sistema, em suas regras tácitas, impede que se fale mal explicitamente da obra, ou do que quer que seja, de um colega. Quero dizer que, quando se reúnem em bares, artistas costumam descer a lenha em tudo e em todos, principalmente nos desafetos, mas colocar isso no papel é algo impensável.

Assim, provavelmente estes seis meses em que desempenharei meu papel de Ombudsman trarão mais alguns membros para minha lista de oponentes. É normal. Vejam bem: não quero inimigos, nem opositores, mas sei que os terei. Sabendo que o maior nome da literatura brasileira adulta contemporânea vende em média dois mil livros de seu último lançamento, descobriremos que é bobagem não querer explicitar nosso ponto de vista. Neste cenário, isso só piorará as coisas: falem mal, mas falem de mim.

Esse preâmbulo todo é para defender que o jornal precisa de um “Espaço do Leitor”. Assinantes e público em geral certamente quererão manifestar sua opinião sobre algum texto, sua admiração por algum compadre, seu maravilhamento diante de alguma fotografia ou pintura e assim por diante. Nada mais democrático do que uma assinatura embaixo de um comentário.

Apesar de certas rusgas que minhas considerações têm causado, corajosamente os editores deste jornal decidiram me manter mais um tempo à frente dessa coluna. Provavelmente perderam anunciantes, assinantes e amigos. Torno a enfatizar que não entrarei nos meandros dos textos publicados, pois creio que minha tarefa não é a de crítico literário. Poderia desempenhá-la razoavelmente bem, já que tenho certa experiência no métier, mas não vejo como parte das funções de um Ombudsman. Em linhas gerais, entretanto, percebo que o RelevO tem tentado (algumas vezes sem sucesso) priorizar vanguardas. Tenho certeza de que o caminho é esse mesmo. Todavia, concretamente, há muita vontade, muito esforço e pouco resultado. O jornal tem publicado muitos textos razoáveis, alguns bons e pouquíssimos ótimos.

De qualquer maneira, gostaria de acrescentar que a arte requer coragem. É quase um pré-requisito para se alcançar algo de qualidade. Nenhum artista pode ter medo de ousar, de se sujar com a própria indignidade. Como comentei em um dos parágrafos anteriores, o artista é aquele que não se envergonha ao assinar a própria obra. Gostaria que refletissem sobre isso. Neste meio tempo, quem quiser entrar em contato comigo, meu e-mail é wf@whisnerfraga.com.br.

 

Nota do editor:

A partir de dezembro, abriremos oficialmente a seção Cartas do Leitor. Nesta edição, na p. 3, os critérios de publicação.

 

Whisner Fraga: Independência versus receita

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O leitor que comparar um número do RelevO do início do ano com o de setembro vai pensar se tratar de outro jornal. Houve avanços consideráveis. A capa de Mariana Benevides foi um marco para a história do periódico. As fotos de Isabella Lanave, independentes do texto e até da diagramação, atestam que há espaço para outras artes. Neste sentido, este ombudsman não pode deixar de registrar todos os elogios aos editores, que tiveram coragem de mudar tão radicalmente.

Dos leitores, uma reclamação justa: o padrão dos anúncios. Além de não haver parâmetros claros para a publicação das propagandas, quero acrescentar que elas estão atrapalhando o texto, poluindo as páginas. Claro que a publicidade é fundamental para a existência do jornal, mas a forma com que ela é apresentada precisa ser repensada. Vamos aos exemplos: o centro de ensino de idiomas Fisk pagou os mesmos cinquenta reais que a panificadora e confeitaria Água na Boca pelo espaço e, ainda assim, um anúncio não tem o destaque do outro, nem o tamanho nem outras características.

Há que se inspirar nos grandes jornais, que sabem fazer com que propaganda e matéria convivam em harmonia. A publicidade deve ser também, na me­dida do possível, arte. Ora, o objetivo do jornal não é divulgar o belo, o estético? De maneira que, como exemplo, basta o leitor abrir a edição de setembro na página 4 para perceber que as imagens não estão nítidas, que os reclames não estão chamativos e que atrapalham a harmonia da página.

Não sei se deixar uma página exclusiva para os anúncios seria uma boa solução, isto terá de ser discutido pela equipe, mas é uma alternativa que não pode ser descartada. Também é preciso considerar se é possível que os diagramadores do jornal deem uma mãozinha na confecção dos anúncios, inclusive convidando outros colaboradores (artistas) para ajudarem na empreitada. Evidente que o valor cobrado para a publicação dos comerciais teria de ser mais alto.

Houve também um leitor que questionou a falta de transparência na escolha do editor. Acredito que o jornal deva ter independência para a seleção e acho também que não há necessidade de se tornarem públicos os critérios de definição. Mas vou aproveitar o registro para cobrar novamente que o RelevO deve constituir urgentemente um conselho editorial. A julgar pelo expediente, o grupo ainda não existe. A multiplicidade de pontos de vista só trará benefícios ao periódico.

Por fim, gostaria de assinalar que estou muito satisfeito por estar contribuindo para o crescimento deste jornal. Sempre acreditei nas publicações alternativas e penso que elas têm muito mais a contribuir com a cultura do que os grandes periódicos, sempre dependentes de arranjos para sobreviverem. É fundamental que o RelevO continue com sua autonomia e, ao mesmo tempo, avance em suas receitas.

 

Nota do editor:

Estamos buscando, a partir desta edição, uma maior padronização dos anúncios. Como tivemos mudança de planejamento gráfico no mês anterior, algumas questões de distribuição ficaram prejudicadas. Esperamos ter avançado um pouco em relação a isso. Sobre a formação de um conselho editorial, não há falta de interesse do núcleo mais regular do periódico, apenas nunca conseguimos montar uma equipe que se comprometesse mensalmente a avaliar os critérios. Contudo, a ideia será retomada com mais afinco a partir de novembro.

 

Whisner Fraga: Alguns ajustes

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


A qualidade do último número do RelevO, de agosto de 2014, certamente dificultará o trabalho deste Ombudsman. Alguns poucos erros de revisão, mas absolutamente nada que comprometa. As narrativas surpreendentes de Daniel Zanella, que sempre abrem a torrente ficcional que aguarda o leitor, e que, de certa forma me incomodam. Pode parecer a história do dono da bola, que sempre tem de estar em algum time, jogando bem ou não. Sugiro, assim, que Zanella transforme em fixas suas contribuições e dê um nome à sua coluna, para que não pegue o leitor no contrapé.

As contribuições estão num nível excelente, de forma geral, o que me leva a crer que o editor tenha levado em conta minhas recomendações. A tendência agora, com o conselho editorial, é uma curva ascendente de qualidade. A capa está mais limpa, deixando o trabalho de Yasmin Karinne Bomfim dialogar com o leitor. Tenho a sensação de que muitos artistas serão descobertos por este jornal. Eu mesmo encontrei um escritor, por meio da resenha do Daniel Osiecki. Nunca havia ouvido falar em Cezar Tridapalli e já encomendei O Beijo de Schiller após ler o texto elogioso de Daniel. Por falar na coluna de Osiecki, logo ao lado, na página 30, um cão solitário remete à Baleia, embora, para ser honesto, pareça mais um cão de raça, ao contrário da cachorra de Graciliano Ramos. Uma bela página. Foi isso que quis dizer na minha contribuição de julho: deixar a arte falar por ela. O desenho não como um suporte para o texto, mas como algo pronto, com voz própria.

Assim, acredito que o RelevO dá conta, de forma enaltecedora, da contemporaneidade. De certa forma, há um recorte dela nas páginas do jornal. Sim, como todo recorte, implica escolhas e não existe problema algum nisso. E mais: apesar de ser uma publicação curitibana, dá conta de divulgar artistas de todo o país. Não é pouco. Cumprirá seu papel de mapear o que está sendo feito de bom em nosso país. Merece aplausos.

Parece-me que a única ressalva fica ainda por conta do sistema de distribuição do jornal e talvez da divulgação em si. Quanto à distribuição, ela esbarra em pontos delicados, como assinaturas, vendas e pagamentos. O jornal terá de avançar e criar um sistema de pagamento online, o que dará comodidade ao assinante. E há que se pensar em vendas avulsas seguindo o mesmo modelo. De qualquer maneira, é importante que a assinatura do jornal não esteja vinculada, de forma alguma, a qualquer tipo de aceite de contribuições. O que quero dizer é que muitos assinantes são também escritores ou aspirantes e deve ficar claro que são, no caso concreto de assinantes, apenas leitores. Essa é a única certeza. Eventualmente podem vir a ser colaboradores, mas eventualmente.

Quanto à divulgação, recomendo mais uma vez a criação de um sítio, que não apenas reproduza o conteúdo impresso, mas que inove, que apresente material inédito. Esse contato mais próximo com o leitor pode ser ampliado com as ferramentas virtuais.

Reitero que meu e-mail está à disposição dos leitores, para que enviem críticas, sugestões e o que mais desejarem: wf@whisnerfraga.com.br.

 

Nota do editor:

A partir desta edição, a coluna do editor e cronista Daniel Zanella passa a ser denominada Cenas Urbanas e caminha da página 5 para a 29 – solução reconhecidamente tardia. Setembro também marca o início da seleção de textos para a primeira coletânea do RelevO. Os valores das futuras vendas dos exemplares serão utilizados para a viabilização do site do periódico.

Whisner Fraga: Qual é o meu papel?

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Você, leitor, em uma pesquisa básica, poderá constatar que o papel principal de um ombudsman é justamente defender seus direitos. Pensando em um jornal literário, há que se reinterpretar essa função. Qual seria meu papel? Como escrever um texto com a intenção de assegurar a você, leitor, uma publicação de qualidade? Sim, porque não existe lógica ao se falar de isenção, de imparcialidade, quando o suporte é a ficção e a poesia. É evidente que até os critérios de qualidade acabam se tornando frágeis se tratamos de obras de arte.

Ao mesmo tempo, não podia descambar para a minha zona de sossego, que é a crítica. Não é objetivo deste ombudsman confeccionar qualquer tipo de estudo sobre a qualidade literária ou os méritos do que é publicado neste jornal. Todavia, não há como fugir inteiramente ao tema. Então, a pergunta mais óbvia é: como os textos publicados são selecionados? A julgar pelo expediente, há um pequeno conselho editorial, formado por alguns idealistas, que acreditam que nosso país necessita de cultura. Não é pouco. Entretanto, penso que, com quatro anos de existência, está na hora do segundo salto.

Assim, é urgente que se pense em um conselho editorial mais amplo e heterogêneo, para que o jornal cumpra outro papel importante: o de descobrir novos talentos. Há uma temerária alternância no padrão dos textos publicados, o que não é bom para o leitor. É necessário que se proponha alguma saída para tal desafio. Que tal pedir aos assinantes que ajudem na seleção? Imagino que um concurso literário ajude não só com o aprimoramento das crônicas, contos, poesias e outras narrativas publicadas, como também com a publicidade. O RelevO precisa chegar até mais pessoas interessadas em literatura.

A partir do inevitável destino de crescer, é necessário pensar o verdadeiro objetivo da publicação. A meu ver está claro que o periódico quer investir em ficção e em poesia. Ao se dedicar à literatura, dá mais espaço a revelações, o que é fantástico. Os medalhões que vira e mexe aparecem nas páginas servem de atrativo ao leitor. Ótimo. A ressalva fica por conta da arte visual. Neste sentido, está servindo apenas de moldura para a palavra, o que talvez precise ser mudado.

Vinha trabalhando nesta estreia quando descobri que me faltavam dados: o que o leitor deste jornal pensa? O que o RelevO publica, de fato? Ataquei inicialmente a segunda questão, tratando de ler todas as páginas do periódico, publicadas desde outubro do ano passado. Assim fiz. A primeira pergunta enviei ao editor, que me respondeu prontamente com algumas indicações. Posso, portanto, continuar a dissertar sobre as necessidades dos leitores.

Sobre as minhas leituras, posso defender que a diagramação tem avançado. As páginas limpas nos permitem uma leitura sem traumas. Sugiro, entretanto, que se aumente o número de artistas visuais e que, como já foi escrito, se repense o papel deles no periódico. Às vezes se torna um pouco cansativo encontrar o mesmo traço, página após página. A fotografia, por exemplo, é pouco explorada pelo jornal. Nem preciso dizer que há muita gente de talento por aí e não é difícil encontrá-las. Mesmo quando um poeta engasga com os versos ou um contista tropeça em lugares-comuns, é possível encontrar alguma arte em aquarelas, em desenhos. Fica a recomendação.

Outro ponto positivo é a prestação de contas apresentada logo no início, em todos os números. Neste sentido, também é necessário construir o segundo passo. O jornal precisa crescer e, para tanto, deve buscar mais assinantes, mais patrocinadores. É muito interessante perceber que existem algumas propagandas de livros no periódico, acho mesmo que os autores deveriam abusar desse expediente. Assim, seria igualmente importante o apoio de editoras – as independentes, principalmente, que vêm ganhando espaço no Brasil, pela qualidade de suas publicações.

Espero poder começar um debate sobre o papel de um ombudsman em um jornal independente. Assim, gostaria de estar mais próximo do leitor, para construirmos alternativas para que o RelevO avance e ganhe cada vez mais importância no cenário da cultura brasileira, tão carente de publicações. Peço aos colaboradores, editores e leitores, que me enviem mensagens, para que comecemos a discussão a respeito deste jornal. Deixo meu e-mail: wf@whisnerfraga.com.br. Muito obrigado aos editores, pelo convite. E, querido leitor, espero que eu não o decepcione nestes meses em que estarei desempenhando esse trabalho de ouvidor-geral.

 

Nota do editor:

A partir de setembro estrearemos um novo projeto gráfico com o intuito de aprofundar as relações entre palavra e imagem. De fato, está mais do que na hora de transparecer os critérios de seleção de textos e envolver leitores e nossos assinantes no processo. A próxima reunião do conselho editorial tratará de como colocar isso em prática, assim como as demais sugestões, imprescindíveis para o futuro e crescimento do periódico.

Mateus Lourenço

Coluna de ombudsman extraída da edição de julho de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Pouca gente imagina que o RelevO já tenha quarenta anos. Provavelmente porque o RelevO não tem quarenta anos. Tem quatro. Nos mais de mil dias de vida material e digital, houve grande evolução, esse fenômeno comum a todos os seres vivos não integrantes do Casseta e Planeta. Nota-se, por exemplo, como a diagramação avançou. Quero dizer, olhe para essa página. Não se preocupe com ler, por ora; apenas aprecie um pouco dessa limpeza visual elegante aliada à capa e às belíssimas ilustrações componentes de cada exemplar, que, feito o Facebook, “é gratuito e sempre será” (ao menos, acho eu que será. Isso não é um comunicado oficial. Não me cobre). Enquanto você o aprecia, acrescentarei algumas linhas de Lorem Ipsum. Pode resumir a leitura no parágrafo seguinte. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat.

Dirijamo-nos agora aos textos. Com o intuito de revelar gente não publicada, o RelevO oferece uma oportunidade muito, muito legal de apresentar material e, principalmente, acreditar nele. Claro que qualquer um pode publicar o que quiser na internet, além de divulgar para quem entender, potencializando um alcance indubitável. Por outro lado, a sensação de ter seu texto impresso e espalhado, de saber que alguém disse “gostei do que você escreveu; posso repassar em papel?” oferece um empurrão capaz de alterar seu pequeno universo circum-navegatório.

Não há literatura sem leitores, como não há idolatria a David Luiz sem sérios problemas gerais de interpretação. Os textos, enfim, também melhoraram muito, sustentados por uma base maior de colaboradores, interessados e curiosos. O que começou como mezzo belo projeto, mezzo belíssimo pretexto para o editor enviar e receber poesias de belas mulheres, já se transformou em mezzo belo projeto, mezzo belíssimo pretexto para o editor enviar e receber poesias de belas mulheres, porém com maior qualidade nos textos e, suponho, das mulheres (carece de fonte).

Não julguemos o editor. O jornal é gratuito, dá um trabalho do cacete e ainda acarreta em prejuízo de dinheiro e sono. Ou julguemos o editor, tanto faz; quem sou para tentar te convencer de algo? (Ele, o editor, ainda tem que lidar com esse tipo de babaca). Entretanto, chegou a hora do salto de qualidade, de atravessar o Rubicão. Após conversar com o revisor, nadamos à conclusão – aqui traduzida para sugestão –, de que, para manter a ascendência do RelevO, é chegada a hora de reduzir o critério “beleza da autora” na hora de selecionar alguns textos. Uma vez ignorada, ou ao menos relevada (argh, sem querer) essa condição, o presente periódico subirá outro degrau em sua breve história.

Nada a acrescentar. Finalizo aqui os apontamentos de ombudsman, essa função difícil de pronunciar, mas ainda mais difícil de preencher (CONTRATA-SE! Tratar com Daniel Zanella em jornalrelevo@gmail.com. Enviar foto).

 

Nota do editor:

Esclarecemos que, ao contrário do que alega nosso ombudsman-interino Mateus Lourenço, o RelevO não é uma entidade idealizada-ungida com o intuito de estabelecer relações de afeto & carinho com as escritoras ou, quiçá, leitoras que compõe o periódico.

Há, sim, um propósito de equilibrar o número de colaboradoras com o número de colaboradores, o que, de fato, tem sido um problema pouco recorrente de uns dois anos pra cá. Ao mesmo tempo, é natural que aconteça um maior entendimento nas coisas do coração entre semelhantes de uma mesma área – o que o ombudsman especula por um viés possivelmente maldoso e reducionista, o editor entende como natureza.

E, sim, habemus ombudsman definitivo: é Whisner Fraga, escritor mineiro, radicado em São Paulo, contista e poeta, autor de mais de dez livros. Ele abre os trabalhos a partir de agosto.

 

* Mateus Lourenço, 22, é CEO da Cerberus, empresa responsável por comprar poesias vendidas na rua por estudantes de Letras, apenas para dar de comida a cachorros em frente aos autores. Nas horas vagas, atua como ghost writer e se dedica ao árduo ofício de criticar a crítica literária, sendo, na crítica literária, o que o crítico foi na época em que a crítica literária era mais crítica literária.

Osny Tavares: Uma lista circular ad nauseam

Coluna de ombudsman extraída da edição de junho de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Meio ano atrás começamos um trabalho modesto e ambicioso. Uso adjetivos divergentes de propósito, pois acredito ser função do ombudsman criar um desequilíbrio que induza ao atrito, para no fim resultar em harmonia. Depois do processo de análise, o produto passa a ser bipolarizado em teses e antíteses igualmente identificadas. Somente com cargas positivas e negativas é possível conduzir energia.

Agora, encerrado meu segundo mandato, transmito a responsabilidade para o sucessor, confiante que ele trará novas ideias para esse espaço. Talvez muitas delas sejam discordantes das minhas. Tomara. Assim o ciclo descrito acima se renova e se alimenta.

Obviamente, minha visão sobre a literatura é pessoal. Mas só até certo ponto. Não teria a pretensão de possuir um corpus intelectual de todo original. Ele se completa com a síntese de tudo o que vi e li até agora. Relativamente pouco, em uma carreira que apenas se inicia. Mas o suficiente para criar um mosaico que, visto de longe, dá a falsa impressão de ser minimamente original.

Aprender pelo exemplo pode ser mais difícil que parece. Um sistema de pensamento “comum”, não–artístico, tende a funcionar da seguinte maneira: quando uma ação fracassa em cumprir seu objetivo, a memória automaticamente associa aquele procedimento ao erro. A cada vez que a mesma ação é tentada em outras ocasiões, por outras pessoas, mais a opção se consolida como falha. É o que os antigos chamam “experiência de vida”, ou a capacidade automática de formar padrões a partir da repetição, na qual a ferramenta maior é o tempo e a paciência.

Em artes, a sistemática acima é ineficiente. Toda ação artística tem por procedimento buscar um caminho novo. Se repete o já tentado e construído, não é arte. Portanto, a tendência é não haver duplicidade de abordagens. Claro, isso somente num ambiente ideal e irreal. Sempre existirão pontos em comum entre as obras, mas a capa de autenticidade tende a mascarar as o DNA em comum.

O ombudsman, em seu compromisso de guiar o processo dentro do veículo, acaba por ficar em uma posição delicada, fingindo pertencer a uma zona de conforto e certeza que na verdade não existe – nem para si mesmo, nem para os demais. Talvez pela recém- adquirida influência cultural do MMA no país, leitores e autores pediram para eu ser mais incisivo e fizesse jorrar sangue sobre a lona. Dândi pós-moderno, preferi o tapa em luva de pelica.

No processo de aprendizagem artístico, tão importante quanto a paixão é a falta dela. Empresto um conselho de John Updike: “Não se imagine o guardião de alguma tradição, um guerreiro em uma batalha ideológica, um agente punitivo de qualquer natureza”.

Existe algo de ingênuo nas artes, que é a ilusão de justiça. A crença de que o melhor sempre vai vir à tona, enterrando o imperfeito, é parte de um contrato de escapismo que vê no fazer artístico a resposta humana à tragicomédia da vida funcional. Uma armadilha destinada a trocar uma ilusão por outra, e com consequências ruins. Quando as frustrações começam a espoucar, e elas inevitavelmente virão com relativa frequência no começo, o mecanismo de negação será acionado. Seu hospedeiro passará a repetir discursos de superioridade formal ante a barbárie do gosto comum. Uma espécie de “Deus contra o mercado” que, de tão corroborado pelos outros adeptos ao vício, se cristaliza por consenso religioso. O Outro é o Mal.

Recuperando a premissa inicial, e confirmando a função do ombudsman, elenco abaixo alguns preceitos que podem soar contrastantes ao pensamento comum sobre a criação artística. Pouco disso é conteúdo original meu. Por não tê-lo ainda amadurecido, empresto o conhecimento de alguns grandes autores que já escreveram sobre o ato de escrever.

1) Da necessidade da solidão

Se existe um comportamento-padrão para a maioria dos autores, é a necessidade de solidão. Ela surge como uma quarta função biológica, tão necessária quanto comer, dormir e se reproduzir. John Irving comenta que, ao encerrar as aulas, sua necessidade de estar com os colegas se esgotava por aquele dia. Um espaço de algumas horas diárias consigo mesmo é necessário para o diálogo interno e a reflexão que frutificarão em literatura.

2) Da futilidade das patotas

Pertencer a grupos, patotas ou cenas serve de nada. Primeiro, porque talento não se propaga por condução térmica. Segundo, porque os amigos não são confiáveis. Afinal de contas, gostam de você (presume-se). Estivessem eles num júri em que você é o réu, seriam desqualificados pela promotoria.

3) Da ilusão de uma vida artística

A ideia de que existe um tipo de vida artístico regado a transgressões sociais e comportamento insalubre é dos mitos mais persistentes de nossa cultura. Há aqui uma inversão de causa e consequência. Alguns grandes artistas tiveram histórico com dependência química por causa de sua grande capacidade e sensibilidade, que os oprimia tão intensamente que precisava ser aniquilada, ou ao menos suavizada. Não usaram o vício para criar talento, afinal de contas o estupor químico cria sensações ilusórias de grandeza, sentidas apenas pelo usuário. A arte, entretanto, é real e coletiva.

4) Do interesse pela vida comum

Complementa o tópico anterior. Os aspirantes têm uma tendência a menosprezar a vida cotidiana e sua capacidade de gerar o sublime. São matérias-primas da literatura: amar, desamar e não ser amado, ter um filho, ter um emprego opressivo, se emocionar diante da beleza, ter uma família disfuncional, ter uma família que se reúne e brinda apesar de tudo, ficar doente e se recuperar, viajar, ter problemas financeiros. O que forja, molda e encaminha o artista é ser um homem (sem acepção de gênero: ser um humano).

5) Da inexistência de outras opões de carreira

Um artista é alguém que fracassou em quaisquer atividades anteriores e se descobriu incapaz de produzir nada que não seja arte. Pudera. É a pior opção de carreira possível, na soma entre tamanho do mercado, remuneração, insegurança, nível de stress e qualquer indicador que gurus corporativos ainda venham a criar. Se alguém é capaz de fazer um bom trabalho e se realizar em outra atividade, então provavelmente não é um escritor. E deve ficar feliz por isso.

6) Da recusa inicial à bajulação posterior

Todo profeta começou como herege. Dizer pela primeira vez em voz alta “sou um escritor” vai gerar certo desdém nas pessoas próximas. Algumas vão fazer insinuações muito sutis, outras vão tirar sarro da sua cara, mesmo. E não serão inimigos distantes, mas pessoas que estão próximas o suficiente para tomar a liberdade de dizê-lo (exceção feita aos integrantes do tópico 2). É preciso entender isso como parte do processo e relevar. Elas estão tentando te proteger do auto-engano. Se tudo correr bem, serão as mesmas que te bajularão no futuro. Convém, então, relevar uma vez mais.

7) Da insuficiência da técnica

O fato é que muitas pessoas escrevem bem. Essa habilidade, portanto, não é rara o suficiente para garantir um lugar ao sol ao seu possuidor. A auto-indagação a ser feita ainda é o velho chavão: “tenho algo a dizer”?

8) Do necessário passo adiante

A arte se move em passos milimétricos adiante. Qualquer produto que criar, por mais modesto que seja, precisa sugerir algo ainda não realizado. O domínio dos clássicos serve para avançar a partir deles, e não reproduzi-los.

9) Da leitura

Ler é o prazer maior de qualquer escritor e o objetivo último da organização de sua rotina. A leitura é uma ferramenta insubstituível para o domínio dos códigos textuais, essencial para obter a capacidade de usar a língua escrita a seu favor. Pense no Neo, de Matrix, quando deixa de ver os formatos do mundo e passa a enxergar somente a torrente de programação que o forma. Este tópico é tão importante que não deveria aparecer tão tarde não deveria aparecer na nona posição da lista. Mas se você chegou até ele, talvez esteja no caminho certo.

10) Da filtragem de tudo

Você absorverá somente 10% de tudo em que colocar os olhos. O que é bom, porque 90% de tudo que lê é lixo. Recorte o melhor dentre estes dez tópicos e guarde consigo. Passe o impresso a um colega.

Osny Tavares: Literatura grátis aqui!

Coluna de ombudsman extraída da edição de maio de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


No primeiro texto enviado ao RelevO, quando da estreia do espaço de ombudsman, comentei longamente sobre a necessidade de os artistas incorporarem a altivez do palco e se abrirem à provocação. Quando falo em artistas incluo os literários, também conhecidos como escritores. Estava então em meio a um longo ensaio pessoal, que relacionava a arte e a tecnologia com a experiência deste jornal, e usei um pequeno trauma de infância para ilustrar o que imagino ser um ponto de ruptura no fazer artístico. Era uma pequena analogia, claro, porque este processo ainda não se resolveu em mim. Ainda assim a ilustração parece ter cumprido o objetivo, pois nas semanas seguintes conversei com alguns leitores-escritores, do RelevO e similares, que demonstraram passar pela mesma – e necessária – aflição. Quero agora voltar ao assunto.

Em meu ainda curto e largamente incompleto desenvolvimento artístico-intelectual, tive a sorte e o prazer de ser influenciado por algumas pessoas-chave. Ironicamente, quem mais me desenvolveu literariamente foi um artista sem ligação direta com esta forma de arte. Músico ligado ao samba e aos movimentos culturais populares, ensinou-me pelo exemplo algo muito verdadeiro sobre o ímpeto da criação: fazer arte é se vestir de baiana e rodar no meio do Largo da Ordem, algo que ele fez de forma literal.

Comparando a música à literatura, há aqui uma diferença e uma aproximação. Por se tratar de uma arte performática, a música exige do artista o esforço em criar uma fruição “quente”, no qual o ato da criação ou execução de uma obra é parte incondicional dela. Diferente da literatura, produzida em oficina, clandestinamente, até que surja um produto final sedimentado pela impressão e que será usufruído pelo leitor em outro momento, de forma distante e independente do artista. Um ofício predominantemente solitário, tedioso até.

É um processo que deixa marcas evidentes na personalidade dos autores, que não raro desenvolvem uma tendência à introspecção e à timidez, quase sequelas da interação fria da linguagem escrita. Em períodos anteriores da história cultural, a poesia sempre serviu como contraponto, com declamações, concursos e apresentações públicas que aproximavam a literatura do teatro. Um ato que acabou se reduzindo à medida que a própria poesia perdia interesse entre o leitorado. Se este renovado interesse pelos versos, principalmente entre os jovens, não for apenas mais um balão de ensaio, seria interessante e importante que esse tipo de evento voltasse a ocorrer com frequência.

Porém, produção e divulgação não se guiam pelas mesmas balizas, e aqui a porca estica o rabo, pois, ao contrário do dito popular, já o mantém naturalmente torcido. Num campo marcado pelo excesso de produtos, propostas, autores e aspirantes, conseguir um espaço de relativo destaque requer certo jogo de ombros, que implica não somente insistência, mas, sobretudo, uma boa dose de abnegação e contemporização. Traduzindo para o português corrente: cara-de-pau. Largos e arranhados são os ombros do escritor. O gaúcho Fabrício Carpinejar pode ser um exemplo positivo. Mais ouvido que lido, é um cara que soube usar a chamada “cauda longa” a seu favor. Tirando um ou outro excesso, há o que se aprender com ele.

Com a planificação do acesso aos meios de comunicação, o autor se transformou em um promotor de si mesmo. Isso é ainda mais evidente entre iniciantes, que precisam chamar a atenção para si e sua proposta artística. Mas as características de personalidade que elenquei acima parecem criar uma cultura de passividade, em que o autor apenas se arrisca a colocar a cauda para fora d’água e espera ser pescado. É um comportamento ainda mais arraigado em Curitiba, onde escritores faziam edições artesanais e distribuíam entre os amigos. Pode ser válido dentro de uma proposta limitante, e num tempo anterior ao nosso. Mas jamais se consolidar com tradição.

Um editor, diante de um site ou jornal de literatura, deve se sentir como o Cristiano Ronaldo diante do Tinder. Tudo deve ter mais ou menos a mesma cara – a maioria aprazível; a extrema minoria, apaixonante. O RelevO é um periódico que se destaca por não ser escravo do próprio projeto editorial e gráfico. Ainda assim, seus colaboradores eventuais pouco oferecem de inovação estética. O pessoal do design é o melhor que a ausência de dinheiro pode comprar, capitaneado pela eficiente Iara Amaral. E não digo isso apenas por saber que ela nutre uma recíproca admiração por mim, mas porque há aqui um zelo pela elegância e legibilidade não muito comum em similares. Tenho certeza que esse pessoal adoraria afinar o contato com os autores e pensar um produto conjunto entre texto e imagem, estreitando o diálogo entre os dois discursos.

Também há recalibragem possível para o texto. Desenvolver minha opinião sobre isso vai requerer uma nova coluna, provavelmente a próxima. Se não tomar cuidado, posso estar estimulando o mesmo modernismo fora-de-época quase dadá, meio afetado, meio jeca, que ronda nossa gleba.

Osny Tavares: Nós e o cosmos

Coluna de ombudsman extraída da edição de abril de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um veículo cultural, quando amplia sua veiculação, precisa saber puxar de volta novos nomes para suas páginas.

 

O problema de assistir a um bom documentário de ciência é começar a ver ciência em todo lugar. Ela de fato está em todo lugar, mas o encantamento criado por essas produções me torna excessivamente naturalista pelos dias seguintes à exibição. Sou um sujeito altamente influenciável pela inteligência. Após uma explanação criativa, tendo a sair por aí replicando o que ouvi com a intensidade e convicção de quem acabou de sofrer uma lavagem cerebral. Mas geralmente passa logo.

Porém, tem sido um inferno desde que estreou Cosmos, uma série em treze capítulos subtitulada “uma viagem pelo espaço-tempo”. É, na verdade, um remake de uma série dos anos 80 co-escrita e apresentada pelo astrônomo Carl Sagan, grande divulgador da ciência e meu herói pessoal. Essa nova versão tem como frontman um de seus pupilos (Sagan morreu em 1996), atualização teórica e efeitos especiais de cinema. Um dos produtores é Seth MacFarlane, outro herói pessoal.

A partir de Cosmos, é possível perceber que a raça humana surgiu, resistiu, sobreviveu e se desenvolveu por meio de uma sólida consciência de coletividade. Dos grupos nômades aos clãs do início da agricultura às cidades-estado aos impérios aos países às modernas cidades, nos desenvolvemos a partir dessa rede de troca e proteção que veio a se chamar sociedade. Somos feitos para viver em bando.

A arte de certa forma reproduz essa tendência, com seus movimentos estéticos e inter-discursos. Pouquíssimos são os inovadores solitários. A maioria se insere em uma corrente estilística e propõe tão somente um milímetro de avanço – o possível para um mero exemplar da espécie. Aqui também há uma rede de proteção e acolhimento, essencial a um ofício tão volátil.

O derivativo disso é a formação de grupos de afinidade que acabam por estreitar o diálogo com o meio. Acontece com mais intensidade entre aspirantes e artistas em início de carreira, ainda não estabelecidos, mas tende a se arraigar, com propensão maior ou menor, ao longo de toda a trajetória. É como se tribos distintas disputassem um mesmo território sem qualquer possibilidade de comunhão. Afinal, é fundamental para a sobrevivência da família que o DNA partilhado encontre oportunidades de reprodução em um meio.

Em sua forma contemporânea, esse fenômeno é chamado de “compadrio”, substantivo que define a ação de priorizar, indicar e enaltecer uma pessoa com quem se tem alguma relação pessoal ou profissional em detrimento de outras igualmente (ou mais) talentosas e capazes.

Impossível imaginar que a empatia será algum dia excluída das relações profissionais. Nem deveria, afinal de contas. Mas o peso do compadrio parece anacrônico ao papel atual dos meios. Ele sempre sobreviveu pela capacidade que as mídias tinham de agendar gostos e comportamentos. Pular para dentro desse barco era a garantia de um sucesso mínimo. A ponte era estreita, entretanto, e uma mão esticada poderia tornar as coisas mais fáceis.

O padrão mudou, porém. Os meios de publicação são amplos e universalmente acessíveis. Permanecem os pontos de referência, como redes de televisão, estúdios, grandes gravadoras e editoras, para os quais é preciso pavimentar o caminho à vaselina ou vencer sucessivas etapas de um rigoroso vestibular. Porém, mesmo estes meios encontram dificuldades em “lançar onda”. Estão cada vez mais reativos, recolhendo e sofisticando produtos que explodem espontaneamente na web.

Cabe aos veículos, e notadamente aos alternativos e não comerciais, o papel de trazer a organização da produção cultural para um eixo mais plano e expandir grupos em vez de cristalizá-los. É uma proposta revolucionária e ao mesmo tempo clássica, que remete ao que existe de mais basilar no fenômeno da comunicação. Não se trata de benevolência, e sim de recalibrar o formato.

Um exemplo: recentemente encontrei um amigo em São Paulo que atualmente trabalha na gestão de um bar de comédia. Ele e os colegas aplicaram um processo de casting por seleção meritocrática. Qualquer candidato, pode até ser um engraçadão de escola, terá direito a três minutos de tempo de palco para testar a sua capacidade em fazer os outros rirem. Se não for bem-sucedido, ainda tem uma nova oportunidade (vai que estava num dia ruim). Passará, então, para um segundo teste, de cinco minutos, então sete e, por fim, a apresentação cheia de quinze minutos. Fazem isso para se adiantar a movimentos espontâneos e se manter como eixo integrador. Disso depende a sobrevivência comercial deles.

Esse é um exemplo fácil porque a comédia é, talvez, a profissão mais justa que existe. Ou o sujeito é engraçado ou está fora. Penso que o resto do setor artístico, e em especial a literatura, não esteja muito longe deste patamar. RelevO tem cumprido o papel de propiciar uma plataforma generosa com certo destaque, se comparado a publicações similares. Isto se deve a questões físicas e econômicas (formato, tamanho e custo marginal) associado a uma linha de atuação aberta, que encontra na despretensão a capacidade de se manter receptivo. Falta, porém, um canal adicional ao papel para conhecer, debater e articular novas produções a ser publicadas. O feedback ainda está limitado ao noventista e-mail e ao Facebook do editor, que demanda um filtro de amizade (viram o medo?) para se chegar até ele. Um fórum de discussão, na própria mídia social ou algum outro espaço na internet, proporcionaria uma interação mais dinâmica que a do jornal impresso e seus cinquenta tons de cinza.

 

Nota do editor:

De fato, o protagonismo que o impresso tem como produto final acaba por nos enfraquecer em outros meios, prejudicando, inclusive, o recebimento de mais feedbacks. Ainda não encontramos uma forma de nos fortalecer financeiramente para podermos investir, por exemplo, em um site que acomodasse toda a nossa produção e proporcionasse maior interação com os leitores.

Uma alternativa para um jornal mais dinâmico seria uma maior participação dos leitores no processo de edição. Poderíamos publicar mais textos numa versão digital e selecionar, através de votação, alguns textos para a versão impressa.

Novas plataformas também podem tornar o RelevO mais orgânico, com notícias diárias sobre concursos e espaços para novos autores, nosso foco maior. Porém, sem querer-me semelho a um ventríloquo, nosso travo para voos mais amplos é a falta de dinheiro.

Osny Tavares: O aqui, agora

Coluna de ombudsman extraída da edição de março de 2014 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Passamos por um período de urgência e aspiramos a revolução. Enquanto isso, nossa literatura segue atavicamente progressista.

 

Nada mais opressivo ao escritor de ficção que a História com agá maiúsculo, que insiste em cobrar o seu quinhão de fidedignidade. Mas não é por isso que ando por aqui neste mês, embora deva falar um pouco sobre História e histórias ao longo dos parágrafos abaixo. Co­mentarei, porém, a relação do jovem escritor com o tempo em que vive e como absorver a consciência de época – popularmente chama­da de zeitgeist – sem parecer datado ou ante­cipado. Fiquei às voltas com o assunto durante as semanas anteriores ao Carnaval, enquanto produzia uma reportagem sobre o impacto do golpe militar sobre a literatura brasileira do período. O material será publicado na edição de março do Cândido, que circulará paralelo a este RelevO. Fica desde já o convite à leitura do coirmão.

É um tempo interessante para ser jovem. Tudo parece aberto à refundação e cada pe­queno setor da vida abriga um comitê repleto de delegados a discutir até as cláusulas pétreas da vida. O que era automático, uma imposição da cultura sobre a qual não se refletia, torna-se um ato político. De mastigar um bife a torcer pela seleção brasileira na Copa, o indivíduo é desafiado pelos significados sociais de seus atos. O que é ótimo, pois parece um caminho necessário à lucidez.

Penso que a literatura, e principalmente do tipo que fazemos aqui, tenha um papel impor­tante em estabelecer um conhecimento mútuo entre os atores. Por dois motivos: primeiro, o imediatismo do periódico mensal dedicado ao texto curto permite uma reflexão quente, mas já com certo arrefecimento de ânimos. Por ve­zes, a contagem de dez segundos é insuficiente para recuperar a ponderação. Em um mês, en­tretanto, é possível contar até 2,6 milhões.

Não defendo, claro, que o jornal se torne refém de uma pauta de acontecimentos ime­diatos e se preocupe em caricaturar o real em pseudoliteratura. Mas é inegável que os fenô­menos que presenciamos atualmente repre­sentarão parte significativa de nossa identi­dade de época. Os protestos de junho de 2013, por exemplo, têm potencial para se tornar nos­so Woodstock — um evento que define a per­sonalidade de uma geração. E perceba que a comparação é possível apenas porque o evento de 1969 foi sistematicamente esmiuçado pelo olhar artístico ao longo das últimas quatro dé­cadas. As produções mais recentes tendem a ser mais maduras, porém os contemporâneos do festival foram responsáveis por tornarem-no icônico, enviando os primeiros sinais de “olhe para isso”.

No Brasil, presenciamos um despertar polí­tico da juventude após vinte anos de calmaria. A transferência de responsabilidade para “os políticos”, entendendo-os como representan­tes de uma classe autônoma, cobrou o seu pre­ço. Mais do que serviços públicos de qualidade, os cartazes nas passeatas clamam por um pro­jeto de vida adulta relativamente satisfatório. A geração nascida a partir dos anos 90 cresceu isenta das grandes utopias da modernidade, porém não encontrou nada para colocar no lugar. Batendo à porta de entrada para a vida adulta, tudo o que consegue vislumbrar como “o possível” é a reprodução de um projeto de felicidade individual que consiste em seguran­ça material e estabilidade, algo instintivamen­te avesso aos impulsos orgânicos da juventu­de. A adesão em massa a “causas” surge como a tentativa de responder de forma altruísta à opressão do bem-estar, cujos efeitos negativos incluem alienação e solidão.

Agora, vamos contra-argumentar.

É próprio da literatura tentar escapar das armadilhas de seu tempo para tentar cons­truir algo permanente. O próprio autor tende a ser identificado como um sujeito meio afasta­do das questões imediatas de sua vida, embora seja intelectualmente forjado por um proces­so coletivo no qual a data é um dos principais elementos definidores. O triunfo do artista ocorre quando, acorrentado ao hoje, consegue projetar o estético ou o existencial de amanhã. Mas a perenidade é uma ilusão. O descarte é bem-vindo para permitir que o novo surja e realizar a ambição humana de viver um pouco mais que uma única vida.

O RelevO flerta com o distante, o que é bom, mas permanece distante do próximo, o que não é tão bom. Ondas curtas não pegam no rá­dio do vizinho.