Tag: 2024
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Dos manuais e guias
Editorial extraído da edição de março de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.
“O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e jargões sem nenhum sentido. Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…” William Zinser em Como escrever bem.
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céu
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minoso
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cravos tímidos
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verdes frios s choc
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letas.
e.e.cummings em tradução de Haroldo de Campos.
Jarros de polvo!
Efêmero um sonho.
Luar de verão.
Bashô em tradução de Fabiano Sei.
“Entusiasmo. Prazer. Raramente ouvimos essas palavras! Raramente vemos pessoas vivendo e, no nosso caso, criando com base nelas! Ainda assim, se me perguntarem sobre os itens mais importantes no figurino de um escritor, as coisas que moldam o seu material e o impelem em direção ao caminho que ele deseja percorrer, eu apenas o aconselharia a olhar para o seu entusiasmo, para o seu prazer”, Ray Bradbury em Zen e a Arte da Escrita.
Uma boa leitura a todos.
Edição de fevereiro de 2024
Zeh Gustavo: Crise: o que faremos depois da escrotidão?
Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
A culpa não foi, tanto, minha: as cartas de janeiro é que deram a deixa. Valeu, Catarina Lara Resende (será ela parente do Otto, amigo do Nelsão, a quem este atribui a frase “O mineiro só é solidário no câncer”?) e suas Doses de escrotidão! Teve ainda o relato do apogeu e queda do Clube de Literatura Café no Cocô, por Cândido Magnus, um nome acima de qualquer suspeita. Houve as saliências de Natan Schäfer, citando José Paulo Paes: é sempre por essas que escrotos como nós geramos algo como “[…] a carne possuiu a carne” ou “nossa cabana tem furos no telhado”, em que se acusa a Lua de ser uma tremenda voyeuse. Então pediram, ah se pediram!
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O Conselho Editorial deixou passar mais esta: a terapia não está, nunca estará em dia — falta-me, além de fé na viabilidade de uma adimplência psicológica (!), o quinhentão mensal para minha autoelevação espiritual diante do mundo da classe média analisada. Mas, ao contrário da Matilde Campilho (aquieta, coração!), eu choro fácil. Isso equilibra um pouco as coisas?
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Já me apresentei, seção passada, mas faltou dizer que eu sou um cara meio escroto (e precisava?), daqueles apaixonados pelos boleros lúdicos e torpes de Aldir Blanc, pela cafajestice lírica dos filmes do Hugo Carvana, pela rouquidão gostosa da Zezé Motta e pelos palavrões da Dercy Gonçalves. Arte-xarope eu tento sequer nem comentar, quanto mais doar-lhe um roçar qualquer de meus sete sentidos.
À questão: não bastasse o sequestro de ao menos certos simulacros de escrotidão pela direita mais imbecil — a fascistada que devia estar em cana! —, noto haver ainda uma outra crise, fruto de um surto de (pseudo)moralidade nos discursos, sobretudo os virtuais. E onde falta escrotidão também há de faltar amor & arte: não há literatura sem flores de escatologia e cretinice, ou seja, escrotidão tirada a método e a quente; tampouco amor sem uma sacanagem de leve, essencial à construção de afetos, digamos, mais carnosos. A assepsia da vida, tudo controladinho como num aeroporto, é o maior dos precipícios.
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— Fiu! Já sei! Fazendo caras de intelectual fingindo que tem vida interior intensa, né, ô babaca?!
—Poupa meu saco, Passarinho, poupa meu saco! (…)
—Já sei! Fazendo caras de intelectual da geração perdida, fingindo que é agressivo e vingador, né, ô Hemingway de merda?
Carvana e Antonio Pedro riem de soslaio em certo momento dessa passagem antológica de Bar Esperança: o último que fecha, com Denise Bandeira nuíssima, Marília Pêra impecável de descolada, Pereio de Pereio e uma penca de gente-personagem em rota fácil de ser cancelada no mundo pós-escrotidão. Como a boa sem-vergonhice, acha-se grátis o clássico no YouTube.
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Bolívar vai à academia. Olho assustado, adio o quanto der a missão, mormente após trocarem o velho malhar por treinar, o que nos remete à antiga Melô do Romário: “Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer?!”
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Erlândia taca o porrete em almas amesquinhadas pela busca do encontro flácido: somos, cada qual, um microacidente “[…] que é milagre / e desastre / na mesma medida”.
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Escrutinadores da Akadimia pululam na redessoci e amam um Jorge Aragão feito com caipirinha de 51, com um toque de análises sociológicas do novo BBB. Às vezes, misturam Belo a discurso massa-empoderadx e Bacardi Maçã. Denúncia: é no dia seguinte disso que boa parte dos artigos e papers são produzidos.
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Lembremos do que nos dizem os verdadeiros pulhas: crise é oportunidade!
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Baby, pode soar a cantada barata, mas é importante para o futuro da nossa relação: você já ouviu falar de caralhinhos voadores?
Dos búlgaros ao Brasil Poeira
Editorial extraído da edição de fevereiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.
Abrimos oficialmente a temporada de rimar amor com dor, de perguntas como “com ou sem caracteres?” e das leituras de novos materiais para as próximas edições do nosso impresso, quase 14 anos circum-navegando de forma ininterrupta. Neste período (que engloba 176 edições), publicamos mais de 2 mil autores e autoras, 90% destes pela primeira vez em um veículo impresso. Alguns que por aqui passaram, inclusive, ultrapassaram a barreira da nossa inexpressividade e hoje são colunistas de jornalões e agitadores sazonais do Twitter-X, o que, muitas vezes, significa a mesma coisa (ao menos com remuneração bem melhor que o RelevO, que não volta cashback).
Não fazíamos um chamado público desde março de 2020, primeiros dias da pandemia. Recebemos, à época, aproximadamente 3 mil colaborações, o que resultou em um caos logístico e editorial. O que mudou de lá pra cá? Além de organizarmos melhor nosso fluxo de avaliações —acredite: estamos em dia com as leituras de janeiro de 2024 para trás —, também estamos muito mais esclarecidos com o que buscamos em nossas páginas. Basicamente, três fatores se desdobram em outras camadas:
- Textos bem escritos, ou seja, que respeitam as normas básicas da nossa língua ou as subvertem conscientemente, criando efeitos estéticos ou sinestésicos interessantes [geram beleza].
- Textos criativos, inesperados, imprevisíveis, que fogem das soluções mais comuns do nosso tempo. Textos que explicam menos e não duvidam da capacidade de compreensão do leitor.
- Textos simplesmente divertidos e criativos.
Naturalmente, somos surpreendidos com textos que não se encaixam nesses eixos. Conforme a nossa linha editorial, “não temos nenhuma restrição quanto ao tema, embora, a bem da verdade, estejamos um pouco cansados de literatura com a linha ‘escritor triste fumando em um bar’, ‘escritor triste escrevendo sobre escrever’, ‘poema sobre o valor da poesia’ e ‘meu amor não correspondido acaba de sair pela porta’. Isso não significa que materiais dessa natureza serão automaticamente piores e/ou recusados”.
Junto do chamado para publicação, também fizemos a devolutiva de mais de 700 textos recusados. Trata-se de um processo desgastante em níveis diversos: responder negativas (quem gosta de trazer más notícias?); tomar decisões injustas (e se desmotivarmos um talento genuíno?); e, naturalmente, ler – talvez o melhor verbo seja “enfrentar” – centenas de textos realmente indefensáveis. Também sabemos que um autor não selecionado tende a guardar algum rancor do veículo. Não acontece com todos, mas acontece. Resumindo: perdemos potenciais assinantes (capital financeiro), perdemos seguidores e entusiastas (capital simbólico).
Sempre reforçamos ao autor que fique à vontade para submeter outros materiais quando quiser. Esclarecer isso não impede que recebamos algumas tréplicas na linha “Tudo bem, o texto x é um sucesso de público, talvez o problema não seja comigo…” ou “Sou jornalista há mais de 20 anos, tendo ganhado alguns prêmios de literatura com crônicas, contos e poesias. Escrevo diariamente crônicas esportivas para um portal parceiro da rede x, gostaria de saber mais detalhes do por que minhas obras não seriam publicadas, já que contém potencial literário”. É do jogo, é do jogo.
Escolhas editoriais, mesmo que guiadas por um farol bem estabelecido, nunca deixarão de ser subjetivas, ratificando a nossa posição de meros leitores de uma certa e vasta produção que chega até nós, de traduções de escritoras eslavas a textos que falam das ”Estradas de chão, violas, bandeiras / Terra de Tom, Tonico e Tião”.
Uma boa leitura a todos.
Edição de janeiro de 2024
Zeh Gustavo: Cuidado: há um sambista na porta lateral!
Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
Jards, o Macalé, já cantarolou: há um morcego, há um abismo na porta principal. Pega o fio: aos 15 anos nasci, sob o céu alaranjado da Gothan City literária, já desguiando para a música, para a roda de samba. E assim a margeei — por exemplo, publicando livros sem torná-los de fato públicos, essas especialidades do ramo! —, com a dignidade de um penetra convicto ao se dirigir sorrateiro à cozinha da festa de bacana atrás de um gole de conhaque. Ora me apresento, entortando Macala: há um sambista na porta lateral da literatura! E dela para a p. 5 deste RelevO — mandato curto, passa já!
Mó responsa: quem há de superar a verve bem urdida e humorada que faz da prosa da Amanda Vital, ombudswoman que sucedo, poema-crônica deste tempo tão certinho das ideias como o Simão Bacamarte do Machadão? Prometo tentar não ser mala, atributo honorável para todo escriba, mas vamolá: quantos textos literários citam um samba, um sambista sequer? De orelhada, recordo o João Antônio com seu Guardador dedicado a Cartola, livremente inspirado no episódio em que Stanislaw Ponte Preta encontra o vate de Mangueira a lavar carros na lindona Ipanema das bo$$as.
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Ao inaugurar este ombudsdito, na música me apoio para me acercar de palavras que dizem das de outrem, ante o diverso corpus textual de cada edição. E assim vumos diretos pra delegacia (bença, João da Baiana!) tratar da de dezembro e da parte que me cabe, neste literafúndio (ui!): a ilustra de Gilberto Marques nos fita, olhos cerrados, a se perfilar entre a arte cega que seria a expressão máxima do desenho posta a dialogar com a rasura da memória, como sustentou Derrida. Bolívar Escobar dá rasante sobre a história do pensamento pegando de mote… uns memes clássicos! E eu achei bonito, viu? Também jogo no time da não metafísica.
O relato de Gumbrecht, em tradução de Bellin, sobre seu almoço com Foucault evoca a (des)graça dos encontros que morrem no quase da expectativa com que se forjaram. O que se teria sucedido de nossas vidinhas se eles vingassem, os danados? Não sei você, leitor(a) — eu fujo das desinências neutras, sobram-lhes bons intentos, falta-lhes musicalidade e a mim, ainda, a crença de que tornam melhor o mundo do deus Algoritmo e do sushi como área de interesse no Tinder —, mas vi tristeza, ainda, nas sugestões niilisterárias de Lucio Carvalho (juro caçava um delirium tremens se lesse um livro ilustrado por selfies!); e no Waltel milionário do ritmo de Felippe Aníbal. Ou seria amargura, termo em desuso? Aliás, amor e paixão, sei lá também, viu, Giovana Erthal, vale entrar na fila? Lacrar, na rede, cagando regra de relacionamento tem dado mais like, mormente se o relacionamento for do eu para com ele mesmo, o que a literatura médica anterior à pós-contemporaneidade sempre considerou como esquizofrenia. Vale também ouvir e cantar pagonejos em seitas comandadas por DJs. Ah, misturo tudo mesmo e, como reza o anúncio-manifesto da cZara: Foda-se o frete, camarada! Aqui é pirataria, embora eu ainda compre e (pouco) abandone livro pela meiuca, Enclave! O espaço vai curto: teve ainda poema (bem) ornado por Maria Joanna; Mylena Queiroz em tom ensaístico a discorrer dos recadeiros da terra Nego Bispo e Conselheiro; e Mistral fechando no duro do poético uma edição que flertou bastante com a aridez.
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Música — sentido-algo a que o velho Schopa se apegou a fim de nomear o mistério maior das coisas. Meu amor é bifurcado como o título do último Jards: poesia & música — se bem amalgamadinhas, hum… Sigamos a errar o (com)passo, próxima edição, Carnaval a vir?