Amanda Vital: Ombudswoman 12: é hora de dar tchau :(

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Car_s leitor_s, uma hora tinha que acabar, né? Quer dizer, ficar um ano aqui abancada no mesmo espaço, a bunda começa a doer, a perna prende a circulação, as costas começam a travar, essas coisas de velho.

Chega ao fim minha temporada enquanto ombudswoman do RelevO (e fiquei até um pouco mais do que o plano inicial, pela alegria minha — e espero que vossa também). Que os textos aqui publicados nesse período tenham divertido um pouco mais a rotina de vocês, querido leitor, querida leitora. Que me perdoem pelos textos ácidos a mais ou bonzinhos a mais (ou a menos, em ambos). Que me perdoem pelos textos mais fraquinhos, que sei que fiz. Que tenham sido úteis as pequenas anotações, os comentários, as resenhas, as opiniões. Obrigada pelos retornos, pelas mensagens enviadas inbox, pelas críticas & elogios & reclamações publicadas no correio dos leitores.

Não sei escrever despedidas, não. Hoje, por fim, não vai ter textão.

Eu só agradeço muito mesmo a oportunidade.

Ao Nuno Rau [ombudsman anterior], ao editor Daniel Zanella, à equipe toda do RelevO e sobretudo a vocês.

Obrigada pela estadia leve e muito querida.

Da redação: A partir da edição de janeiro, o espaço de ombudsman será preenchido pelo escritor, compositor, cantor e ativista cultural Zeh Gustavo. Também é mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2020) e licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2000).

Inesperadamente, leitores

Editorial extraído da edição de dezembro de 2023 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Novembro foi um mês movimentado — e nem compramos um Playstation na Black Friday. Comparecemos à Flip com uma edição especial do RelevO, em parceria com a Casa Queer. Fomos — editor e editor-assistente — na noite da quarta-feira (22), incomodados por Fluminense e São Paulo na rádio. Entre a visão comprometida pela neblina e jatos de água proporcionados por caminhões, chegamos em Paraty na quinta de manhã, após nove horas praticamente ininterruptas de deslo(u)camento, um tanto anestesiados pela breve passagem por um Graal Route Café NYC Market, na Rodovia Presidente Dutra.

Logo ao entrar no Rio de Janeiro, amaldiçoamos Paraty com a energia soturna do RelevO, fazendo a luz da cidade (inteira) acabar na nossa primeira noite. Tentamos, em um ato de ligeiro desespero, ir para outra cidade em busca de suprimentos e de um pouco de energia elétrica (difícil ler jornal em uma noite sem luz…), porém apenas estendemos nosso contato com a chuva. Na sexta-feira, circulamos, distribuímos exemplares (mais de 5 mil) e experimentamos o café com whey gratuito na Casa Folha. E cachaça. Voltamos para casa projetando uma circulação mais pujante para uma edição 2024 na FLIP.

Para o futuro próximo, precisamos/queremos participar mais das feiras e festivais de literatura. Além da distribuição direcionada a bibliotecas, pontos culturais e espaços de promoção da leitura – hoje enviamos para cerca de 200 pontos de forma gratuita e financiada pelos nossos assinantes –, entendemos que o público-alvo de tais eventos pode alçar o RelevO a um novo patamar de envolvimento com seus leitores. [Quem é o nosso leitor ideal? Aquele que entra em um texto sem pré-julgamentos, potencialmente curioso, sobretudo, gosta de ler e se divertir.] Também acreditamos que a distribuição direcionada pode ser de alta valia para os nossos anunciantes, que demonstraram engajamento financeiro a ponto de pensarmos em novas edições temáticas, para desolação dos designers e diagramadores do periódico.

Feiras e eventos, em geral, são bastante benéficos ao RelevO (e a qualquer pequeno comerciante que descobre seu nicho). Afinal, a probabilidade é muito maior de encontrarmos interessados na assinatura em qualquer aglomeração de leitores, escritores e editores do que batendo de porta em porta (física ou digital). Para tanto, naturalmente, precisamos de orçamento, de ações regulares de captação de recursos e do posterior custeio da logística. Ao menos, temos uma certeza: o RelevO sabe ser regular (regular!) e certamente podemos interessar àqueles que queiram seus projetos, livros, textos, editoras circulando no público que está atrás de algo para dizer “fui”, entre uma estranha bebida láctea gratuita e uma queda de energia. Também não desconsideramos o Jornal como substituto (ineficaz) do guarda-chuva.

Uma boa leitura a todos.

Nuno Rau: Ombudsman na pista pra negócio [ou: o fim pode não ser o fim]

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


A realidade é dura, car_s leitor_s, e eis que me encontrarei, depois do fechamento da presente edição, demitido de minha tão amada função de ombudsman do RelevO. E não me adianta vociferar contra os editores, brandir com virulência frases de efeito sobre as cruéis leis de mercado, a insensibilidade do capitalismo neoliberal: nada disso seria verdade. Eis que me encontro demitido porque essa é a beleza da função de ombudsman no RelevO: ela é rotativa, e no mês que vem outra cabeça virá dialogar com as páginas do jornal, suas qualidades, eventuais fragilidades, idiossincrasias, bem como com a voz de leitor_s que, pela natureza da mensagem, reclamam (e merecem) diálogo. As linhas acima, com certo quê dramático, são apenas pra ressaltar o gosto com que desempenhei essa função, aderindo ao projeto editorial com amor, e tendo percebido mais ainda, de dentro, a sua inteireza, seu compromisso, sua ética.

No entanto, a função de ombudsman também implicou no diálogo com o presente: o texto da edição de novembro foi escrito sob uma atmosfera carregada de angústia, às vésperas do segundo turno das eleições mais dramaticamente decisivas desde a redemocratização, todos nós atravessados por certo desespero diante do claro avanço do fascismo sobre nossas instituições, com apoio do mercado e das classes médias, essas em que vamos imersos. Provisoriamente vencemos, uma vitória por menos votos do que se esperava, até porque, pelo que soube no contato direto com diversos pontos de meu Rio de Janeiro — que continua lindo e selvagem —, o voto de cabresto foi ostensivamente remixado ao arrepio dos tribunais eleitorais, e de modo tão competente, capilarizado, fragmentado, que nos faz entender o motivo da decepção do candidato fascista e dos milicianos mais próximos a ele: as estratégias espúrias por pouco não deram certo, e eles esperavam realmente ganhar. Não fosse o Nordeste, teriam logrado êxito.

Emergimos do outro lado do túnel nutrindo grandes esperanças, e eis que escrevo esta última coluna sob o céu de Paraty, pedaço de território em que agora se movem escritor_s, poetas, editor_s, leitor_s e outr_s louc_s de plantão em meio a muitos exemplares das classes médias que vêm espargir seu brilho fátuo e fake, edulcorado pelo que capturam por osmose ao discurso da propaganda, enquanto provavelmente sentem um frisson percorrendo a espinha toda vez que os telejornais ou outros veículos mencionam a palavra “mercado”, posto que seus prazeres são profundamente integrados a ele, chegando a emular suas leis mesmo quando não haveria motivo razoável para que isso ocorresse. O pior: esse quadro inclui as parcelas há bem pouco tempo despauperizadas. As classes médias são um fenômeno complexo. Sempre que penso nelas me lembro, entre o riso e a tristeza, de uma reunião entre o centro acadêmico e a direção do IFCS — Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, onde puxei algumas disciplinas, por interesse pessoal (meu curso era Arquitetura), no começo dos anos 1980. No embate político que se dava, a imagem que um amigo empregou para representar os corpos discente e docente do IFCS foi simplesmente genial, pelo poder de síntese de sua metáfora, pelo aspecto inusitado e escatológico, alcançando grande impacto por força do choque (estamos falando de um momento em que a ditadura civil-militar ainda vigia, por mais que estertorasse), e para mim sempre representou também uma imagem fiel das classes médias, onde quer que elas vivam. Nas palavras dele, que tento escavar na memória, “nós somos como aquela parte da merda que, quando bate na água do fundo, espirra e se gruda pelo meio do vaso, e aí ficamos contentes de não estarmos no fundo, mas quando derem a descarga, nosso destino é o mesmo”. Este é o sentimento que guia as classes médias, e faz com que sejam aderentes aos fascismos de toda cepa, e é dessa parcela da sociedade que saem os intelectuais que, em percentual não desprezível — utilizando aqui a terminologia de Gramsci —, agem como prepostos do grupo dominante, comprometidos que estão em garantir que a visão de mundo e as práticas sociais do povo estivessem afinadas com o desenvolvimento da estrutura econômica daquele grupo. Foram intelectuais dessa espécie que emitiram, quase em uníssono, a frase “o mercado reagiu negativamente” quando Lula reafirmou seu maior compromisso de campanha que acabar com a fome é mais importante que respeitar o teto de gastos (que deveria ser entendido como teto de investimentos no bem-estar social). Para combater esse estado de coisas, temos outros intelectuais, dos quais Chico Science fez outra brilhante síntese: “E com o bucho mais cheio comecei a pensar/ Que eu me organizando posso desorganizar/ Que eu desorganizando posso me organizar”. Desorganizar a visão de mundo dominante, desorganizar as bases do capitalismo, que, em sua forma mais estrita, recende a fascismo.

A última edição é toda dedicada à Copa, ao futebol, à literatura dos países que estão na competição, e já vamos quase pela metade do texto sem nada falar sobre a relação entre a pelota e a pena. Pois aqui vamos, então, auxiliados por Pasolini, que, em texto descoberto por meio do livro Veneno remédio: o futebol e o Brasil, de José Miguel Wisnik, fala do futebol como algo que oscila entre a poesia e a prosa. Pasolini acabara de ver o mundial de 1970, e estabeleceu uma relação entre o futebol-prosa da seleção italiana (alheio ao drible por preferir a “prosa coletiva” da construção da jogada ensaiada, o gol nasceria como a conclusão de um raciocínio tornado visível pela organização coletiva), e o futebol-poesia do escrete brasileiro (o drible, o toque de efeito, a alegria gratuita). Na verdade, levei o equivalente a duas odisseias (em tempo, sem dúvida, e parcialmente em atribulações) até começar a ver o futebol sem preconceito. Não estou muito mal acompanhado, tenho a meu lado Lima Barreto, “que viu na adoção do esporte inglês no Brasil a degradação da cultura intelectual, a afirmação de um poder tiranizador e truculento, e uma sobre carga racista que a abolição havia atenuado”, como nos relata Wisnik. Se o velho Lima não estava completamente equivocado, também não acertou em cheio, porque não supôs o que nossa permanente vocação antropófaga faria com o esporte bretão nos campinhos de várzea, de onde surgiram deuses como Didi “Folha Seca”, Garrincha, Tostão, Pelé e talvez o jovem Richarlison, de quem sei pouco mais do que ter vindo do Espírito Santo, e demonstrar uma ética bastante precisa sobre questões sociais. Na contracorrente da visão do futebol que levei anos pra construir, como uma realidade mais complexa e não redutível ao bordão “esporte-alienação”, a percepção de que o mercado (sempre o mercado) atua como um vírus se combinando com as entranhas do esporte, catapultando meninos despreparados ao patamar de milionários em geral deslumbrados que não têm nada a oferecer como modelos para meninos do futuro além da habilidade de seus corpos em campo — não falo aqui do futebol das mulheres porque segue, ainda, outras lógicas, espelho que é das estruturas da sociedade: mulheres executam as mesmas funções ganhando menos, e com menos visibilidade, mesmo apresentando, não raro, maior profissionalismo, desempenho, dedicação, talento.

Como nada é simples, o futebol é também um campo privilegiado de observação do social, reproduz suas grandezas, suas mazelas, as paixões, exclusões, e na literatura, assim como na canção popular, no cinema, nas telenovelas, e em todas as demais manifestações da arte e da indústria cultural, funciona como motor de obras fundamentais — o painel traçado por RelevO é um testemunho disso. Entre os 32 textos selecionados para a edição de novembro, alguns são a representação da complexidade que se move sobre o idioma de cada povo, e a espessura com que certos poemas e trechos de prosa capturam esses movimentos complexos sob os códigos da linguagem nos atinge como um dardo. Os poemas de Elke Erb, Ghazi Al-Gosaibi, Kim Chun-Soo, Akiko Yosano, Irit Amiel, sem falar no poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, sua permanente investigação sobre o mar e a alma humana, e nos versos de Dylan Thomas, sobre seu/nosso ofício ou arte amarga, essa que nos traz aqui para indagar nos versos de tantos lugares do mundo a forma de nosso rosto.

Ao longo desses 12 meses penso não ter feito outra coisa senão perscrutar o que de nosso rosto fragmentário estava posto em cada página do RelevO, o quanto de nossa seiva comum percorria as fibras de celulose das páginas do jornal, imantadas pela tinta negra. O desenho desse rosto será cada vez mais importante como guia para fora do labirinto para onde nos vimos conduzidos, um pouco anestesiados que estávamos, talvez inebriados com as conquistas do campo progressista, parcas ainda, mas conquistas, relativas, mas conquistas, incompletas, mas conquistas distensionando relações, redimensionando estruturas, reelaborando percursos. Houve um lado positivo nesse habitar o labirinto: ao longo da dolorida estadia pudemos contemplar, ao menos parcialmente, a profundidade do abismo que existe quase em todo o entorno, como um fosso, e mesmo que ainda dentro dele conseguimos agora entrever a estreita passagem de volta, como um nada fácil contorno que teremos que cumprir até retomar o empuxo anterior, agora com certeza — sim, esperemos isso — com um sólido princípio de realidade. Queria deixar nessas palavras finais uma provocação aos editores do RelevO, e também a editor_s de todas os veículos de literatura, a escritor_s, poetas, leitor_s: que ações concretas podemos fazer, com ou sem apoio do Estado, para nos afastarmos cada vez mais do labirinto e do abismo que é seu entorno imediato? De que modos podemos sair em campo, mais ainda que antes, com mais força, mais assertividade, mais atenção e fúria, para fazer da literatura um instrumento ainda mais concreto e efetivo de transformação social, sulcando mais fundo a realidade desse presente conturbado?

Por fim, meu muito obrigado aos editores do Jornal pela parceria incondicional, a tod_s _s leitor_s pela interação possível, e que esta edição, que vocês têm em mãos agora, seja um sinal do novo tempo que devemos fazer com nossos corações, nossas mentes, nossas mãos, nossos corpos.

2023: logo ali

Editorial extraído da edição de dezembro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Chegamos à última edição de 2022. Neste ano de pós-pandemia, eleições e Copa do Mundo (e do primeiro Encontro Ufológico de Joinville), o RelevO continua imprimindo ininterruptamente, seguindo sua sina de ser de papel e de literatura desde setembro de 2010. Provavelmente, quando esta edição chegar às suas mãos, já saberemos que fim teve o Brasil na maior competição monoesportiva do planeta. Em novembro, para lembrar, fizemos uma edição especial com a literatura dos 32 países que disputam a Copa do Mundo. Não é segredo que gostamos muito de futebol e, em dezembro, nos aproveitamos das analogias esportivas para refletir sobre os últimos 12 meses.

Se o Jornal fosse uma seleção, seria, quem sabe, o Irã – organizado e aplicado, mas limitado e distante de uma grande liga? Temos uma equipe de apenas seis pessoas. Ou então a Croácia, com um futebol equilibrado e rompantes técnicos, mas com poucos recursos humanos para dar aquele passo adiante e se tornar grande? Temos, como fonte de renda, apenas assinantes e anunciantes privados. Seria alguma seleção que não foi pra Copa? Nunca nos sentamos nas principais mesas do meio literário.

2022 foi um ano desafiador sob muitos aspectos, com aumento de 23% de custos operacionais em uma ponta, diminuição do nosso corpo de assinantes em 15% em outra ponta e aprimoramento da nossa comunicação interna, com a circular, a Enclave e a Latitudes unidas em uma única base de controle (Substack). Conseguimos, enfim, centralizar toda a nossa produção de conteúdo digital, ajustar questões estruturais tão importantes quanto entediantes do nosso site e deixar cada vez mais evidente as vantagens de alguém nos assinar por apenas 70 reais ao ano.

Buscamos convencer nossos novos e velhos assinantes pelo trabalho contínuo em prol do que consideramos o melhor da literatura brasileira contemporânea. Não conseguimos competir em preço, mas nos esforçamos editorialmente – e não devemos favores. Somos uma defesa forte que busca aproveitar suas poucas chances de gol. Se subirmos demais ao ataque, seremos amassados. Assim, crescemos lentamente, adaptando-nos às intempéries naturais da vida. Estamos distantes das maiores competições do planeta, mas sobreviveremos até a festa de encerramento.

Uma boa leitura a todos.

Osny Tavares: Voz, posse e mandato

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO, em seu aparente compromisso com a autodesimportância, esconde de seus leitores o esforço de produção para cada edição. Parte desse corre foi relatado no editorial da edição anterior (novembro), longamente dedicado a uma reflexão logística.

Naquele texto, um elogio-desabafo, lembrou-nos que é jornal. Como tal, repete rotinas, consolida processos, assimila práticas. Em suma, cria trabalho pra si. E talvez por isso mesmo não fale disso.

A triagem de uma grande quantidade de colaborações é um exercício de disciplinado interesse pelos outros. É preciso lê-los e arranjá-los num todo coeso a cada mês. E assim repetidamente, nadando numa piscina de pautas frias.

Os colaboradores deveriam retribuir o interesse se fazendo um pouco mais claros.

Qual é o gancho?, como dizíamos na redação.

Pensando o jornal em uma articulação com o mundo, por que este texto deve ser publicado agora? Há uma justificativa na qual eu, o autor, não esteja incluído? 

O que eu estou fazendo com o espaço que me foi cedido?

Quem cria, busca um ideal. Qual é o meu?

Sandro Moser: Cartas na rua

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2020 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


No começo da carreira convivi com um jornalista da antiga que tinha fama (exagerada) de polemista e vivia em guerra aos leitores que escreviam cartas à redação. “Escrever para um jornal é a pior forma de solidão”, repetia. Sua rotina sadomasoquista começava com desaforos matinais aos críticos até o dia em que desafinou com a pessoa errada (“vá chupar o pau do Felipão”), o que lhe custou o emprego.

Em geral, os leitores são odiados pelas publicações. Em especial, quando cobram erros e posições. Não acontece neste RelevO, que, se pudesse, levava cada um de seus leitores para jantar fora. Aqui, não há a figura do editor que responde as reprimendas com ironia arrogante. A maioria das publicações que precisam de assinantes mantém um.

Em revistas como Mad, Placar e Piauí — para falar de tempos e públicos diferentes —, a voz que confrontava os leitores era uma das mais lidas. No Pasquim, Henfil e Jaguar, estrelas da companhia, faziam este trabalho.

O RelevO terceiriza a função ao seu ombudsman, órgão impessoal e transitório, que deveria fazer a defesa dos interesses dos leitores expressos principalmente em suas cartas, mas hoje falha por inépcia e preguiça. 

Na edição de novembro, porém, uma carta se destaca. A leitora Rosilene Gomes, com a gravidade de sua prosódia lusófona, faz a pergunta fatal: “Boa tarde !! podes me dizer o que é o Relevo ?”

Que grande questão. Existencialismo no Estácio. Não pode ficar sem resposta. 

Em parte, o editorial se ocupa de respondê-la: um jornal literário sem mecenas e que não encosta em dinheiro púbico. E que, portanto, não precisa lamber botas e puxar sacos. Nem se fazer de descolado para agradar ninguém. E que às vezes (pode, por que não?) é paneleiro, desagradável, pornochanchável. Abre páginas para quem não escreveria em nenhum outro lugar e fecha para quem mais queria aparecer. 

É uma amálgama desigual que mistura textos de hierarquia como os de Ranieri Carli, Racuel de Queiroz e do grande Rodrigo Madeira a outras prosas mais juvenis. Assim é que deve ser à “moda do lobo, sem amigos, sem mulher e filhos”. Termino destacando as páginas das duas poetas Julia Raiz e Maria Luiza Artese, que me foram apresentadas aqui e torcendo para que este ano de merda termine sem matar mais amigos meus.

Gisele Barão: Três acontecimentos

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2018 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Ter uma obra recusada por uma editora ou mal avaliada por um crítico não deveria ser desestímulo para autores. A parcela de escritores bem-sucedidos (use a definição que preferir para este termo) que foi descoberta milagrosamente por grandes editoras ou especialistas é muito pequena. Quem acompanha publicações literárias com frequência, por exemplo, consegue notar a preferência destas por determinados estilos: alguns temas e maneiras de contar histórias se repetem, pois as escolhas são também orientadas por critérios pessoais mais do que técnicos, e não há grandes problemas nisso, a princípio. É assim que as coisas são.

Paralelamente, há quem encontre sua própria estratégia para ser notado ou cumprir expectativas de ação no meio literário, e o mês de novembro teve alguns exemplos interessantes. No dia 24, aconteceu em Curitiba a Augusta Publica, uma feira de publicações independentes feitas por mulheres. As produções de várias artistas, escritoras, editoras e designers puderam ser conhecidas pelo público. Essas pessoas não estão em reportagens de grandes jornais, ainda não foram estudadas, poucos conhecem sua rotina extenuante de trabalho e criação. Fora do circuito tradicional, elas criaram outro circuito.

O próprio mercado literário, que é heterogêneo, tem caminhos diferentes para alcançar o público. No dia 11, foi criada no Facebook a página Livrarias de Rua, que divulga informações sobre lojas pequenas, que não integram grandes redes. Em duas semanas, a página já havia apresentado quase 20 dicas, de diferentes estados brasileiros. Qualquer pessoa pode colaborar com sugestões de livrarias que valem a visita.

Leitores também se organizam. Se falta tempo e estímulo para atender à lista de metas de leitura que costumamos fazer e não cumprir, há quem dê um jeito nisso. No início de 2018, um clube de leitura propôs um desafio entre os participantes: todos deveriam concluir Anna Kariênina, clássico de Liev Tolstói, até o fim do ano. Mês a mês, eles eram relembrados da meta e compartilhavam seu avanço sobre as páginas. Em novembro, encerraram o desafio com um encontro para trocar impressões sobre a obra. Em uma livraria de rua.

Com esse pequeno noticiário, quero dizer que coisas boas podem acontecer pela literatura mesmo em circunstâncias não tão favoráveis. Sempre haverá quem saiba recitar um poema de memória, presenteie um amigo com o livro de uma pequena editora, assine um jornal literário gratuito ou estimule outras pessoas a ler. É assim que as coisas são.