De custo-Brasil e codependências

Editorial extraído da edição de março de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todos os nossos editoriais, clique aqui.


Nos últimos seis meses, o custo de gráfica do RelevO aumentou três vezes. O custo de itens de papelaria aumentou 20%. A conta de luz quase dobrou em relação ao mesmo período de 2020, ainda antes da pandemia. Lembramos, dia desses, uma época em que fazíamos a distribuição do Jornal em oito cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) com R$ 100 no tanque — o litro da gasolina saía por R$ 2,50 em 2016 e já reclamávamos de uma alta recente do período. Não bastando, os Correios, em fevereiro, aumentaram a nossa modalidade de envio, a MDPB, em 30%. Um envio simples para Curitiba, que antes custava R$ 1,60, hoje não sai por menos de R$ 2,10. Em uma escala de 1150 assinantes, trata-se de um custo a mais considerável – e que impacta diretamente nossas margens de lucro.

Não especialistas que somos, aqui não nos interessa discutir o contexto geopolítico que torna o Brasil cada dia mais caro (embora determinados fatores sejam o óbvio ululante rodrigueano), nem a própria questão dos recursos envolvidos. Acontece que este é o Brasil que se apresenta e onde queremos continuar fazendo o que fazemos. Não podemos negar que a realidade está mais complicada para projetos como o nosso por fatores que também complicam a vida de outros negócios – muito mais importantes – espalhados pelo país. Sabemos que alguns fatores estruturais dos quais somos codependentes fogem ao nosso controle, e ao menos temos a opção de pular fora de tudo isso sem comprometer a renda de famílias.

O primeiro impacto de vários aumentos simultâneos de custo é a dificuldade de manter os valores de assinatura. Carregamos a anuidade de R$ 60 da assinatura básica desde o final de 2019. Para comparação, em setembro de 2019, o litro da gasolina circundava R$ 4,50, cerca de 55% menos caro que a média atual da Região Sul, mais especificamente de Araucária, sede logística do RelevO. Aliás, foi nessa época que começamos a oferecer a possibilidade de adquirir assinaturas de patrocinador (R$ 80 e R$ 105), que contribuem para o custeio do envio a bibliotecas comunitárias e pontos culturais nacionais.

Em suma, quando aperta, transferimos nossos custos para quem nos compra. Não existe nenhum segredo nisso. Não temos um megainvestidor. Não somos ricos. Não temos cargos públicos. Não aproveitamos nosso capital simbólico para nos aparelhar no Estado. Contudo, nossa comunidade de leitores, formada principalmente por sujeitos de Humanas, não tem sido capaz de assimilar a contento o aumento da vida como um todo. Historicamente, nossa média de não renovações de vínculos sempre foi de R$ 20%. Hoje, oscila de 30 a 35%, com tendência de piora em meses de férias escolares, como janeiro e julho. Pode ser que isso também tenha relação com o nosso produto em si, mas acompanhamos em planilhas rotineiras as justificativas da não continuidade. Não é impressão nossa, mero achismo. O RelevO é um projeto cultural com uma malha de números.

Pretendemos seguir com o valor congelado da anuidade básica no mínimo até o meio de 2022, mas sabemos que, em breve, precisaremos reajustá-lo. Como sempre enfatizamos por aqui, vivemos, basicamente, de assinantes e de anunciantes. Não utilizamos ou buscamos dinheiro público, tampouco vendemos anúncios travestidos de espaço editorial. Em linhas gerais, estamos conectados ao que acontece no país e sofremos o impacto de uma crise que se estende por muitos anos – e que, naturalmente, arrasta com mais facilidade os peixes menores. Sobrevivemos ao auge da pandemia, mas a escalada de aumento de custos nos preocupa muito.

Afinal, o que estamos fazendo? Primeiro, evitamos voltar ao patamar de distribuição anterior à pandemia, quando distribuíamos em mais de 450 lugares do Brasil todo sem custo para os espaços que nos abriam as portas. Estamos com ações mais direcionadas, como a ampliação da distribuição em nosso raio de ação, e mantendo o foco na captação de novas assinaturas a partir de nossos canais digitais. Não é muito, mas é o que sempre acreditamos desde o início do Jornal, lá em agosto de 2010: ações direcionadas, contínuas e mensuráveis. Esperamos continuar.

Uma boa leitura a todos.

Osny Tavares

Coluna de ombudsman extraída da edição de fevereiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


É engraçado esse troço de pensar em direitos do leitor. Não como o Daniel Pennac, mas como uma certa matéria de direito. Que direito, de fato, tem o leitor? O consumidor tem direito que o livro comprado tenha todas as páginas encadernadas em ordem, mas o leitor tem direito a uma coerência?

Quais direitos deveriam ter, então, quem lê o RelevO?

Ler é eufemismo de bisbilhotar.

O leitor tem, sempre, o direito de ler.

E os verdadeiros românticos mandam cartas.

* * *

      Esta é a última coluna deste meu segundo período como ombudsman do RelevO. Obrigado pela leitura. Nos encontramos depois.

Saber ser novo, saber ser atual

Editorial extraído da edição de fevereiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Todo começo de ano, buscamos aprimorar, modificar ou nos esquivar de determinados comportamentos típicos da nossa estrutura. Refém de ciclos como sempre fomos — isso de ser mensal nos conecta ao tempo do calendário —, vamos, ao longo do ano, empurrando alguns problemas. Por exemplo, a dificuldade de manter em dia a leitura dos originais que nos são enviados, bem como a aversão (ou simples inaptidão) notória que temos das redes sociais.

Com relação ao nosso primeiro déficit histórico, começamos o ano lendo quase mil textos, retirando no mínimo 50 que podemos ler, reler, olhar para o lado e dizer: “aí sim, aí sim”. Ainda temos aproximadamente 500 leituras pendentes. Em 2021, tivemos um aumento de 30% nas submissões de textos, o que consideramos um excelente fator de interesse — e um dado angustiante. Mais textos lidos (e aprovados) indicam a possibilidade de prover edições mais coesas, tanto editorial como graficamente.

Entretanto, há duas questões crônicas nas não leituras. A primeira refere-se ao tamanho do nosso Conselho Editorial, atualmente composto apenas por editor, editor-assistente e um terceiro editor-leitor do meio literário, fora da nossa redação, consultado em casos de dúvidas mais complexas sobre o material submetido para análise. Somos dois (mais um, eventualmente) diante da vida e de uma pasta chamada “[0] Avaliar”, crescendo diariamente como a sede ao longo de fevereiro. Podíamos ser mais? Sim. Sem remunerar? De forma alguma.

O segundo aspecto é que recebemos muitos, muitos, muitos textos absolutamente ruins, equivocados, crus, fora das nossas normas básicas; textos que fariam corar estudantes do 4º Ano do Ensino Fundamental. São textos de política partidária mais afeitos ao cotidiano dos portais; textos sobre a primeira gestão do presidente de uma associação médica de Curitiba; textos escritos literalmente para o jornal da faculdade; textos que os autores queriam enviar para o outro jornal de literatura que também começa com a letra R; textos em que a bio (a qual sempre enfatizamos não ser necessária) parece ser mais importante que o texto.

Você deve saber por intuição ou por execução: ler diversos textos ruins, na sequência, um atrás do outro, é como caminhar descalço no asfalto; os cinco segundos intermináveis do cotonete do exame PCR no seu nariz; a sensação de acordar sem sentir o braço; o prelúdio turvo da sentença “quer ouvir algo desagradável agora ou conversamos depois?”.

Temos orgulho e medo da pasta “[0] Avaliar” e nunca negamos que somos um jornal de base. Muitos escritores e escritoras começaram suas trajetórias publicando em nossas páginas. Muitos sequer tinham passado pela experiência de ser remunerados por ligar uma palavra à outra, embora seja plenamente possível fazê-lo nos maiores jornais de literatura do Brasil sem receber um centavo. Enfim, sabemos que somos cancela de pesagem.

De modo algum negamos a satisfação de, em meio às trombadas desleais e aos jogos de corpo com vantagem para a defesa, encontrar aquele texto matador, redondo, que para em pé; o texto divertido, envolvente, estranho, porém “belo como o encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação”, tal qual alegava o Conde de Lautréamont perante o que consideramos a ideia máxima de afetividade. São os textos bons que nos fazem esquecer que somos editores, que emulam a nossa velha vontade de simplesmente ler algo prazeroso (com todos os subjetivismos implícitos) e de dizer “olha isso aqui, olha isso aqui”.

Acerca da nossa aversão às redes sociais, damos alguns passos na direção de aproveitar mais os benefícios e as facilidades das novas ferramentas, mesmo que sintamos certo desconforto em ser insider daquilo que nem queremos conferir tão de perto. Paralelamente, temos algumas ressalvas em relação ao VAR. De todo modo – e mais importante que isso, ao menos para nós –, subimos todas as edições da história do RelevO em nosso próprio site. Também estamos subindo todos os textos dos diferentes ombudsman.

Antes de tudo, somos um jornal impresso, envolvido na materialidade do ciclo mensal, com custos físicos, datas-limite. Não somos um projeto paralelo ou um hobby. Temos muitas informações sobre o nosso meio e nosso público e planejamos a nossa continuidade de acordo com as intempéries que se apresentam. Em meio a isso tudo, tentamos ser novos sem ser efêmeros, tentamos ser atuais sem abrir mão da nossa forma de ser e estar no mundo. O problema do VAR continua sendo os operadores.

Boa leitura a todos.

Osny Tavares: Matéria de poesia

Coluna de ombudsman extraída da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Como é começo de ano, e ainda estamos meio bêbados, uso a mais-quemanjada referência a Manoel de Barros para destacar um ponto da edição passada (dez/21), que trouxe uma boa coletânea de poemas, entre produções originais e traduções. Quando uma poesia toca o leitor, há de ser um momento especial do fenômeno linguístico. Para além de sua matéria artística, uma outra — a plataforma em que circula — é componente fundamental da mensagem. E sobre ela é possível perguntar, sem acusar-se de poeta, de que matéria é feita.

A poesia é uma arte performática; ela transita por um espaço; o papel é seu palco. Ela só tem sentido publicada; o fazer poético é pegar a tinta e registrar no papel a forma linguística do sentimento; pulsão transcendental, do intangível ao tangível.

O jornalão de anteontem costumava ser janela para os poetas. Davam, além da visibilidade, uma chancela temporal. Diziam do poema: isso é novo!

Os periódicos literários servem para atualizar a literatura. Atualizar em segundo sentido metafísico: realizar, passar da potência ao ato. 

Precisam mostrar a poesia ao leitor e dizer: é chegado o tempo para isso.

11 anos e um segredo

Editorial extraído da edição de janeiro de 2022 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos editoriais, clique aqui.


Nos últimos dias de 2021, o RelevO solucionou uma dor de cabeça distante, daquelas que insistem em latejar no canto direito da testa e sequer têm relação com a ressaca ou com o dia seguinte de ser estapeado na cama perante o devido consentimento. Pois bem, concluímos o processo de migração de todo o acervo de edições. Em outras palavras, todos os nossos PDFs agora estão disponíveis no site do Jornal, sem depender de qualquer elemento externo. Qualquer um pode verificar agora mesmo em <jornalrelevo.com/edicao/arquivo>. São mais de 150 edições, desde as ordinárias até aquelas que fizemos e realmente não lembramos como ou por quê.

Trata-se de um passo estrutural importante, pois valorizamos nosso próprio trabalho e facilitamos o acesso ao material. Também organizamos informação – o que é inerentemente prazeroso – e a centralizamos em um espaço nosso. Aos poucos, subiremos todas as colunas de ombudsman e os editoriais. Eventualmente, as centrais. Tudo devidamente catalogado (data, autor, edição) e pronto para receber visita, com seus links individuais, visando a uma espécie de panorama digital de nossa produção impressa em pouco mais de uma década. Não podemos dizer que ficaremos com saudades do Issuu, embora ele tenha sido útil enquanto o direcionamento durou.

Para 2022, queremos continuar imprimindo. É a meta primordial – todo ano, sem exceção. No nosso meio, perder de vista a própria existência é o primeiro passo para deixar de existir. Estamos sempre no limite, mas com cautela e segurança; somos o limpador de janela sobre o banquinho de madeira no arranha-céu, com a pele invariavelmente em jogo. Dez anos atrás, queríamos concluir nosso segundo ano; agora, bem mais estruturados (isto é, cascudos), queremos chegar ao 12º – e por aí vai. Não somos o time que classifica para a Sul-Americana e acha que pode pagar salário de Flamengo. Cada novo investimento é uma planilha esmiuçada em detalhes.

Subindo na pirâmide de Maslow institucional, precisamos de metas mais claras para o RelevO como pessoa jurídica. Até que ponto a formalização do Jornal é vantajosa? Existem benefícios suficientes para compensar o tempo e o dinheiro gastos com burocracia? Definir em que ponto nossa brincadeira pode chegar no futuro será determinante para agirmos hoje. Queremos ter um talk show? Um selo de música eletrônica? Promover uma festa com ofurô gigante preenchido por vinho australiano e com dois tigres jovens e mansos para serem montados pelas pessoas mais audaciosas? Sonhamos em ser maiores que a piauí ou nos contentamos em manter distribuição no Piauí?

Enquanto isso, tentamos expandir nosso bolo. Mais leitores, mais assinantes, mais acessos, mais anunciantes: em consonância, esses quatro elementos reforçam um ao outro, formando um círculo virtuoso que, além de permitir nossa referida existência, nos faz perder o medo de olhar para baixo à medida que o banquinho de madeira sobe o edifício envidraçado.

Boa leitura – e um grande ano a todos nós.

Osny Tavares: Voz, posse e mandato

Coluna de ombudsman extraída da edição de dezembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


O RelevO, em seu aparente compromisso com a autodesimportância, esconde de seus leitores o esforço de produção para cada edição. Parte desse corre foi relatado no editorial da edição anterior (novembro), longamente dedicado a uma reflexão logística.

Naquele texto, um elogio-desabafo, lembrou-nos que é jornal. Como tal, repete rotinas, consolida processos, assimila práticas. Em suma, cria trabalho pra si. E talvez por isso mesmo não fale disso.

A triagem de uma grande quantidade de colaborações é um exercício de disciplinado interesse pelos outros. É preciso lê-los e arranjá-los num todo coeso a cada mês. E assim repetidamente, nadando numa piscina de pautas frias.

Os colaboradores deveriam retribuir o interesse se fazendo um pouco mais claros.

Qual é o gancho?, como dizíamos na redação.

Pensando o jornal em uma articulação com o mundo, por que este texto deve ser publicado agora? Há uma justificativa na qual eu, o autor, não esteja incluído? 

O que eu estou fazendo com o espaço que me foi cedido?

Quem cria, busca um ideal. Qual é o meu?

Osny Tavares: Uma discussão sobre tamanho

Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Virar berliner é sinal evidente de decadência para um jornal brasileiro. Deve ser, inclusive, para os tabloides. Comento porque o RelevO está chegando a uma idade em que discussões sobre tamanho físico começam a ganhar relevância.

Caso este jornal se aventurasse a uma nova medida, primeiro, pareceria profissional, o que poderia afastá-lo de sua vocação primeira, que é estimular a escrita. Depois, interessado em inserir-se – como voz e como tema – em um debate social mais hegemônico, o que sempre faz mal à literatura. O contrato de leitor é sempre o de poucos contra muitos.  É o prazer de uma correspondência que escapou a alguns postos de controle.

O autor-colaborador deste periódico tem responsabilidade sobre quem cita. Ele atrai para o círculo de correspondência uma atenção externa, originalmente não-interessada. E para o leitor interessado, agencia a curiosidade.

Entre os veículos alternativos, o RelevO distingue-se por ter uma segunda geração de leitores. São jovens dos primeiros anos de formação intelectual, que ainda tateiam em busca de referências, e cujos cânones ainda estão por ser estabelecidos.

Quem ousa manifestar-se na grande comunidade dos autores deve garantir-se capaz de identificar interlocutores de valor. Escrever é falar com escritores. Comunicar, sobre a cultura, aquilo que lhe é mais verdadeiro. Essa é uma confissão do sábio: orientar, apontar por quais caminhos ele próprio viu.

O artista, também o literário, precisa renunciar a qualquer sistema de valores para além do estético. Todo registro escrito é um desejo de permanência.

Nossa era exige uma certa moral hipertextual. Uma resposta à questão: para quem você está abrindo um link?

Osny Tavares: Em defesa do gênero neutro

Coluna de ombudsman extraída da edição de outubro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Todos os meses, antes de sentar para escrever esse texto, tento cavoucar as páginas em busca de algo ainda não devidamente observado. Essa é a jornada do ombudsman de jornal literário: ser um acupunturista das pretensões alheias. Desta vez, me detive com curiosidade na página 2, aba Publique. O quadrinho cinzento diz que este jornal recebe textos de todos os gêneros, ilustrações, narrativas visuais e fotográficas.

É um convite à pluralidade de gêneros, mas poderia ser compreendido — de forma aprofundada — como a superação destes.

O mercado editorial está em crise (novidade!). Esta, porém, parece um pouco mais ampla, pois se estende também à plataforma. Muito se lamentou o fechamento dos cinemas na pandemia, pouco o das bibliotecas. A discussão sobre a perenidade do livro é longa e complexa, e não me cabe. Mas lembro dela para refletir sobre o norte estético que compositores de letras podem buscar.

Poderíamos, sim, especular sobre a vitalidade do romance, ou de um determinado tipo de prosa estrutura em descrições, diálogos, cenas. Este ainda é, de fato, o gênero nobre e altivo da literatura, recheador de estantes da classe média medianamente ilustrada, ou apenas o último cadáver da modernidade que, tal como os de Antares, hesitam em desocupar a praça? Por que ainda se tenta escrevê-los? Por que ainda se busca demonstrar possuir fôlego e técnica para tal?

Os textos enviados ao RelevO se enquadram com alguma facilidade em algum gênero consolidado. São, primeiramente, uma homenagem a estes. Eu diria até que a prosa longa é a visão majoritária, quase comum. É natural que se comece em terreno conhecido, porque, convenhamos, esse papo de transgressão sempre soa bem pedante. Porém, penso que um autor deva buscar ser novo, antes de ser velho.

Fugir dos gêneros consolidados e, por consequência, criar um novo é para raríssimos, evidentemente. Mas usar a linguagem literária de forma ampla e híbrida para comunicar com densidade é possível para um público letrado mais amplo, minimamente inspirado e pouco impressionável com fardões de academias.

Osny Tavares: Pode o jornal literário ser moral?

Coluna de ombudsman extraída da edição de setembro de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Os manuais de Jornalismo afirmam que a função do ombudsman é questionar o jornal sob a perspectiva do leitor — que é exatamente aquilo que o ombudsman é. Ou seja, a função do ombudsman é questionar o jornal sob a perspectiva de si mesmo.

E a questão que mais me rói a barba desde há muito é a questão moral. 

Como é produzido e distribuído para quem o solicita mediante troca monetária, é inegável que o RelevO seja um bem. 

Mas pode o jornal ser bom, em sentido moral? 

Pode estar a serviço de algo? 

Amplificar algum discurso? 

Referendar alguma ideia? 

Dizer-se representar o que seja? 

Lecionar? 

Quem se deixará lecionar por um jornal literário? 

O que deve fazer o jornal literário, então? 

Destruir? 

Agredir alguém de alguma forma? 

Quem se sentiria agredido por um jornal literário? 

Então, literário é somente o que um jornal literário pode ser.

Osny Tavares: Ensaiemos!

Coluna de ombudsman extraída da edição de agosto de 2021 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.


Um amigo me contou de seu rápido encontro com Umberto Eco em uma praia italiana, e eu imagino a cena conforme descrita: o célebre escritor estirado numa cadeira com a pança peluda ao sol, na qual apoiava uma revista do Pato Donald. Para o meu amigo, e para mim, a visão é um símbolo prosaico dos caminhos nem sempre óbvios pelos quais o pensamento sobre a cultura pode enveredar.

O RelevO é abrangente: vai de Homero a Hermes & Renato. Uma vez mais, retrata a diversidade formada pela nossa comunidade de leitores. A aculturação não é um domínio sobre o repertório do outro, mas o encontro de novas conexões e possibilidades. 

Ensaio é gênero investigativo por excelência. Espécie de crônica acadêmica, tateia pubescente pelas áreas do saber especulando sobre o novo. É literário em seus recortes e filosófico em seus objetos. Este ombudsman é um grande fã do gênero, e encontraria alguma felicidade em vê-lo com mais frequência neste jornal.

A edição anterior, de julho, trouxe um bom exemplo. Saul Cabral Gomes Júnior cruzou Heidegger e Clarice Lispector em “O Dasein clariceano”. O ombudsman, que leu nada do primeiro e algo da segunda, recebeu uma análise pessoal —suficiente em si —, que se projeta em direção a uma cátedra. O manejo conceitual em um campo distinto é ferramenta pedagógica e literária de grande valor.

O domínio teórico não é condição para uma boa leitura do texto. Ao contrário, o bom ensaio aproveita o ineditismo do leitor. Escapando ao risco do pedantismo, é possível ser leve, alegre e profundo, comunicando a um público de não iniciados.

O pool de autores e autoras do RelevO certamente encontrará muitas tangências dignas de serem rabiscadas. 

Em uma pança larga cabem bibliografias das mais diversas.