Coluna de ombudsman extraída da edição de novembro de 2024 do Jornal RelevO, periódico mensal impresso. O RelevO pode ser assinado aqui. Nosso arquivo – com todas as edições – está disponível neste link. Para conferir todas as colunas de nossos ombudsman, clique aqui.
“Permita, amor, que eu viaje às suas mãos…” — Hart Crane dá o tom inefável do último RelevO. Não intentaria um impresso, ou um livro, ou um coração partido, empreender senão uma mesma e repetidamente inédita, e necessária, viagem de afirmação da vontade de alcançar o belo, o que nos deveria governar e do qual deixamos, sorrateiros desistentes, de falar? Ou há perdida essa capacidade demasiado humana de entrever, no precário instantâneo do existir corrente, aquilo que sugere permanência, assim como jazem, perdidos no tempo do Onça (um detestável governador do Rio Império, nos 1700!), os luares amplos que a cidade engoliu com seus faróis ceguetas?
*
A diferença da viagem de fruição do jornal impresso para a do amor é que, embora absolutamente datados, diria, em tese, ultrapassados pelos atropelos do tempo da afetividade não afetável, o primeiro ainda se deixa pegar pela mão pouco antes de servir ao pipi do pet, enquanto, do outro, mal se nota o indisfarçável aceno de um adeus, rumo ao Bumble ou mesmo à adesão intelectualoide a alguma bobagem da vez.
*
Ambientação, a sacada do Enclave para elucubrar sobre por que certos filmes nos pegam e outros não, diz também de por que tomamos tanto remedinho e nos sentimos tão sós, neste hodierno. Ambientar(-se) dá uma obra danada. E que merda! — exige reconhecimento do outro como complexo enérgico de tipo vário ao seu. O outro é nosso negativo fundamental, por excelência, para que haja nós.
*
Anda faltoso, para com a gente, o tal de eterno. Ou nós para com ele, dá na mesma. Ainda que se trate, em tom viniciano, de um eterno enquanto dure.
*
No Apocalipse Imbecil de Toninho Pirassununga e Robert Esponja, “filmes supostamente adultos para histórias supostamente infantis vieram para ficar”. Se esse roteiro também é seu, se apresse para buscar seus royalties! Pois, do influencer de comida de rua ao turista profissional, a idiotia disfarçada de erudição é o melhor cobertor para a falta de assunto e propósito na vida. Logo, a concorrência é grande, pense bem.
*
Não se tocam trombetas, nem mesmo musiquinha de celular, na beira da hora que fica. O tempo passa, o tempo voa — sobretudo pra você que ainda lembra dessa peça publicitária.
*
Canta Silvio Rodriguez, em dada canção-pintura (Óleo de una mujer con sombrero), que vislumbramos uma luz que vacila e que promete nos deixar às escuras, se é perdida esta bela loucura — a nossa forma de amar. Na encruza de qual ela seja, essa forma, tomamos decisões. Devemos topar determinado trabalho ou viagem? Ir ou permanecer, donde estamos? E ao lado de quem? Na nossa balança de juízos, fechamos com o opressor gentil, em sua empáfia histórica ao comprar os direitos de nossa alma; ou com o suprimido que, mesmo sangrante, nos oferece — e também dá, de bandeja — sua não ociosa mão calejada?
*
Ao contrário de mim — ou a favor, dependendo do ângulo — e talvez das evidên$ias, o Editorial nos afirmou haver, em curso, uma revolução silenciosa do impresso — e, por extensão poético-licenciosa minha, das velhas boas coisas imprestáveis, que jamais deveríamos deixar de cultuar.
*
Sobre a citada luz — mesmo que vacile, ela está lá. Ou seja, aí. E ainda Crane: “Luz se atracando sem descanso, lá, com luz, / Estrelas se beijando, onda a onda, até / O embalo do seu corpo!”.
*
A eternidade, ela pode nos escapar entre os dedos, sem meu pé me dói, como diziam os antigos; e sem sequer mais que um lastro no mar, se é perdida a cara forma do verbo — intransitivo, como nos ensinou Mario de Andrade — que nos é mais precioso.
*
Pode até parecer chato, mas olhe melhor: a razão do eterno é bem sexy!